PREFÁCIO.
Em meio a tantas transformações por que passam as
relações jurídicas de Direito Privado, o Direito das Coisas talvez seja o mais
instigante, por atrair aspectos a um só tempo dogmáticos e ideológicos, a
suscitar mecanismos de permanente conflito de interesses, no que tange ao
aproveitamento dos bens, entre a tutela patrimonial (propriedade como garantia)
e a concretização de direitos fundamentais (propriedade como acesso). A
sistematização da matéria, permeada por núcleos normativos não raro
conflitantes, exige reconstrução teórica de elevado grau de dificuldade. A tal
desafio se lança o Professor Flavio Tartuce, nesta 6ª edição do volume 4 de sua
já consagrada obra dedicada ao Direito Privado Brasileiro.
O livro encontra-se
organizado em nove capítulos, dedicados aos principais institutos dos Direitos Reais
e às suas principais controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais. O
primeiro deles traz uma Introdução ao Direito das Coisas,
analisando a questão terminológica, a discussão a respeito da taxatividade e da
tipicidade dos direitos reais, as diferenças em face dos direitos pessoais
patrimoniais, bem como a aproximação entre tais categorias jurídicas na
perspectiva da Constituição Federal de 1988.
No segundo
capítulo, estuda-se a posse, seu conceito e natureza jurídica, as teorias
justificadoras, a visão sociológica, as principais classificações possessórias,
seus efeitos, formas de aquisição, transmissão e extinção. Merecem destaque as incursões
interdisciplinares então levadas a cabo, em especial os aspectos processuais,
com a exposição das principais ações possessórias, diretas e indiretas.
A
propriedade é tema do capítulo seguinte, com a sua conceituação
civil-constitucional, abordagem profunda da sua função social e de outras
limitações ao seu exercício. São estudadas, com detalhes, as formas de
aquisição da propriedade, com atenção especial à usucapião. Este
Capítulo 3 ainda analisa o controvertido mecanismo da chamada desapropriação privada, constante do
art. 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil, tendo como referência informativa os enunciados
aprovados nas Jornadas de Direito Civil. O encontro dos elementos
teóricos com a realidade prática dá-se mediante o confronto dessa nova
categoria com o julgado da Favela Pullman, pronunciado pelo Tribunal de Justiça
de São Paulo e pelo Superior Tribunal de Justiça.
O Capítulo
4, relativo ao Direito de Vizinhança, segue a linha dos
anteriores, com visão interdiciplinar dos institutos
vicinais, enfocando questões constitucionais, ambientais e
processuais. São estudados, pontualmente: o uso anormal da propriedade, as
árvores limítrofes, a passagem forçada e o novo regime da passagem de cabos e
tubulações, o direito de tapagem, o direito de construir e o regime de
águas. As ações fundadas no direito de vizinhança também compõem este
importante capítulo.
O condomínio
é o assunto da seção seguinte, tendo sido o Capítulo 5 totalmente reformulado
em relação às edições anteriores. Além do condomínio comum ou tradicional, o
autor aprofunda os temas relativos ao condomínio edilício, analisando, entre
outros assuntos: as limitações da autonomia privada na convenção de
condomínio, problemas jurídicos do dia-a-dia condominial, as penalidades aos
condôminos, a permanência de animais e a problemática relativa à expulsão do
condômino antissocial. Mais uma vez, percebe-se a preocupação com a axiologia civil-constitucional,
em especial quanto às limitações da autonomia privada nos pactos relativos à
vida em comum.
Os Capítulos
6, 7, 8 e 9, que tratam dos direitos reais sobre coisa alheia, também foram
reescritos. Destaca-se o texto aprofundado dos direitos reais de gozo ou
fruição, com ênfase no usufruto e na superfície. O mesmo ocorre com os direitos
reais de garantia, com a exposição de questões intricadas relativas ao penhor,
à hipoteca e, em especial, à alienação fiduciária em garantia, seja
de bens móveis ou imóveis.
Tive a satisfação de conhecer o Prof. Flavio Tartuce
como seu professor em curso de pós-graduação, participando posteriormente da
banca examinadora de seu doutoramento, na Faculdade de Direito da USP e de
numerosas atividades acadêmicas comuns. O Prof. Tartuce prima por seu dinamismo
e inquietude, integrando diversas instituições científicas, especialmente o nosso
Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), o que lhe permite dialogar
com grupos de pesquisa de todo o Brasil, ampliando o olhar de suas obras para a
metodologia civil-constitucional. Na esteira das edições anteriores, Flavio
Tartuce, nacionalmente conhecido por sua intensa atividade docente, consegue
tratar de forma didática os intrincados problemas que, de maneira arguta, identifica
e analisa, oferecendo ao leitor, em boa hora, subsídios teóricos e práticos
para a compreensão e a construção do direito vivo.
Stanford, dezembro de 2013.
Gustavo Tepedino. Professor Titular da Faculdade de
Direito da UERJ. Advogado e Consultor Jurídico. Presidente do IBDCivil
(Instituto Brasileiro de Direito Civil).
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