A arbitragem e o papel do Poder
Judiciário
Por Luiz
Edson Fachin
A arbitragem, no Brasil, está chancelada como meio válido de solução de controvérsias, de há muito com a respectiva constitucionalidade da legislação específica reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.
Foi importante, nessa direção, a contribuição que deu, desde 2003, o novo Código Civil ao admitir nos contratos a cláusula compromissória para resolver divergências mediante juízo arbitral, e o fez valorizando o modo estabelecido em lei especial da arbitragem brasileira.
Tem ocorrido, no entanto, apenas como forma de impedir ou interromper o procedimento arbitral, ajuizamentos de ações que questionam a abrangência dos poderes arbitrais ou mesmo que intentam anular da convenção de arbitragem. Preservados os limites legais, dúvida não pode haver sobre a validade e eficácia da cláusula, nem mesmo sobre a extensão probatória arbitral.
Os tribunais e Cortes superiores têm dado a resposta correta às demandas forjadas para desviar a arbitragem
Por isso, sentença judicial que extingue, sem julgamento de mérito, ação proposta com a nítida finalidade ilegítima de somente obstar a constituição ou o regular funcionamento de juízo arbitral, presta relevante serviço tanto à plenitude da cláusula quanto ao próprio sentido relevante da arbitragem em nosso país.
É que, em expressivo número de situações, a busca de amparo perante o Poder Judiciário se transforma num mecanismo de tentativa de protelação do prosseguimento e às vezes da própria instauração da arbitragem. Os argumentos empregados nas petições iniciais de tais demandas são diversos, e compreendem não raro matéria exclusivamente de direito (por exemplo, invalidade por vício do consentimento como dolo omissivo do contrato que prevê a cláusula arbitral).
Mostra-se totalmente induvidoso que o árbitro ou o painel arbitral (cuja regular eleição passou pelo crivo das partes) não somente pode (como deve, aliás) promover todos os meios de prova admissíveis, inclusive pericial, sem exclusão de quaisquer outras necessárias.
Evidentemente não se deve arrostar o princípio constitucional do amplo acesso à jurisdição estatal, uma garantia fundamental. Cumpre, sem embargo, separar com nitidez o direito de petição do fenômeno da "sham litigation". O Judiciário não pode ser utilizado como escudo para dar abrigo a pretensões que configuram exercício abusivo do direito de ação.
Embora em outro contexto processual, circunstância similar tem se apresentado perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que diz respeito à homologação de sentença estrangeira. Também não raro, no curso do procedimento aplicável à hipótese no âmbito do STJ, toma lugar na cena dos debates de contrato internacional inadimplido (cujo descumprimento foi adequadamente examinado por tribunal arbitral) o argumento sobre a possibilidade, no Brasil, de ocorrer o cognominado "juízo de delibação". Não procede.
Tem, por isso, decidido com acerto o STJ quando se recusa a examinar o mérito, obstando, pois, aquele juízo mencionado, uma vez que não pode mesmo se imiscuir em tema de invalidade do contrato, pois se assim o fizesse estaria ultrapassando os limites de sua própria atuação. Ao tribunal cumpre apenas, com efeito, ponderar se a sentença estrangeira não viola a soberania nacional e a ordem pública, temas que, por si só, são de grande monta.
Dúvida, por conseguinte, não pode haver quanto à eficácia cabal da regra arbitral nas relações jurídicas, ainda que elejam foro arbitral internacional. É válida a eleição de arbitragem internacional e também tem efeitos integrais o dispositivo assim pactuado.
Justamente para dar segurança jurídica, celeridade e previsibilidade é que emerge o caráter indiscutivelmente vinculante da cláusula compromissória. No Brasil, a autonomia privada é princípio constitucional integralmente vinculante às relações jurídicas entre particulares ou empresas.
Basta a convenção estar regularmente deduzida por escrito, veiculando a faculdade das partes contratantes em escolher a arbitragem. Nos contratos denominados "de adesão", é necessário, adicionalmente, que o aderente concorde, expressamente, com a cláusula; neste caso, "form follows function", isto é, o modo pelo qual há a concordância é importante, mas é menos decisivo do que a demonstração da inequívoca consciência do aderente, circunstância que conduz, no prevalecer da autonomia das partes, à competência do árbitro e não do juiz estatal.
Não é, pois, da competência do Poder Judiciário o exame do mérito de controvérsia cuja resolução prevê o caminho da arbitragem. Tendo sido a convenção de arbitragem validamente composta pela vontade das partes e assumida nos termos da lei, a orientação de nossos tribunais e Cortes superiores têm, em regra, dado a resposta correta às demandas forjadas para desviar a arbitragem: trata-se de inequívoca incompetência do juízo estatal, merecendo as pretensões apresentadas com tal finalidade a extinção sem apreciação do mérito.
Luiz Edson Fachin é professor titular de direito civil da UFPR, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Civil e advogado integrante de Fachin Advogados Associados
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