Verbetes das Jornadas de Direito Civil (parte 1)
Aldo de Campos Costa.
Fonte: Conjur. Publicado com a a autorização do autor.
Por
retratarem o pensamento médio de magistrados, professores,
representantes das diversas carreiras jurídicas e estudiosos do direito
civil brasileiro, os verbetes das Jornadas do Conselho da Justiça
Federal vêm sendo cobrados com regularidade em processos seletivos e
concursos públicos de todo o Brasil. A leitura dos enunciados, contudo,
não raro é prejudicada pela forma como os textos são apresentados — por
referência ou remissão aos preceitos do Código Civil. Daí a ideia de
dedicar-se seis edições desta coluna à consolidação dos termos em que
expostos os mencionados entendimentos. Iniciaremos hoje a organização
daqueles alusivos à Parte Geral.
Enunciados 1 e 2
Nos termos do artigo 2º do Código Civil, a personalidade civil
da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro. A proteção deferida ao nascituro
alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais
como: nome, imagem e sepultura. O dispositivo, entretanto, não é sede
adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que devem ser
objeto de um estatuto próprio.
Enunciado 138
Segundo dispõe o artigo 3º, os maiores de 16 e os menores de 18
anos são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da
vida civil. Sua vontade, contudo, é juridicamente relevante na
concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que
demonstrem discernimento bastante para tanto.
Enunciado 3
A menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil. A redução do limite
etário para a definição da capacidade civil aos dezoito anos não altera
o disposto no artigo 16, inciso I, da Lei 8.213/1991, segundo o qual
são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de
dependente do segurado, os menores de 21 anos, porquanto regula
específica situação de dependência econômica para fins previdenciários e
outras situações similares de proteção, previstas em legislação
especial.
Enunciados 397 e 530
A incapacidade cessará, para os menores pela concessão dos
pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público,
independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz,
ouvido o tutor, se o menor tiver 16 anos completos. A emancipação
sujeita-se à desconstituição por vício de vontade e, por si só, não
elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Enunciados 272 e 273
Não é admitida em nosso ordenamento jurídico a adoção por ato
extrajudicial, sendo indispensável a atuação jurisdicional, inclusive
para a adoção de maiores de dezoito anos. Na adoção bilateral e na
adoção unilateral, quando não se preserva o vínculo com qualquer dos
genitores originários, deverá ser averbado o cancelamento do registro
originário de nascimento do adotado, lavrando-se novo registro. Sendo
unilateral a adoção, e sempre que se preserve o vínculo originário com
um dos genitores, deverá ser averbada a substituição do nome do pai ou
mãe naturais pelo nome do pai ou mãe adotivos.
Enunciado 4 e 139
Excetuados os casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu
exercício sofrer limitação voluntária. Ressalva-se a que não seja
permanente nem geral, mesmo não especificamente prevista em lei.
Enunciado 139
Os direitos da personalidade não podem ser exercidos com abuso
de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons
costumes.
Enunciados 144, 274 e 531
Os direitos da personalidade, regulados de maneira não
exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela
da dignidade da pessoa humana, contida no artigo 1º, inciso III, da
Constituição Federal, que, na sociedade da informação, inclui o direito
ao esquecimento. Em caso de colisão entre os direitos da personalidade,
como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da
ponderação.
Enunciados 6, 276, 401 e 532
Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do
próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade
física, ou contrariar os bons costumes. A expressão “exigência médica”
refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do
disponente, autorizando as cirurgias de transgenitalização, em
conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de
Medicina, e a conseqüente alteração do prenome e do sexo no Registro
Civil. É permitida, ainda, a disposição gratuita do próprio corpo com
objetivos exclusivamente científicos e para fins de transplante, na
forma estabelecida em lei especial. A cessão gratuita de direitos de uso
de material biológico para fins de pesquisa científica não contraria os
bons costumes quando a manifestação de vontade for livre, esclarecida e
puder ser revogada a qualquer tempo, conforme as normas éticas que
regem a pesquisa científica e o respeito aos direitos fundamentais.
Enunciados 5, 140, 275, 399 e 400
O cônjuge sobrevivente, o companheiro ou qualquer parente em
linha reta, ou colateral até o quarto grau, podem exigir, por direito
próprio, de forma concorrente e autônoma, seja cessada a ameaça, ou a
lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei. Essa possibilidade
refere-se às técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício,
enunciadas no artigo 461 do Código de Processo Civil, devendo ser
interpretada com resultado extensivo. Tem caráter geral e pode ser
aplicada subsidiariamente, com relação ao cônjuge sobrevivente, o
companheiro ou qualquer parente em linha reta, à divulgação de escritos,
à transmissão da palavra, ou à publicação, à exposição ou à utilização
da imagem de uma pessoa se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais, salvo se
autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública. Essas disposições, instituídas no artigo 20
do Código Civil, têm a finalidade específica de regrar a projeção dos
bens personalíssimos nas situações nele mencionadas. Os poderes
conferidos aos legitimados para a tutela post mortem dos direitos da personalidade não compreendem a faculdade de limitação voluntária.
Enunciado 277
O artigo 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da
disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou
altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação
expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos
familiares, portanto, a aplicação do artigo 4º da Lei 9.434/1997,
segundo o qual “a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de
pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica,
dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade,
obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau
inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes
à verificação da morte” ficou restrita à hipótese de silêncio do
potencial doador.
Enunciado 402
Fundado no consentimento informado, o artigo 14, parágrafo
único, do Código Civil, segundo o qual “o ato de disposição pode ser
livremente revogado a qualquer tempo”, não dispensa o consentimento dos
adolescentes para a doação de medula óssea prevista no art. 9º, § 6º, da
Lei 9.434/1997, que dispõe não poder o indivíduo juridicamente incapaz,
com compatibilidade imunológica comprovada, fazer doação nos casos de
transplante de medula óssea, salvo quando houver consentimento de ambos
os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não
oferecer risco para a sua saúde, por aplicação analógica dos artigos 28,
§ 2º (“Tratando-se de maior de doze anos de idade, será necessário seu
consentimento, colhido em audiência”) e 45, § 2º, do Estatuto da Criança
e do Adolescente (“Em se tratando de adotando maior de doze anos de
idade, será também necessário o seu consentimento”).
Enunciado 403
O direito à inviolabilidade de consciência e de crença,
previsto no artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, aplica-se
também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de
sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta
dele, desde que observada a capacidade civil plena, excluído o
suprimento pelo representante ou assistente; a manifestação de vontade
livre, consciente e informada; e a oposição que diga respeito
exclusivamente à própria pessoa do declarante.
Enunciado 533
O paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os
aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de
vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência ou no
curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser
interrompidos.
Enunciado 278
Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda
comercial. A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades
inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas
sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da
personalidade.
Enunciado 279
Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da
justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a
transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da
imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem
prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama
ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. A
proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses
constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo
acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão,
levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados,
bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua
utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se
medidas que não restrinjam a divulgação de informações.
Enunciados 404 e 405
A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a
requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para
impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. A tutela da
privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial,
contextual e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso
consentimento para tratamento de informações que versem especialmente o
estado de saúde, a condição sexual, a origem racial ou étnica, as
convicções religiosas, filosóficas e políticas. As informações genéticas
também são parte da vida privada e não podem ser utilizadas para fins
diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso,
salvo com autorização do titular.
Enunciado 141
Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito
público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, isto é, as
fundações públicas e os entes de fiscalização do exercício profissional,
regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas do
Código Civil.
Enunciado 142
Os partidos políticos, os sindicatos e as associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes o Código Civil.
Enunciado 143
O fato de ser livre o funcionamento das organizações
religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou
registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento, não
afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu
registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário, da
compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos.
Enunciado 144
São pessoas jurídicas de direito privado: as associações, as
sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos
políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada. Essa
relação não é exaustiva.
Enunciado 280
Os artigos 57 (“A exclusão do associado só é admissível havendo
justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de
defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto”) e 60 (“A
convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto,
garantido a um quinto dos associados o direito de promovê-la”),
aplicam-se subsidiariamente às sociedades empresárias, exceto às
limitadas, nos seguintes termos: i) em havendo previsão contratual, é
possível aos sócios deliberar a exclusão de sócio por justa causa, pela
via extrajudicial, cabendo ao contrato disciplinar o procedimento de
exclusão, assegurado o direito de defesa, por aplicação analógica do
artigo 1.085 (“Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos
sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender
que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em
virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade,
mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a
exclusão por justa causa”) e ii) as deliberações sociais poderão ser
convocadas por iniciativa de sócios que representem um quinto do capital
social, na omissão do contrato. A mesma regra aplica-se na hipótese de
criação, pelo contrato, de outros órgãos de deliberação colegiada.
Enunciado 145
Não afasta a aplicação da teoria da aparência o fato de os atos
dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no
ato constitutivo, obrigarem a pessoa jurídica.
Enunciados 7, 281, 285, 406 e 407
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, descrita
no artigo 50 do Código Civil (“Em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os
efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos
aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica”): a) só se aplica quando houver a prática de ato irregular e,
limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido;
b) prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica; c) pode
ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor; d) pode alcançar os
grupos de sociedade quando estiverem presentes os pressupostos do
preceito e houver prejuízo para os credores até o limite transferido
entre as sociedades; e) pode alcançar as pessoas jurídicas de direito
privado sem fins lucrativos ou de fins não econômicos.
Enunciado 283
É cabível a desconsideração da personalidade jurídica
denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa
jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a
terceiros.
Enunciado 282
O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por
si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.
Enunciado 146
Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os
parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no
artigo 50 do Código Civil: o desvio de finalidade social ou confusão
patrimonial.
A segunda parte da consolidação dos verbetes das
Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Conselho de Justiça Federal
alusivos à Parte Geral do Código será publicada na próxima quinta-feira
(29/8).
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