domingo, 17 de março de 2013

TEXTO DO PRESIDENTE DO IBDFAM, RODRIGO DA CUNHA PEREIRA. PRECONCEITO E JUSTIÇA.



JUSTIÇA, DESEJO E PRECONCEITO



 Rodrigo da Cunha Pereira*



 



Em 29/11/12 o Tribunal de Justiça de são Paulo – TJSP determinou que o companheiro de uma relação homoafetiva pudesse ser incluído como dependente do Club Athlético Paulistano. Tal decisão insere-se em um contexto histórico de luta contra o preconceito e discriminação, cujo conteúdo perpassado por uma moral sexual vai muito além das questões, dificuldades e fantasmas da homossexualidade.



Em 1984 o Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG determinou que uma mulher, pelo simples fato de ser mãe solteira, não mais poderia ser impedida de freqüentar o clube social da cidade de Conselheiro Lafaiete. Paradoxalmente o pai solteiro, desta mesma criança, nenhuma restrição ou discriminação sofria naquele ambiente social. Na cidade de Tiradentes, também interior de minas Gerais, até pouco tempo uma das melhores pousadas não aceitava pessoas negras como hóspedes. Até a constituição da República de 1988 filhos e famílias sem o selo da oficialidade do casamento eram considerados ilegítimos e sofriam todo tipo de discriminação. As mulheres “desquitadas”, eram evitadas nas rodas sociais por encarnarem uma liberdade que afrontava as famílias ditas normais.



O que leva uma pessoa a ter preconceito e a discriminar formas de conduta, ou relações diferentes da sua? Porque “ a mente apavora / o que ainda não é mesmo velho”, como já cantou a bola Caetano Veloso em “Sampa”? Certamente a história particular de cada sujeito, de cada dirigente político, de cada julgador, traz consigo, em sua constituição e formação psíquica, uma subjetividade determinada, ou influenciada, também pelo contexto histórico familiar e social.  Mas, porque uns têm preconceito e discriminam, e outros não? Porque um mesmo caso levado à justiça pode receber diferentes interpretações? A igreja católica invoca o principio da dignidade humana para afirmar que famílias só podem se constituir pelo sagrado laço do matrimônio, em relações heteroafetivas e indissolúveis. Invocando este mesmo principio que o STF declarou em maio de 2010 que as relações homoafetivas também podem constituir famílias.



Diferentes interpretações para as mesmas situações são comuns nos julgados do mundo inteiro. Saudável. Os juízes são imparciais, mas não são neutros. Julgam de acordo com suas convicções particulares, afinal não são máquinas julgadoras e podem ter diferentes ângulos de visão sobre o justo. Cada caso, cada julgamento recebe sua carga de subjetividade  e influência do  inconsciente e das convicções particulares de cada julgador.  E é aí que mora o perigo. Por exemplo, o TJSP já determinou que uma criança fosse para o abrigo, mesmo após viver e ser criada durante anos por um casal de homens, a pedido da empregada doméstica que confiou-lhes informalmente tal adoção e desapareceu no mundo. Os julgadores que praticaram essa violência contra criança, certamente o fizeram bem intencionados e justificados pela sua moral particular. Mas, de boas intenções o inferno está cheio.



Para que o judiciário pare de repetir as injustiças históricas em seus julgamentos de conteúdo moral, assim como os deputados e senadores que impedem novas leis sobre as novas relações familiares, é preciso compreender que pode-se até tentar controlar os comportamentos, mas o desejo não, pois ele escapará sempre. É teimoso, insiste e resiste, encaminha e desencaminha. Não se pode moldá-lo em regras de comportamento de uma determinada moral. Os que se sentem incomodados com comportamentos sexuais e morais diferentes do seu, deveriam procurar em suas próprias fantasias sexuais as razões deste incômodo. Pessoas em paz com a própria sexualidade aceitam a dos outros com respeito e naturalidade. Reprimir a sexualidade alheia é uma forma de ajudar a reprimir as próprias fantasias. Casamento gay, aborto etc, sofrem a mesma condenação religiosa, e moral, por serem sinais de fraqueza da carne. Seja lá como for, o que um Estado laico não deveria definitivamente permitir, é que continue acontecendo injustiças e exclusões sociais em razão de convicções morais particularizadas e estigmatizantes. Afinal, como já disse Contardo Caligaris, quem vê no desejo sexual alheio uma patologia é sempre moralista. E em matéria de sexo, patologizar é o jeito moderno de estigmatizar e policiar.



Rodrigo da Cunha Pereira, 54



Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM, Advogado, Doutor em Direito Civil e autor de vários artigos e livros em Direito de Família e Psicanálise.



 

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