TEXTO DO PRESIDENTE DO IBDFAM, RODRIGO DA CUNHA PEREIRA. PRECONCEITO E JUSTIÇA.
JUSTIÇA,
DESEJO E PRECONCEITO
Rodrigo da Cunha Pereira*
Em 29/11/12 o Tribunal de Justiça de
são Paulo – TJSP determinou que o companheiro de uma relação homoafetiva
pudesse ser incluído como dependente do Club Athlético Paulistano. Tal decisão
insere-se em um contexto histórico de luta contra o preconceito e discriminação,
cujo conteúdo perpassado por uma moral sexual vai muito além das questões,
dificuldades e fantasmas da homossexualidade.
Em 1984 o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais – TJMG determinou que uma mulher, pelo simples fato de ser mãe solteira,
não mais poderia ser impedida de freqüentar o clube social da cidade de
Conselheiro Lafaiete. Paradoxalmente o pai solteiro, desta mesma criança,
nenhuma restrição ou discriminação sofria naquele ambiente social. Na cidade de
Tiradentes, também interior de minas Gerais, até pouco tempo uma das melhores
pousadas não aceitava pessoas negras como hóspedes. Até a constituição da República
de 1988 filhos e famílias sem o selo da oficialidade do casamento eram considerados
ilegítimos e sofriam todo tipo de discriminação. As mulheres “desquitadas”,
eram evitadas nas rodas sociais por encarnarem uma liberdade que afrontava as
famílias ditas normais.
O que leva uma pessoa a ter preconceito
e a discriminar formas de conduta, ou relações diferentes da sua? Porque “ a mente apavora / o que ainda não é mesmo
velho”, como já cantou a bola Caetano Veloso em “Sampa”? Certamente a
história particular de cada sujeito, de cada dirigente político, de cada
julgador, traz consigo, em sua constituição e formação psíquica, uma
subjetividade determinada, ou influenciada, também pelo contexto histórico
familiar e social. Mas, porque uns têm
preconceito e discriminam, e outros não? Porque um mesmo caso levado à justiça pode
receber diferentes interpretações? A igreja católica invoca o principio da
dignidade humana para afirmar que famílias só podem se constituir pelo sagrado
laço do matrimônio, em relações heteroafetivas e indissolúveis. Invocando este
mesmo principio que o STF declarou em maio de 2010 que as relações homoafetivas
também podem constituir famílias.
Diferentes interpretações para as
mesmas situações são comuns nos julgados do mundo inteiro. Saudável. Os juízes
são imparciais, mas não são neutros. Julgam de acordo com suas convicções
particulares, afinal não são máquinas julgadoras e podem ter diferentes ângulos
de visão sobre o justo. Cada caso, cada julgamento recebe sua carga de
subjetividade e influência do inconsciente e das convicções particulares de
cada julgador. E é aí que mora o perigo.
Por exemplo, o TJSP já determinou que uma criança fosse para o abrigo, mesmo
após viver e ser criada durante anos por um casal de homens, a pedido da
empregada doméstica que confiou-lhes informalmente tal adoção e desapareceu no
mundo. Os julgadores que praticaram essa violência contra criança, certamente o
fizeram bem intencionados e justificados pela sua moral particular. Mas, de
boas intenções o inferno está cheio.
Para que o judiciário pare de repetir
as injustiças históricas em seus julgamentos de conteúdo moral, assim como os
deputados e senadores que impedem novas leis sobre as novas relações
familiares, é preciso compreender que pode-se até tentar controlar os
comportamentos, mas o desejo não, pois ele escapará sempre. É teimoso, insiste
e resiste, encaminha e desencaminha. Não se pode moldá-lo em regras de comportamento
de uma determinada moral. Os que se sentem incomodados com comportamentos
sexuais e morais diferentes do seu, deveriam procurar em suas próprias fantasias
sexuais as razões deste incômodo. Pessoas em paz com a própria sexualidade
aceitam a dos outros com respeito e naturalidade. Reprimir a sexualidade alheia
é uma forma de ajudar a reprimir as próprias fantasias. Casamento gay, aborto
etc, sofrem a mesma condenação religiosa, e moral, por serem sinais de fraqueza
da carne. Seja lá como for, o que um Estado laico não deveria definitivamente
permitir, é que continue acontecendo injustiças e exclusões sociais em razão de
convicções morais particularizadas e estigmatizantes. Afinal, como já disse Contardo
Caligaris, quem vê no desejo sexual alheio uma patologia é sempre moralista. E
em matéria de sexo, patologizar é o jeito moderno de estigmatizar e policiar.
Rodrigo da
Cunha Pereira, 54
Presidente Nacional do
Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM, Advogado, Doutor em Direito Civil e
autor de vários artigos e livros em Direito de Família e Psicanálise.
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