sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

SEPARAÇÃO-LÁZARA. POR JONES FIGUEIRÊDO ALVES.



Separação-lázara.

Por Jones Figueirêdo Alves.

Nesta última quinta-feira (04/12/2014) o projeto do novo Código de Processo Civil, na Comissão Especial do Senado, foi aprovado por votação simbólica, sem quaisquer contestações. Agora vai a plenário, e assim deve ser votado quarta-feira próxima (10/12/2014) às 11h, em sessão extraordinária.
Interessa urgente que o conhecimento jurídico da lei não seja reservado apenas aos juristas. Interessa também à sociedade civil, destinatária da norma, que seja a lei por ela melhor conhecida e acessível; operando-se, de tal maior ciência e exercício, a plena efetividade dos avanços do sistema legal.
Assim sucede com o divórcio direto, no seu novo modelo jurídico existente desde 2010, tal como introduzido na Constituição pela Emenda nº 66, a encerrar o dualismo legal então existente segundo a redação primitiva do parágrafo 2º do art. 226 da Magna Carta. O vetusto texto implicava o divórcio à uma prévia separação judicial por mais de um ano ou, alternativamente, à separação de fato, por mais de dois anos, exigida a comprovação temporal.
Com a Emenda nº 66, o casamento é dissolvido pelo divórcio, formulado (i) sem qualquer prazo minimo da união existente; (ii) sem necessidade de qualquer causa motivadora eficiente, (iii) sem exigência de imputação de culpa ao outro cônjuge; (iv) sem exigência de prévia separação judicial ou administrativa e (v) sem prévia partilha dos bens.
Diante de tal Emenda à Constituição, “ficaram não recepcionadas as normas de direito material e de direito processual que tratavam do instituto jurídico da separação judicial” (STRECK, 2014).
Nessa linha posicionou-se a melhor doutrina, a tanto que o projeto original do Senado Federal (PLS nº 166/2010) do novo Código de Processo Civil, conforme proposta de Comissão Especial presidida pelo Ministro Luiz Fux, do STF, houve de entender não mais possível o dualismo de ações judiciais para findar, em seus efeitos jurídicos, uma mesma união desfeita, assim expungindo do estatuto a anacrônica separação judicial.
Na Câmara dos Deputados o projeto recebeu diversas modificações pontuais, uma delas, surpreendentemente, para reintroduzir a separação, abolida pela Emenda nº 66/2010. Em seu retorno à Casa de Origem, o referido PLS nº 166/2010 obteve na sua tramitação final, o Relatório do Senador Vital do Rêgo, que manteve a maioria das mudanças oferecidas pelos deputados.
No ponto, as emendas senatoriais de nº 61, do Senador Pedro Taques; de nº 129, do Senador João Durval, e as de nºs. 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142 e 143 do Senador Antônio Carlos Valadares, cuidaram dos artigos 23, inciso III; 53, inciso I; 189, inciso II; 708, 746, 747 e 748 e Seção IV do SCD e, com extrema acuidade técnica, insurgiram-se contra a referência à separação judicial (em todas as suas modalidades) como forma de dissolução da sociedade conjugal ao longo do texto do Substitutivo da Câmara.
Pois bem: o Relator, no exame de tais emendas, admitiu, de pronto, como "pacífico que, após a Emenda à Constituição nº 66, de 2010, não há mais qualquer requisito prévio ao divórcio.  A separação, portanto, que era uma etapa obrigatória de precedência ao divórcio, desvestiu-se dessa condição". Entretanto, optou por rejeita-las, sob a equivocada premissa de suposta divergência doutrinária significante.
Na hipótese, aludiu ao Enunciado nº 544-Jornadas de Direito Civil, pela não extinção da separação judicial, quando consabido que tal entendimento apresentou-se eventual e episódico, não traduzindo, aliás, o aludido verbete a posição da maioria absoluta dos civilistas do país.
De fato, não é o que sustenta a comunidade jurídica, a exemplo do consagrado jurista Lênio Streck, para quem é inconstitucional "repristinar" a separação judicial no Brasil. Ele defende que devemos deixar a separação judicial de fora do novo CPC em nome da Constituição. Bem de ver, a propósito, que ao cabo de quatro anos, desde a Emenda nº 66/2010, as separações (judiciais ou por escritura) sobrevivem apenas por mera insciência popular da nova ordem jurídica e ficam reduzidas ano a ano: 68 mil, diante de 243.224 divórcios (2010); e 8 mil, diante de 351.153 divórcios (2011), quando os divórcios cresceram 45,6% em relação a 2010 e as separações foram mínimas.
Como destaca Streck, a ressurreição legal da separação judicial, no novo CPC, para além de desconsiderar o trajeto histórico que conduziu à Emenda nº 66/2010 (inclusive sua própria Exposição de Motivos), altera o próprio sistema constitucional advindo pela Emenda. Uma separação tipo-Lázaro – diz ele.
Realmente: a nova ordem processual não pode permitir uma “separação-      lázara”, deixando morta a constitucionalidade do instituto ressuscitado.

JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), onde coordena a Comissão de Magistratura de Família.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DANOS COLETIVOS. CONDENAÇÃO DA TIM É MANTIDA NO STJ.



TIM é condenada em R$ 400 mil por venda casada de chip e aparelho fixo

Fonte: Migalhas.  
 
A TIM foi condenada a pagar R$ 400 mil a título de dano moral coletivo por venda casada de chip e aparelho fixo. A empresa também deve deixar de promover a venda casada de serviços e produtos, fixando preços distintos e razoáveis para ambos. A condenação foi mantida pela 2ª turma do STJ.

Com base em diversas reclamações de consumidores do Estado de MG, segundo os quais só poderiam adquirir chips "Tim Fixo Pré" ou "Tim Fixo Pós" se também comprassem aparelhos da empresa, o MP mineiro ajuizou a ação contra a empresa.

A empresa foi condenada em 1º e 2º grau e recorreu ao STJ, negando a prática de venda casada. Também alegou que teve seu direito de defesa violado, pois a única prova que produziu teria sido desconsiderada. Sustentou que a condenação resultaria em enriquecimento ilícito do fundo que receberá a multa.

Com relação às provas, o relator, ministro Mauro Campbell Marques, considerou que o juízo de 1ª instância garantiu às partes, em igualdade de condições, a comprovação de suas alegações. Ocorre que a TIM não apresentou impugnação das provas apresentadas pelo MP, enquanto o órgão apresentou ofício da ALMG com diversas reclamações dos consumidores e laudo de constatação/comprovação, da lavra dos agentes fiscais do MP/MG, demonstrando a prática abusiva em todas as lojas por eles visitadas.

"Portanto, não tendo o autor sido capaz de trazer aos autos provas concretas de sua escorreita conduta comercial, deve suportar as consequências desfavoráveis da sua inércia."

Dano moral coletivo

Quanto ao dano moral coletivo, o ministro ressaltou que está sedimentado na jurisprudência do STJ e na doutrina jurídica que é cabível a reparação coletiva do dano moral.

"Isso se dá pelo fato desse (dano) representar a lesão na esfera moral de uma comunidade, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico."

Sobre a possibilidade de enriquecimento ilícito do fundo que receberá a multa por dano moral, ante a alegada ausência de comprovação de dano aos consumidores, Campbell afirmou que o dano ocorrido no caso decorre da própria conduta abusiva, sendo dispensável prova objetiva de prejuízo individual sofrido.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

REPRODUÇÃO ASSISTIDA. MULHER COM IDADE SUPERIOR A 50 ANOS. TRF DA 1ª REGIÃO ENTENDE PELA SUA POSSIBILIDADE



Desembargadora federal mantém decisão que permite técnica de reprodução humana assistida em mulher com mais de 50 anos

Fonte: Site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
A desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso negou provimento a recurso interposto pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais – CRM/MG, que objetivou manter as diretrizes estabelecidas pela Resolução 2.103/2013 do Conselho Federal de Medicina – CFM, em especial na parte em que limita a 50 anos a idade da mulher para a realização de técnicas de reprodução humana assistida.
O recurso objetivou a reforma de decisão do Juízo da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Uberlândia/MG, que deferiu o pedido de antecipação da tutela para obstar que o CRM/MG atuasse no sentido de impedir, inclusive com a abertura de processo ético-disciplinar contra o profissional médico, a realização de fertilização in vitro pelo casal autor, mediante técnica que implica na utilização de óvulos doados de forma anônima.
A desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso manteve a decisão recorrida por entender que a limitação imposta pela Resolução CFM 2.103/2013 está em confronto com a garantia à liberdade de planejamento familiar prevista no § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que é regulado pela Lei 9.263/1996.
Afirmou a magistrada que o “exercício da garantia constitucional ao planejamento familiar, inclusive mediante a utilização de técnicas medicinais de reprodução humana assistida, deve ser acompanhada por profissional médico, nos limites da regulamentação ética específica da profissão”.
Para a relatora, “a generalização do limite etário estabelecido na Resolução CFM 2.103/2013, conquanto demonstre a preocupação do Conselho Federal de Medicina com riscos e problemas decorrentes da concepção tardia, desconsidera peculiaridades de cada indivíduo e não pode servir de obstáculo à fruição do direito ao planejamento familiar, a afetar, em última instância, a dignidade da pessoa humana”.
A desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso destacou o conteúdo do Enunciado 41 aprovado na I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, realizada em 15/5/2014, segundo o qual “o estabelecimento da idade máxima de 50 anos, para que mulheres possam submeter-se ao tratamento e à gestação por reprodução assistida, afronta o direito constitucional à liberdade de planejamento familiar”.
Ficou registrada, ainda, a ressalva de que a medida jurisdicional agravada “não esvazia a competência fiscalizatória que compete, por força de lei, aos agravantes e ao CFM. Embora se deva afastar, in casu, a restrição etária para a reprodução assistida, a fiscalização das conclusões médicas decorrentes da avaliação clínica, da utilização da técnica e dos efeitos daí decorrentes — em relação à gestante e ao feto, se efetivamente concebido — permanecem na seara de atuação dos agravantes”.
Agravo de instrumento 0055717-41.2014.4.01.0000/MG
Elaborado pela Assessoria do Gabinete da
Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso
Assessoria de Comunicação Social

Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Com informações da assessoria.

RESUMO. INFORMATIVO 551 DO STJ.



RESUMO. INFORMATIVO 551 DO STJ.

DIREITO DO CONSUMIDOR. LEGALIDADE DO SISTEMA CREDIT SCORING. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008 DO STJ). No que diz respeito ao sistema credit scoring, definiu-se que: a) é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito); b) essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei 12.414/2011 (Lei do Cadastro Positivo); c) na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei 12.414/2011; d) apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas; e) o desrespeito aos limites legais na utilização do sistema credit scoring, configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados. REsp 1.419.697-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/11/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO A INDENIZAÇÃO PELAS ACESSÕES E DE RETENÇÃO PELAS BENFEITORIAS EM BEM PÚBLICO IRREGULARMENTE OCUPADO. Quando irregularmente ocupado o bem público, não há que se falar em direito de retenção pelas benfeitorias realizadas, tampouco em direito a indenização pelas acessões, ainda que as benfeitorias tenham sido realizadas de boa-fé. Isso porque nesta hipótese não há posse, mas mera detenção, de natureza precária. Dessa forma, configurada a ocupação indevida do bem público, resta afastado o direito de retenção por benfeitorias e o pleito indenizatório à luz da alegada boa-fé. Precedentes citados: AgRg no AREsp 456.758-SP, Segunda Turma, DJe 29/4/2014; e REsp 850.970-DF, Primeira Turma, DJe 11/3/2011. AgRg no REsp 1.470.182-RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/11/2014.

DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA ANTE O ENVIO DA PROPOSTA DE SEGURO APÓS A OCORRÊNCIA DE FURTO. O proprietário de automóvel furtado não terá direito a indenização securitária se a proposta de seguro do seu veículo somente houver sido enviada à seguradora após a ocorrência do furto. O contrato de seguro, para ser concluído, necessita passar, comumente, por duas fases: i) a da proposta, em que o segurado fornece as informações necessárias para o exame e a mensuração do risco, indispensável para a garantia do interesse segurável; e ii) a da recusa ou aceitação do negócio pela seguradora, ocasião em que a seguradora emitirá, no caso de aceitação, a apólice. A proposta é a manifestação da vontade de apenas uma das partes e, no caso do seguro, deverá ser escrita e conter a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. Todavia, a proposta não gera, por si só, o contrato, que depende de consentimento recíproco de ambos os contratantes. Assim, para que o contrato de seguro se aperfeiçoe, são imprescindíveis o envio da proposta pelo interessado ou pelo corretor e o consentimento, expresso ou tácito, da seguradora, mesmo sendo dispensáveis a apólice ou o pagamento de prêmio. Desse modo, nota-se que, no caso em apreço, não há a manifestação de vontade no sentido de firmar a avença em tempo hábil, tampouco existe a concordância, ainda que tácita, da seguradora. Além disso, nessa hipótese, quando o proponente decidiu ultimar a avença, já não havia mais o objeto do contrato (interesse segurável ou risco futuro). REsp 1.273.204-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/10/2014.

DIREITO CIVIL. ASSINATURA DO TESTADOR COMO REQUISITO ESSENCIAL DE VALIDADE DE TESTAMENTO PARTICULAR. Será inválido o testamento particular redigido de próprio punho quando não for assinado pelo testador. De fato, diante da falta de assinatura, não é possível concluir, de modo seguro, que o testamento escrito de próprio punho exprime a real vontade do testador. A propósito, a inafastabilidade da regra que estatui a assinatura do testador como requisito essencial do testamento particular (art. 1.645, I, do CC/1916 e art. 1.876, § 1º, CC/2002) faz-se ainda mais evidente se considerada a inovação trazida pelos arts. 1.878 e 1.879 do CC/2002, que passaram a admitir a possibilidade excepcional de confirmação do testamento particular escrito de próprio punho nas hipóteses em que ausentes as testemunhas, desde que, frise-se, assinado pelo testador. Nota-se, nesse contexto, que a assinatura, além de requisito legal, é mais que mera formalidade, consistindo verdadeiro pressuposto de validade do ato, que não pode ser relativizado. REsp 1.444.867-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/9/2014.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE POR ASCENDENTES. Admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades do caso analisado: os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão de adoção. De fato, a adoção de descendentes por ascendentes passou a ser censurada sob o fundamento de que, nessa modalidade, havia a predominância do interesse econômico, pois as referidas adoções visavam, principalmente, à possibilidade de se deixar uma pensão em caso de falecimento, até como ato de gratidão, quando se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos difíceis. Ademais, fundamentou-se a inconveniência dessa modalidade de adoção no argumento de que haveria quebra da harmonia familiar e confusão entre os graus de parentesco, inobservando-se a ordem natural existente entre parentes. Atento a essas críticas, o legislador editou o § 1º do art. 42 do ECA, segundo o qual “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, visando evitar que o instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscando proteger o adotando em relação a eventual confusão mental e patrimonial decorrente da transformação dos avós em pais e, ainda, com a justificativa de proteger, essencialmente, o interesse da criança e do adolescente, de modo que não fossem verificados apenas os fatores econômicos, mas principalmente o lado psicológico que tal modalidade geraria no adotado. No caso em análise, todavia, é inquestionável a possibilidade da mitigação do § 1º do art. 42 do ECA, haja vista que esse dispositivo visa atingir situação distinta da aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA (“Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”) e do art. 6º desse mesmo diploma legal (“Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”), deve-se conferir prevalência aos princípios da proteção integral e da garantia do melhor interesse do menor. Ademais, o § 7º do art. 226 da CF deu ênfase à família, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, de modo que o direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana de forma molecular. É também com base em tal princípio que se deve solucionar o caso analisado, tendo em vista se tratar de supraprincípio constitucional. Nesse contexto, não se pode descuidar, no direito familiar, de que as estruturas familiares estão em mutação e, para se lidar com elas, não bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em conta aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração. Dessa maneira, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e fazer da letra do § 1º do art. 42 do ECA tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação restrita do referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de forma estrábica e, dessa forma, pactuando com a injustiça. No caso analisado, não se trata de mero caso de adoção de neto por avós, mas sim de regularização de filiação socioafetiva. Deixar de permitir a adoção em apreço implicaria inobservância aos interesses básicos do menor e ao princípio da dignidade da pessoa humana. REsp 1.448.969-SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRISÃO CIVIL DE ADVOGADO. O advogado que tenha contra si decretada prisão civil por inadimplemento de obrigação alimentícia não tem direito a ser recolhido em sala de Estado Maior ou, na sua ausência, em prisão domiciliar. A norma do inciso V do art. 7º da Lei 8.906/1994 – relativa à prisão do advogado, antes de sua condenação definitiva, em sala de Estado Maior, ou, na sua falta, no seu domicílio – restringe-se à prisão penal, de índole punitiva. O referido artigo é inaplicável à prisão civil, pois, enquanto meio executivo por coerção pessoal, sua natureza já é de prisão especial, porquanto o devedor de alimentos detido não será segregado com presos comuns. Ademais, essa coerção máxima e excepcional decorre da absoluta necessidade de o coagido cumprir, o mais brevemente possível, com a obrigação de alimentar que a lei lhe impõe, visto que seu célere adimplemento está diretamente ligado à subsistência do credor de alimentos. A relevância dos direitos relacionados à obrigação – vida e dignidade – exige que à disposição do credor se coloque meio executivo que exerça pressão séria e relevante em face do obrigado. Impõe-se evitar um evidente esvaziamento da razão de ser de meio executivo que extrai da coerção pessoal a sua força e utilidade, não se mostrando sequer razoável substituir o cumprimento da prisão civil em estabelecimento prisional pelo cumprimento em sala de Estado Maior, ou, na sua falta, em prisão domiciliar. Precedente citado: HC 181.231-RO, Terceira Turma, DJe 14/4/2011. HC 305.805-GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/10/2014 (Vide Informativo nº 537)

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. REAJUSTE DE MENSALIDADE DE SEGURO-SAÚDE EM RAZÃO DE ALTERAÇÃO DE FAIXA ETÁRIA DO SEGURADO. É válida a cláusula, prevista em contrato de seguro-saúde, que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar sessenta anos de idade, desde que haja respeito aos limites e requisitos estabelecidos na Lei 9.656/1998 e, ainda, que não se apliquem índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado. Realmente, sabe-se que, quanto mais avançada a idade do segurado, independentemente de ser ele enquadrado ou não como idoso, maior será seu risco subjetivo, pois normalmente a pessoa de mais idade necessita de serviços de assistência médica com maior frequência do que a que se encontra em uma faixa etária menor. Trata-se de uma constatação natural, de um fato que se observa na vida e que pode ser cientificamente confirmado. Por isso mesmo, os contratos de seguro-saúde normalmente trazem cláusula prevendo reajuste em função do aumento da idade do segurado, tendo em vista que os valores cobrados a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio. Atento a essa circunstância, o legislador editou a Lei 9.656/1998, preservando a possibilidade de reajuste da mensalidade de seguro-saúde em razão da mudança de faixa etária do segurado, estabelecendo, contudo, algumas restrições a esses reajustes (art. 15). Desse modo, percebe-se que ordenamento jurídico permitiu expressamente o reajuste das mensalidades em razão do ingresso do segurado em faixa etária mais avançada em que os riscos de saúde são abstratamente elevados, buscando, assim, manter o equilíbrio atuarial do sistema. Posteriormente, em razão do advento do art. 15, § 3º, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) que estabelece ser “vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”, impõe-se encontrar um ponto de equilíbrio na interpretação dos diplomas legais que regem a matéria, a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses em conflito. Nesse passo, não é possível extrair-se do art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso uma interpretação que repute, abstratamente, abusivo todo e qualquer reajuste que se baseie em mudança de faixa etária, mas tão somente o aumento discriminante, desarrazoado, que, em concreto, traduza verdadeiro fator de discriminação do idoso, por visar dificultar ou impedir a permanência dele no seguro-saúde; prática, aliás, que constitui verdadeiro abuso de direito e violação ao princípio da igualdade e divorcia-se da boa-fé contratual. Ressalte-se que o referido vício – aumento desarrazoado – caracteriza-se pela ausência de justificativa para o nível do aumento aplicado. Situação que se torna perceptível, sobretudo, pela demasiada majoração do valor da mensalidade do contrato de seguro de vida do idoso, quando comparada com os percentuais de reajustes anteriormente postos durante a vigência do pacto. Igualmente, na hipótese em que o segurador se aproveita do advento da idade do segurado para não só cobrir despesas ou riscos maiores, mas também para aumentar os lucros há, sim, reajuste abusivo e ofensa às disposições do CDC. Além disso, os custos pela maior utilização dos serviços de saúde pelos idosos não podem ser diluídos entre os participantes mais jovens do grupo segurado, uma vez que, com isso, os demais segurados iriam, naturalmente, reduzir as possibilidades de seu seguro-saúde ou rescindi-lo, ante o aumento da despesa imposta. Nessa linha intelectiva, não se pode desamparar uns, os mais jovens e suas famílias, para pretensamente evitar a sobrecarga de preço para os idosos. Destaque-se que não se está autorizando a oneração de uma pessoa pelo simples fato de ser idosa; mas, sim, por demandar mais do serviço ofertado. Nesse sentido, considerando-se que os aumentos dos seguros-saúde visam cobrir a maior demanda, não se pode falar em discriminação, que somente existiria na hipótese de o aumento decorrer, pura e simplesmente, do advento da idade. Portanto, excetuando-se as situações de abuso, a norma inserida na cláusula em análise – que autoriza o aumento das mensalidades do seguro em razão de o usuário completar sessenta anos de idade – não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a discriminação negativa, no sentido do injusto. Precedente citado: REsp 866.840-SP, Quarta Turma, DJe 17/8/2011. REsp 1.381.606-DF, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio De Noronha, julgado em 7/10/2014.

DIREITO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE DE SEGURADORA OU OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE CUSTEAR TRATAMENTO EXPERIMENTAL. A seguradora ou operadora de plano de saúde deve custear tratamento experimental existente no País, em instituição de reputação científica reconhecida, de doença listada na CID-OMS, desde que haja indicação médica para tanto, e os médicos que acompanhem o quadro clínico do paciente atestem a ineficácia ou a insuficiência dos tratamentos indicados convencionalmente para a cura ou controle eficaz da doença. Cumpre esclarecer que o art. 12 da Lei 9.656/1998 estabelece as coberturas mínimas que devem ser garantidas aos segurados e beneficiários dos planos de saúde. Nesse sentido, as operadoras são obrigadas a cobrir os tratamentos e serviços necessários à busca da cura ou controle da doença apresentada pelo paciente e listada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde (CID-OMS). Já o art. 10, I, da referida Lei estabelece que as seguradoras ou operadoras de plano de saúde podem excluir da cobertura o tratamento clínico ou cirúrgico experimental. Nessa linha intelectiva, a autorização legal para que um determinado tratamento seja excluído deve ser entendida em confronto com as coberturas mínimas que são garantidas. Tanto é assim que o art. 10 da Lei 9.656/1998 faz menção expressa ao art. 12 do mesmo diploma legal e vice-versa. Desse modo, o tratamento experimental, por força de sua recomendada utilidade, embora eventual, transmuda-se em tratamento mínimo a ser garantido ao paciente, escopo da Lei 9.656/1998, como se vê nos citados arts. 10 e 12. Isto é, nas situações em que os tratamentos convencionais não forem suficientes ou eficientes – fato atestado pelos médicos que acompanham o quadro clínico do paciente –, existindo no País tratamento experimental, em instituição de reputação científica reconhecida, com indicação para a doença, a seguradora ou operadora deve arcar com os custos do tratamento, na medida em que passa a ser o único de real interesse para o contratante. Assim, a restrição contida no art. 10, I, da Lei 9.656/1998 somente deve ter aplicação nas hipóteses em que os tratamentos convencionais mínimos garantidos pelo art. 12 da mesma Lei sejam de fato úteis e eficazes para o contratante segurado. Ou seja, não pode o paciente, à custa da seguradora ou operadora de plano de saúde, optar por tratamento experimental, por considerá-lo mais eficiente ou menos agressivo, pois lhe é disponibilizado tratamento útil, suficiente para atender o mínimo garantido pela Lei. REsp 1.279.241-SP,  Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 16/9/2014.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

OS EQUÍVOCOS DO PL 117/2013 SOBRE GUARDA. POR ROBERTO FIGUEIREDO.



Guarda compartilhada ou alternada? Os equívocos do Projeto de Lei nº 117/2013. Veto já!

Por Roberto Figueiredo. Mestre em Direito pela UFBA. Procurador do Estado da Bahia. Professor de Direito Civil da Universidade Salvador (UNIFACS). Advogado na área de Direito de Família desde 1998.

Quem não conheceu, ou nunca viu de perto, a triste disputa de um casal pela guarda de um filho?

O redesenho dos núcleos familiares, a perseguida igualdade entre homem e mulher (ou porque não dizer entre pessoas), a mudança do perfil da sociedade brasileira e a construção atual da jurisprudência a respeito deste assunto tornam o tema da disputa da guarda cada vez mais aceso, nos tribunais e nas famílias brasileiras.

Atualmente, a legislação orienta o Juiz da Vara de Família “sempre que possível” a determinar a guarda compartilhada de forma a assegurar o desejado convívio da criança ou do adolescente com os seus pais. Apenas de forma excepcional é que a guarda será unilateral, vale dizer, assegurada a um dos genitores. Hoje é assim.

Há quem critique, entretanto, a expressão normativa “sempre que possível” sob o argumento de que o termo faculta ao Magistrado uma subjetividade indesejada, a desprestigiar a guarda compartilhada.

Em 26 de novembro de 2014 o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei nº 117/2013 que objetiva alterar quatro artigos do Código Civil. Encaminhado à Presidência da República este Projeto poderá ser levado à sanção ou ao veto.

O primeiro objetivo do Projeto de Lei é estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada”. O segundo é tornar mais objetiva a aplicação da guarda compartilhada. Deseja-se alterar o Código Civil da seguinte maneira: “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança”.

Substitui-se a o termo “sempre que possível” pela expressão “será aplicada”.

Imagina-se que deste modo se irá diminuir a subjetividade na interpretação da norma e conferir ao Magistrado um critério objetivo para fixação da guarda compartilhada.

Se virar Lei, de acordo com o Projeto, em apenas duas hipóteses excepcionais não se aplicará a guarda compartilhada: a) se o genitor expressamente afirmar em juízo não desejar a guarda, b) se por algum outro motivo restar comprovada a impossibilidade guarda compartilhada no caso concreto. Nestes dois casos a guarda seria unilateral.

Evidentemente que estas duas exceções ocorrerão no curso de uma ação judicial na qual o Ministério Público se manifestará antes de o Magistrado decidir.

Mas será que este Projeto de Lei é bom para o país? Será que atende a finalidade para a qual se destina?

Sem dúvida a guarda compartilhada deve ser a regra. De igual sorte, a fixação de critérios cada vez mais objetivos para a fixação da guarda compartilhada parece ser desejo de todos.

Contudo, o Projeto de Lei incorre em grave equívoco técnico, ao que parece despercebido. Confunde o instituto da guarda alternada, com o instituto da guarda compartilhada, erro, aliás, muito comum.

De acordo com a Explicitação da Ementa, disponível no sítio eletrônico oficial do Senado, o Projeto de Lei objetiva estabelecer o significado da expressão guarda compartilhada, sustentando que “o tempo de custódia física dos filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e o pai”.

Ao fazer isto, vale dizer, com esta divisão de tempo, o Projeto de Lei estabeleceu como regra não a guarda compartilhada, mas a alternância de tempo físico dentre os genitores. Isto é guarda alternada.

Portanto, o Projeto de Lei nº 117 acabou por desejar uma coisa e realizar outra. Institui a obrigatoriedade da guarda alternada e não da compartilhada.

Ainda não há lei no Brasil estabelecendo a regra da guarda alternada. Se depender do Congresso Nacional e se ocorrer da Presidência da República sancionar o Projeto acima seremos surpreendidos com esta novidade.

Espero que o Projeto de Lei seja vetado para que se mantenha o entendimento já pacífico de que a guarda compartilhada deve ser regra à vista do direito de convivência e do melhor interesse da criança e do adolescente.

Vamos aguardar...

 

PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS NO NOVO CPC. ARTIGO DO PROFESSOR LUIZ EDSON FACHIN.



Constituição, Processo e Prisão Civil do Devedor de Alimentos: diálogos entre o pretérito, o presente e o porvir

Luiz Edson Fachin

Fonte: Migalhas.
 
A liberdade é a regra civilizatória. Por isso mesmo, Constituição Federal brasileira, promulgada em 1988, estabeleceu em seu rol de direitos fundamentais o teor do inciso LXVII do artigo 5º, o qual estabelece que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Percebe-se aqui que houve luzidia preocupação do constituinte, ciente da dimensão patrimonial das garantias, em regulamentar como regra geral a proibição da prisão civil do devedor inadimplente, prevendo somente duas exceções expressas e taxativas1 que já são, de certa forma, uma tradição no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro2.

Aqui segue, à luz da regra processual projetada na ambiência do processo civil, reflexão sobre o núcleo desse mote.

Vencido foi, pela hermenêutica sistemática mais refinada e sustentada numa sólida racionalidade jurídica, simultaneamente interna e exógena, quanto à questão no âmbito da alienação fiduciária e ali do depositário infiel. No que diz respeito à prisão civil do inadimplente de alimentos, tem-se que não existem maiores discussões acerca de sua constitucionalidade, em face da exceção prevista em múltiplos textos constitucionais nacionais e internacionais acerca do tema, como é o caso de diversos tratados ratificados pelo Brasil.

O próprio Pacto de São José da Costa Rica admite esta exceção em seu artigo 7, dispondo que “ninguém deve ser detido por dívidas”, mas que “este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.

Esta previsão da prisão do devedor de alimentos ocorre como medida extrema e excepcional, tendo em vista que é direito personalíssimo e igualmente fundamental o acesso do credor a seus alimentos, de modo a concretizar a assistência familiar e o princípio do melhor interesse do menor. Mediante a prisão, que pode ser decretada quantas vezes forem necessárias até o pagamento da verba alimentícia, busca o Estado, por meio de prestações positivas, instar o inadimplente a respeitar os direitos de outrem solidariamente.

Considerado todo o contexto constitucional envolvendo o instituto da prisão civil do devedor de alimentos, nos parece que o projeto do novo Código de Processo Civil fez bem ao evitar amenizações para essa medida excepcional. A mudança então almejada no curso dos debates quedou-se com a manutenção do quadro posto nessa tendência.

As discussões em torno do novo projeto se voltavam para a dilatação do prazo de justificativa do devedor, após a intimação, que passaria de 3 dias para 10 dias, ao mesmo tempo em que também se discutia a substituição do regime fechado para o regime semi-aberto. Tais modificações, em verdade, mitigariam a efetividade da prisão civil. Note-se que, como bem salientam Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, a prisão civil do devedor de alimentos não trata realmente de uma pena e nem mesmo de um meio executório propriamente dito; é, na verdade, um meio coercitivo (de feitio excepcional) para compelir o devedor a adimplir. A iminência de prisão, portanto, teria o condão de instar o devedor ao pagamento, de modo a evitar ou suspender o cumprimento da prisão3.

Ao fim das discussões e redação final do projeto, decidiu-se, com acerto, entre o regime presente e a proposta então em pauta, conservar o método atual da prisão civil do devedor de alimentos, mantendo-se o prazo de três dias para justificação e a prisão em regime fechado. As tentativas de amenização do instituto, portanto, foram rejeitadas.

Conforme visto acima, diferentemente da prisão civil do depositário infiel, que encontra justo rechaço na doutrina internacional de direitos humanos, a prisão civil do devedor de alimentos encontra assento não só na Constituição Federal, mas também em importantes documentos internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica. De fato, a prisão civil nesse caso tem um importante objetivo de assegurar a dignidade do alimentando.

Cumpre, nada obstante, não aceitar pacificamente, no estágio da sociedade plural e complexa do século XXI, soluções pretéritas cujo contexto vem se modificando substancialmente. Nesta senda, importante diferenciar alimentos compensatórios daqueles alimentos necessários à manutenção da dignidade do credor alimentício. Por certo que os primeiros não podem ensejar a prisão civil, contudo, os segundos, reputando como verdadeira a idéia de que a ameaça de prisão civil gera o adimplemento, se configuram como justo motivo para a decretação da prisão do devedor.

Ainda mais: o pretenso caráter garantidor da prisão civil, não se pode, igualmente, deixar de considerar toda a crítica justa e necessária ao uso da prisão para a resolução de conflitos interprivados. Em verdade, em qualquer hipótese a pena preventiva de liberdade, sobretudo no contexto sócio-político brasileiro, é deveras questionável.

Muito embora no campo teórico a prisão civil não se encaixe na definição penal, no campo prático, sobre o devedor de alimentos recairá, tal qual recai sobre o condenado penal, o mesmo peso de um sistema carcerário inquestionavelmente falido e violento. Como bem aponta Juarez Cirino dos Santos, “a prisão produz e reproduz os fenômenos que, segundo o discurso ideológico, objetiva controlar e reduzir.”5 Ademais, note-se que a prisão em si não garante o cumprimento da execução e, ao considerar aquele que não tem condições de adimplir, a prisão civil apenas agrava a situação, vez que, estando preso, não poderá levantar fundos para o pagamento da dívida, e fora da cadeia sofrerá todo o estigma que recai sobre ex-prisioneiros. De fato, a prisão civil parece reforçar o argumento criminológico da existência de uma seletividade punitiva intrínseca.

Não se duvida que a pretensão coercitiva gere os efeitos esperados sobre aquele que não paga mesmo quando tem condições, e nesse sentido, é certo que a prisão civil cumpre o papel garantidor de dignidade. No entanto, sobre aquele que não tem possibilidades financeiras de adimplir com os alimentos, a prisão civil parece pouco ajudar. Paulo Lôbo é certeiro ao afirmar que a prisão civil é instrumento a ser usado com prudência e parcimônia, não devendo se prestar a veiculação de vingança privada ou de agravamento das condições de rendimentos do devedor. “Preferentemente, deve ser utilizada em caso de reiteração sucessiva de inadimplemento injustificado.”5

Algumas experiências do direito comparado apresentam soluções mais efetivas para o pagamento da dívida de alimentos. Em Portugal, por exemplo, existe um fundo público de garantia que assegura os alimentandos quando há impossibilidade momentânea do devedor de alimentos adimplir com sua obrigação. Trata-se de medida mais efetiva, na medida em que garante o cumprimento da obrigação e assegura a dignidade do credor alimentício, além de não impor ao devedor de alimento sanção deveras gravosa.

Em suma, não se pode negar que o instituto da prisão civil, em seu caráter coercitivo, de ameaça, é inegavelmente útil e, no mais das vezes, leva o devedor ao cumprimento da obrigação, sendo que, nesta toada, o projeto de novo CPC acertou em manter o exíguo prazo de justificação e a ameaça de regime fechado, com o fito de constranger o devedor ao adimplemento. Para além disso, no entanto, a crítica à prisão é muito apropriada e o instituto da prisão civil além disso é inadequado para a situação daquele que, realmente, não pode pagar sua dívida. Para esses casos, urge construir uma medida mais efetiva, que não só evite prisões injustas, como, de fato, garanta a execução dos alimentos.

Esse objetivo arrosta não apenas a regra como também ao senso mínimo de justiça. Eis um olhar ainda a reclamar a atenção dos juristas comprometidos com o conceito da vida e não apenas com a vida dos conceitos.
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1 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 678.
2 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 478.
3 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de Processo Civil, vol. 2: execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 564.
4 SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. 3. ed. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2008, p. 83.
5 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 395.
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*Luiz Edson Fachin é advogado do escritório Fachin Advogados Associados. Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A ADEQUAÇÃO DO NOME DOS TRANSEXUAIS. MATÉRIA DO SITE DO STJ.

O direito dos indivíduos transexuais de alterar o seu registro civil
Fonte: Site do STJ.
 
O nome é mais que um acessório. Ele é de extrema relevância na vida social, por ser parte intrínseca da personalidade. Tanto que o novo Código Civil trata o assunto em seu Capítulo II, esclarecendo que toda pessoa tem direito ao nome, compreendidos o prenome e o sobrenome.
Ao proteger o nome, o CC de 2002 nada mais fez do que concretizar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.
Essa tutela é importante para impedir que haja abuso, o que pode acarretar prejuízos e, ainda, para evitar que sejam colocados nomes que exponham ao ridículo seu portador.
Uma realidade que o Poder Judiciário brasileiro vem enfrentando diz respeito aos indivíduos transexuais. Após finalizar o processo transexualizador – com a cirurgia de mudança de sexo -, esses cidadãos estão buscando a Justiça para alterar o seu registro civil, com a consequente modificação do documento de identidade.
Sem legislação
Entretanto, não há no Brasil uma legislação que regulamente e determine a alteração imediata do registro civil. Assim, resta ao transexual pleitear judicialmente a alteração.
Alguns juízes permitem a mudança do prenome do indivíduo, com fundamento nos princípios da intimidade e privacidade, para evitar principalmente o constrangimento à pessoa. Outras decisões, por sua vez, não acatam o pedido, negando-o em sua totalidade, com base estritamente no critério biológico.
Há também decisões que, além da alteração do prenome, determinam que a mesma seja feita com a ressalva da condição transexual do indivíduo, não alterando o sexo presente no registro. Finalmente, há decisões que não só permitem a mudança do prenome como a do sexo no registro civil.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem autorizando a modificação do nome que consta do registro civil, bem como a alteração do sexo. Entretanto, consigna que a averbação deve constar, apenas do livro cartorário, vedando qualquer menção nas certidões do registro público, sob pena de manter a situação constrangedora e discriminatória.
Segundo o ministro da Quarta Turma do STJ Luis Felipe Salomão, se o indivíduo já realizou a cirurgia e se o registro está em desconformidade com o mundo fenomênico, não há motivos para constar da certidão.
Isso porque seria um opróbrio ainda maior para o indivíduo ter que mostrar uma certidão em que consta um nome do sexo masculino. Entretanto, a averbação deve constar do livro cartorário. “Fica lá no registro, preserva terceiros e ele segue a vida dele pela opção que ele fez”, afirmou o ministro.
Vida digna
Para a ministra Nancy Andrighi, quando se iniciou a obrigatoriedade do registro civil, a distinção entre os dois sexos era feita baseada na conformação da genitália. Hoje, com o desenvolvimento científico e tecnológico, existem vários outros elementos identificadores do sexo, razão pela qual a definição de gênero não pode mais ser limitada somente ao sexo aparente.
“Todo um conjunto de fatores, tanto psicológicos quanto biológicos, culturais e familiares, devem ser considerados. A título exemplificativo, podem ser apontados, para a caracterização sexual, os critérios cromossomial, gonadal, cromatínico, da genitália interna, psíquico ou comportamental, médico-legal, e jurídico”, afirma a ministra.
Para Andrighi, se o Estado consente com a possibilidade de realizar-se cirurgia de transgenitalização, logo deve também prover os meios necessários para que o indivíduo tenha uma vida digna e, por conseguinte, seja identificado jurídica e civilmente tal como se apresenta perante a sociedade.
Averbação no registro
O primeiro recurso sobre o tema foi julgado no STJ em 2007, sob a relatoria do falecido ministro Carlos Alberto Menezes Direito. No caso, a Terceira Turma do STJ, seguindo o voto do ministro, concordou com a alteração, mas definiu, na ocasião, que deveria ficar averbado no registro civil do transexual que a modificação do seu nome e do seu sexo decorreu de decisão judicial.
De acordo com o ministro Direito, não se poderia esconder no registro, sob pena de validar agressão à verdade que ele deve preservar, que a mudança decorreu de ato judicial nascida da vontade do autor e que se tornou necessário ato cirúrgico.
“Trata-se de registro imperativo e com essa qualidade é que se não pode impedir que a modificação da natureza sexual fique assentada para o reconhecimento do direito do autor”, afirmou o ministro, à época.
Livro cartorário
Em outubro de 2009, a Terceira Turma, em decisão inédita, garantiu ao transexual a troca do nome e do gênero em registro, sem que constasse a anotação no documento. O colegiado determinou que o registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente constasse apenas nos livros cartorários.
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a observação sobre alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias.
“Conservar o ‘sexo masculino’ no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente”, concluiu a ministra.
Exposição ao ridículo
O mesmo entendimento foi aplicado pela Quarta Turma, em dezembro de 2009. O relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, destacou que a Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) estabelece, em seu artigo 55, parágrafo único, a possibilidade de o prenome ser modificado quando expuser seu titular ao ridículo.
“A interpretação conjugada dos artigos 55 e 58 da Lei de Registros Públicos confere amparo legal para que o recorrente obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o pelo apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive”, disse o ministro.
Na ocasião, Noronha afirmou ainda que o julgador não deve se deter em uma codificação generalista e padronizada, mas sim adotar a decisão que melhor se coadune com valores maiores do ordenamento jurídico, tais como a dignidade das pessoas.
Quanto à averbação no livro cartorário, o ministro afirmou que é importante para salvaguardar os atos jurídicos já praticados, para manter a segurança das relações jurídicas e, por fim, para solucionar eventuais questões que sobrevierem no âmbito do direito de família (casamento), no direito previdenciário e até mesmo no âmbito esportivo.
Renascimento
Para a transexual Bianca Moura, 45 anos, a mudança do registro civil foi um renascimento. Servidora pública do Governo do Distrito Federal, a maranhense conseguiu a alteração em setembro de 2011, um ano e meio depois de dar entrada em toda a documentação.
“Procurei o Judiciário em fevereiro de 2010 com meus documentos, fotos, laudos, tudo. Um ano e meio depois, recebi uma carta comunicando a sentença. Ao conversar com o juiz, fui avisada que teria que ir até o Maranhão, estado onde nasci, para pegar a nova certidão. Fui até lá com minha mãe. O processo foi muito tranquilo”, disse.
Bianca começou sua transformação há 20 anos, em uma época que não se tinha nenhuma perspectiva de se fazer o processo de readequação de gênero, quanto mais no registro. Ela ainda está na fila do Sistema Único de Saúde (SUS), aguardando a sua vez de realizar o procedimento. Mas isso não a impediu de ir atrás de seus direitos.
“Sempre quis ser reconhecida civilmente como uma mulher. É de extrema importância para mim que o estado reconheça a minha identidade. O não reconhecimento me causou inúmeros constrangimentos. Nem todo mundo aceita te chamar pelo nome social. Acredito que todos os transexuais desejem ter sua identidade reconhecida e respeitada”, afirmou Bianca.
Nome social é o nome pelo qual os transexuais e travestis são chamados cotidianamente, em contraste com o nome oficialmente registrado, que não reflete sua identidade de gênero.
Projeto de lei
Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.002/2013, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) e da deputada Erika Kokay (PT-DF),  que trata da viabilização e desburocratização para o indivíduo ter assegurado, por lei, o direito de ser tratado conforme o gênero escolhido por ele.
A proposta obriga o SUS e os planos de saúde a custearem tratamentos hormonais integrais e cirurgias de mudança de sexo a todos os interessados maiores de 18 anos, aos quais não será exigido nenhum tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial.
De acordo com o PL, não será necessário entrar na justiça para conseguir a mudança do nome e toda pessoa poderá solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do prenome e da imagem registradas na documentação pessoal sempre que não coincidam com a sua identidade de gênero autopercebida.
Segundo a proposta, mesmo um menor que não tenha consentimento dos pais poderá recorrer à defensoria pública para que sua vontade de mudança de nome seja atendida. Menores de 18 anos poderão ainda fazer cirurgia de mudança de sexo, mesmo sem a autorização dos pais, seguindo os critérios da alteração do registro civil.
O projeto de lei diz que a mudança do sexo não altera o direito à maternidade ou à paternidade. Também será preservado o matrimônio, se os cônjuges quiserem, sendo possível retificar a certidão do casamento, para constar a união homoafetiva.
Os números dos processos não são divulgados em razão de segredo judicial.