Novo
CPC e Família.
O
projeto do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Câmara dos Deputados (26.03.2014),
apresenta importantes inovações para a eficiência da jurisdição e a efetividade
dos julgados e,
designadamente, também propõe significativos avanços para a área de
família.
Anota-se,
porém, que malgrado a supressão, no texto senatorial, sobre as ações de
separação judicial (litigiosas ou não), por identidade lógico-constitucional
com a Emenda Constitucional nº 66, quando conforme a melhor doutrina fez
extinguir aquelas, o projeto analisado pela Câmara dos Deputados agora reedita
a existência das referidas ações, ao tratá-las no art. 746.
Antes de mais, importa dizer que o novo
CPC traduz, com eficiência, os anseios de modernidade do processo civil de
família, onde:
(i) todos os esforços de desfecho devem ser
empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor
do auxilio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e
conciliação. No ponto, consagra-se a necessária interdisciplinaridade,
acentuada nas ações de família (artigo 709); (ii) o Ministério Público somente
intervirá quando houver interesse de incapaz (art. 713); (iii) o juiz decisor
atuará sempre com dicção voltada a proferir a garantia e efetividade de
direitos fundamentais.
Para além disso cumpre referir, com boa
nota, outras significativas mudanças que o Código de Processo Civil projetado
apresenta para o direito de família e sua operacionalidade, a exemplo:
(i) assinatura digital dos juízes, a
ensejar uma maior ação de presença para decisões-instantes, onde quer o
magistrado se encontre; (ii) Livros específicos destinados à Parte Geral do
Código de Processo Civil, tal como sucede com o moderno Código Civil; (iii)
capítulo, no Livro I da Parte Geral, que trata dos Princípios e das Garantias
Fundamentais do Processo Civil, permitindo, de tal diretiva, um permanente elo
e consequente diálogo de fontes entre os direitos e garantias individuais
elencados na Constituição de 1988 e a aplicação deles no processo civil; (iv) a
disciplina do instituto da Tutela da Evidência, para os fins de medidas
satisfativas que visam a antecipar ao autor, no todo ou em parte, os efeitos da
tutela pretendida, tal como sucede com a atual Tutela da Urgência, também disciplinada;
(v) um procedimento estabelecido em lei, pela primeira vez, para a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, cabível em todas as fases
processuais, importando seus reflexos para a desconsideração inversa com
atenção ao patrimônio dos cônjuges e efetiva defesa protetiva da meação; (vi)
uma maior dinâmica sucumbencial, quando os honorários advocatícios passam a ser
devidos também em pedidos contrapostos, no cumprimento de sentença, na execução
resistida ou não, e nos recursos interpostos, de forma cumulativa; (vii) o
emprego da conhecida técnica da distribuição dinâmica do ônus da prova,
amplamente consagrada pela doutrina e moderna jurisprudência do STJ.
Pois bem. Na seara do direito de
família processual, o novo Código de Processo Civil tem seu projeto indicando
novos avanços, convindo assinalar, dentre outros, os seguintes:
Procedimento especial – Cria-se, por imprescindível, um
procedimento especial para as ações de família, que contém algumas
especificidades importantes. Exemplo marcante é o da citação desacompanhada de
cópia da petição inicial (art. 710 § 1º), tudo a conferir maior possibilidade
de êxito na mediação e conciliação do conflito familiar, em audiência própria.
No entanto, fica a ressalva de ser assegurado ao réu o direito de examinar o
conteúdo da inicial a qualquer tempo. O procedimento especial para as ações de
família está referido pelos artigos 708 a 714 do projeto.
Alienação Parental - Pela primeira vez, aparecerá no
Código de Processo Civil a referência à alienação parental. No art. 714 do
projeto, é previsto que quando a causa envolver a discussão sobre fatos
relacionados a abuso ou alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do
incapaz, deverá fazê-lo acompanhado por especialista.
Considere-se, todavia, que melhor seria
para efeito de disciplina da arguição, que esta fosse resolvida como incidente
do processo, a ser dirimido com um procedimento mais amplo e eficiente, a tanto
ensejar providencias específicas; salvo quando a invocação se constituir,
efetivamente, como causa de pedir, em face da pretensão deduzida em juízo. De todo modo,
registra-se que os processos de família envolvendo imputação de alienação
parental, merecem tratamento específico, nomeadamente pela gravidade do tema. O
mesmo pode-se afirmar para as ações de destituição do poder familiar, que estão
a exigir um procedimento especial próprio,.
Mediação – A disciplina da conciliação e da
mediação (artigos 166 a
176 do novo CPC) aperfeiçoa os institutos, buscando, através deles, empreender
mecanismos mais eficazes para a resolução consensual de conflitos. O projeto
estabelece os princípios que regem a mediação e a conciliação, observando os
parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, para a formação dos
conciliadores e mediadores (Resolução nº 125). Com efeito, o juiz, a
requerimento das partes, poderá determinar a suspensão do processo enquanto os
litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento
multidisciplinar (art. 709, § único). Assinala-se, ainda, que a audiência de
mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam
necessárias para viabilizar a solução processual, sem prejuízo de providências
jurisdicionais para evitar o perecimento do direito (art. 711).
Atendimento multidisciplinar – A figura do atendimento
multidisciplinar dos litigantes, envolvendo profissionais de outras áreas de
conhecimento como psicólogos, psicoterapeutas, pedagogos e assistentes sociais,
aparece pioneira no CPC projetado, no
efeito de servir à hipótese de suspensão do processo, enquanto os litigantes a
ele se submetam. Assim, importa urgente que os juízes de família estabeleçam
paradigmas para o atendimento multidisciplinar, sempre que este novo instituto
jurídico, em direito de família processual, seja necessário ou conveniente.
Parte convivente – Dentre os requisitos da petição inicial
(art. 320) está prevista a necessidade de indicação da existência ou não de
união estável por quem demanda ou por quem seja demandado (inciso II), quando
se refere à qualificação das partes. Afinal, cuidará o novo CPC, de admitir,
por via de consequência, a união estável como um estado civil, como temos de há
muito sustentado.
Efetividade - O aperfeiçoamento de mecanismos
para a efetividade dos julgados é uma expressão marcante da política judiciária
trazida pelo projeto do novo Código de Processo Civil. A tanto, introduz-se
dispositivo que prevê a possibilidade de ser levada a protesto a sentença
judicial transitada em julgado (art. 531), “servindo como um ótimo meio para
forçar ou estimular o pagamento de valores decorrentes de condenação judicial
transitada em julgado”. Demais disso,
registra-se o novo regramento da hipoteca judiciária, com as previsões
expressas do direito de preferência e o regime de responsabilidade civil em favor
de quem a hipoteca é constituída.
No mais,
“altera-se a redação de alguns dispositivos para deixar claro que podem ser
executadas as sentenças que preveem o direito a uma prestação, não se
restringindo apenas à sentença condenatória”.
Alimentos e Execução - O projeto do CPC adota, em linhas
gerais, o sistema da execução de prestação alimentícia que já havia sido
previsto pelo Estatuto das Famílias, proposta legislativa do IBDFAM. Além dos
mecanismos de prisão civil, a possibilidade de protesto de dívidas alimentares
no caso de inadimplência do devedor. Esgotado o prazo de cumprimento
voluntário, o devedor poderá ter o nome inscrito nos sistemas de bases de dados
de proteção ao crédito. Vejamos, então:
A regra do
novo artigo 542 do CPC projetado, para efeito do cumprimento da sentença que
reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos ou da decisão que
fixar alimentos, para além de determinar, a requerimento do credor exequente,
que seja o devedor executado, intimado pessoalmente a pagar o débito em três
dias, dispõe no sentido que o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial,
aplicando-se, no que couber, o disposto no artigo 531. Ou seja, a dívida
alimentar impaga será levada, necessariamente, a protesto, figurando a sentença
ou a decisão judicial como títulos executivos, nesse fim, ao tempo em que
executada a dívida. A seu turno, o reportado artigo 531 do projeto agora
aprovado pela Câmara estabelece que “a decisão judicial transitada em julgado
poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo
para pagamento voluntário previsto no artigo 537” (ou seja, o que quinze
dias).
Esse novo
modelo que alia a execução alimentar a outros instrumentos de coercibilidade, a
par de se constituir em uma das mais expressivas inovações do CPC, tem
precedente em importantes instrumentos normativos já disponibilizados na
justiça brasileira.
Não custa
lembrar o pioneiro Provimento nº 03/2008, de 11.09.2008, do Conselho da
Magistratura de Pernambuco (DOPJ de 17.09.2008), dispondo sobre o protesto de
decisões irrecorríveis acerca de alimentos provisórios ou provisionais ou de
sentença transitada em julgado, em sede de ação de alimentos.
De nossa
iniciativa, quando presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o
provimento editado considerou, então, que o instituto do protesto, contemplado
na Lei federal nº 9.492, de 10.09.1997, em albergando títulos e documentos de
dívida (art. 1º), alcançava, por corolário lógico, todas as situações jurídicas
originadas em documentos que representem dívida liquida e certa. Segue-se, daí,
entender que, “o protesto, sob o prisma do binômio celeridade/efetividade,
materializa medida viável e satisfatória ao forçoso cumprimento de decisões
judiciais”, no âmbito das dívidas alimentares.
O provimento
assinalou que a “obrigação alimentar constitui um instrumento de viabilização
da vida com dignidade, conquanto objetiva assegurar meios essenciais de
subsistência aos seus beneficiários, enquanto impossibilitados de promove-los
por si próprios”; assegurando, de efeito, o protesto das decisões judiciais
determinantes do pagamento de alimentos.
Nesse
conduto, o novo texto processual vem, agora, ratificar, a necessidade de
medidas de maior efetividade às decisões judiciais, apresentando-se o instituto
do protesto como novo instrumento de eficiência da jurisdição, no sentido de
uma prestação de justiça útil e efetiva.
Em resumo, o
pronunciamento judicial, quanto à dívida alimentar existente e impaga, no
tocante a reconhecer o inadimplemento imotivado, será levado agora, a protesto,
por determinação do juiz (art. 542, CPC projetado), sem prejuízo de, em tempo
instante, ser decretada a prisão civil, pelo prazo de um a três meses, em
regime fechado.
Como observado, o novo CPC permitirá um mais
eficiente processo civil de família. Afinal, como é consabido, em
ações de famílias, a resolução do processo implica, igualmente, em solucionar e
resolver pessoas. Justiça seja feita.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – o
autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM),
coordena a Comissão de Magistratura de Família.
Assessorou a Comissão Especial de Reforma do Código Civil na Câmara
Federal. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a
Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Nenhum comentário:
Postar um comentário