quarta-feira, 1 de outubro de 2008

TJ/RS. LIMITAÇÃO DOS JUROS BANCÁRIOS. BOLETIM DA AASP N. 2598

Embargos à Execução - Contratos de mútuo - Código de Defesa do Consumidor - Aplicáveis suas disposições aos contratos bancários. Juros remuneratórios. Encontram limitação ao patamar de 12% a.a., forte nas disposições contidas no CDC. Capitalização nos contratos de mútuo. É vedada a sua cobrança sob qualquer hipótese, por ausente autorização legal. Entretanto, em face da ausência de recurso do embargante, merece ser mantida a capitalização anual dos juros. Compensação de valores/repetição do indébito. Nada impede a declaração no sentido de que uma vez apurados pagamentos a maior tais deverão ser computados no abatimento do débito, de forma simples. Apelo improvido (TJRS - 19ª Câm. Cível; ACi nº 70023124191-Canoas-RS; Rel. Des. José Francisco Pellegrini; j. 11/3/2008; v.u.).

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os Autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao Apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os Em.
Srs. Desembargadores Guinther Spode e Carlos Rafael dos Santos Júnior.
Porto Alegre, 11 de março de 2008
José Francisco Pellegrini
Relator
RELATÓRIO
Desembargador José Francisco Pellegrini (Relator): da decisão que julgou procedentes os Embargos à Execução pela sucessão de N.B, representada por D.B., em face do Banco ... S.A., ao efeito de admitir a revisão dos contratos de mútuo, objeto da Execução, no sentido de limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano, afastar a capitalização mensal dos juros e autorizar a compensação dos valores a maior, apela o embargado.
Em suas razões (fls. 87/100), o apelante pugna pela reforma do sentenciado, suscitando a higidez da contratação. Aduz a inaplicabilidade das normas do CDC à espécie. Entende que os juros remuneratórios não devem ser limitados em 12% ao ano. Assevera a legalidade da capitalização mensal dos juros. Argúi a impossibilidade da compensação/repetição de valores. Requer o provimento do Apelo, invertendo-se a sucumbência.
Ausentes as contra-razões, subiram os Autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTOS
Desembargador José Francisco Pellegrini (Relator):
Código de Defesa do Consumidor
Tranqüilo o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor é uma lei protetiva dos interesses dos consumidores. Dentre esses, incluem-se as relações mantidas entre os correntistas e as instituições financeiras, cujas atividades são incluídas entre as previstas no § 2º do art. 3º do referido diploma legal, como prestação de serviços, qualificando-se, os bancos, como fornecedores. Diz o art. 3º: "Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços". E o § 2º: "Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista". De outra banda, no art. 2º encontra-se o consumidor como sendo toda pessoa física ou jurídica, in verbis: "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire e utiliza produto ou serviço como destinatário final".
A 19ª Câmara Cível preconiza a aplicabilidade do CDC às relações entre consumidores e instituições financeiras ou a estas equiparadas, a saber:
"Apelação Cível. Ação de Revisão de Contrato Bancário. (...) Aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos negócios jurídicos bancários (...)" (ACi nº 70005297080, Rel. Des. Mário José Gomes Pereira, j. 19/11/2002).
"Revisão de contrato bancário. Juros. Juros moratórios. Capitalização. Comissão de permanência. Multa. Mora. Flagrada cláusula contratual abusiva, na fixação dos juros, resta modificada. Art. 6º, inciso V, CDC (...)" (ACi nº 70.002.550.515, Rel. Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior, j. 30/10/2001).
Também o Superior Tribunal de Justiça assim se manifesta:
"Direito Comercial. Instituição financeira. Contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
(...)
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) é aplicável sobre todas as modalidades de contratos de financiamento firmados entre as instituições financeiras e seus clientes. (...)" (Resp nº 387.931-RS, Min. Cesar Asfor Rocha, publicado em 17/6/2002).
Assim, na mesma linha de entendimento, tenho como aplicáveis as disposições contidas no CDC tanto às pessoas físicas como às jurídicas nas relações entretidas entre os correntistas e as instituições financeiras ou a estas equiparadas.
Juros Remuneratórios
Os juros remuneratórios nos contratos bancários devem ser limitados ao patamar de 12% a.a., forte nas disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor. Segundo o ditame do art. 51, inciso IV, do citado diploma legal, "são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade". Nessa mesma linha, os arts. 6º, incisos IV e V, 39, incisos V e XI, todos do CDC. Fixar taxa de juros além do limite de 12% a.a., considerados aqui os parâmetros inflacionários bem como a remuneração principalmente das aplicações financeiras de iniciativa do consumidor, por certo gera desequilíbrio contratual, a ensejar a nulidade da cláusula contratual correspondente. O § 3º do art. 192 da Constituição Federal encontra-se hoje revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29/5/2003. Em outras palavras, isso quer dizer que não há mais, no seio da Constituição, limitação de juros. Disso não se conclua, no entanto, que está aberta a porta para a selvageria econômica, em que tudo é permitido, autorizadas as instituições financeiras a praticar taxas de juros quaisquer, consoante o apetite de cada uma delas. Ao contrário, os ditames e os princípios do Código do Consumidor permanecem plenamente vigentes, de modo que o abuso tem de ser coibido, que o consumidor tem de ter proteção legal e judicial que se traduz na transparência dos contratos em que, no que diz com o ponto, a composição da taxa de juros seja perfeitamente clara e apta a fazer compreender sua pertinência com o momento econômico vigente e sua razoabilidade. Se o contrato nada explicita a esse respeito e se a prova produzida no feito, igualmente, nada esclarece e sendo a alegação de abuso na cobrança verossímil no confronto do momento econômico que vive o país com a taxa contratada, impõe-se depurar e adequar esta a parâmetros de eqüidade e de justiça, tendo sempre presente que o juro corresponde à remuneração do capital e nada mais.
No momento não há outro parâmetro a aplicar, senão aquele adotado pelo Código Civil para o tratamento dos juros moratórios, seja o anterior (art. 1.062 e seguintes), seja o atualmente vigente (art. 389 do Código Civil), estabelecendo este último que os juros remuneratórios serão aqueles estabelecidos regularmente, segundo índices oficiais. Dessa forma evidencia-se a necessidade da prova de que os juros cobrados pela instituição financeira tenham o respaldo de índices oficiais autorizadores, ainda assim submetidos estes, ao meu sentir, ao crivo judicial. Esse é o parâmetro, a meu ver, adequado para os contratos firmados posteriormente à vigência do Código Civil. Relativamente aos anteriores, não se pode invocar direito adquirido contra a Constituição Federal que tirou de suas letras a limitação dos juros aos patamares de 12% ao ano. Para essas situações, inarredável se busque na contratação a verificação da transparência na composição da taxa de juros a evidenciar a razoabilidade da mesma. Ausente, cumpre o socorro da analogia com os juros moratórios, estabelecidos, se contratados, em 1% ao mês. Nesses termos, ainda que a contratação tenha sido firmada antes do advento do novo Código Civil, ausente a prova em questão, que não pode ser considerada fato surpresa para a parte, porque integrante de seu dever legal, nos termos dos arts. 6º, inciso III, e 31 do Código do Consumidor, e para não julgar de forma arbitrária, cumpre manter os juros remuneratórios limitados ao percentual de 12% ao ano.
Capitalização dos Juros nos Contratos de Mútuo
No que se refere à capitalização nos tipos de contratos ora em apreço, a Câmara vem se manifestando no sentido de que descabe a cobrança de juros capitalizados em periodicidade mensal, semestral ou anual, sendo vedada a sua incidência sob qualquer pretexto. A possibilidade de se operar pacto de capitalização de juros ocorre somente nas operações reguladas por legislação específica, quais sejam mútuo rural (Decreto-Lei nº 167/1967), industrial (Decreto-Lei nº 413/1969) e comercial (Lei nº 6.840/1980, que remete às disposições contidas no Decreto-Lei nº 413/1969). Afora esses casos, é vedada a ocorrência da capitalização dos juros em qualquer periodicidade.
Esse é o posicionamento que vem sendo ditado pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça, conforme se vê das ementas que seguem transcritas, no que interessa:
"Direitos Comercial e Econômico. Financiamento bancário. Juros. Teto de 12% em razão da lei de usura. Inexistência. Lei nº 4.595/1964. Enunciado nº 596 da Súmula-STF. Capitalização. Excepcionalidade. Inexistência de autorização legal. Recurso parcialmente acolhido.
1 - (...)
2 - Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei nº 4.595/1964 o art. 4º do Decreto nº 22.626/1933. O anatocismo, repudiado pelo verbete nº 121 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não guarda relação com o enunciado nº 596 da mesma Súmula" (REsp nº 122.777, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 27/5/1997).
"Juros. Anatocismo. A capitalização de juros é vedada pelo art. 4º do Decreto nº 22.626 e a proibição aplica-se também aos mútuos contratados com as instituições financeiras, não atingido aquele disposi-tivo pela Lei nº 4.595/1964" (REsp nº 46.515, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 13/6/1996).
No que se refere às Medidas Provisórias relativas à capitalização dos juros (nº 1.963-17, de 30/3/2000, 2.087-28, de 25/1/2001, e nº 2.170-36, de 23/8/2001) há a previsão de possibilidade de sua contratação em periodicidade inferior a um ano, em seu art. 5º, in verbis: "Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização dos juros com periodicidade inferior a um ano". Contudo, a última Medida Provisória relativa a esse ponto, a de nº 2.170-36, não foi reeditada. E mais. Não há de falar em vigência da Medida Provisória nº 2.170-36, por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11/9/2001, uma vez que quando editada a referida Emenda Constitucional, a constitucionalidade do art. 5º e seu parágrafo da Medida Provisória em questão, assim como suas edições anteriores, já se encontrava sub judice perante o Supremo Tribunal Federal, pela ADIn nº 2.316-1, tendo como Relator o Ministro Sydney Sanches, que votou pela suspensão de sua eficácia. Assim, nada veio aos Autos a comprovar a sua vigência, tarefa da incumbência da instituição financeira.
Tendo em vista os argumentos expostos, afora as situações antes referidas, tenho como vedada a incidência da capitalização dos juros em qualquer periodicidade, como in casu.
Entretanto, em face da ausência de recurso da parte adversa, mantenho a capitalização anual dos juros, nos termos da sentença.
Compensação/Repetição de Valores
Passo à questão da repetição/compensação de valores. Diante da solução dada à causa, é provável que, ao final, venham a se verificar importâncias pagas a maior do que o devido. Em havendo, evidentemente que não se trata, propriamente, de repetição do indébito. Menos ainda de compensação, nos estritos termos dos arts. 1.009 e 1.024, ambos do Código Civil, e art. 368 do atual diploma legal. Na verdade, a hipótese seria de mero acertamento de valores, possível, portanto, afirmar-se a possibilidade de, no cálculo final, ser considerados valores, eventualmente, pagos a maior e sua devolução, como pedido. Contudo, essa compensação deve se dar de modo simples. Evidenciados pagamentos a maior, repito, tais deverão ser computados no abatimento do débito, modo simples.
Nesses termos, nego provimento ao Apelo.
Desesembargador Guinther Spode (Revisor): de acordo.
Desesembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior: de acordo.
Desesembargador José Francisco Pellegrini - Presidente - Apelação Cível nº 70023124191, Comarca de Canoas: "Negaram provimento. Unânime".
Julgador de 1º Grau: Paulo Cesar Filippon / rms.

Nenhum comentário: