ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL CARTA FORENSE DE ABRIL. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS.
ALIMENTOS
COMPENSATÓRIOS. POSSIBILIDADE.
Flávio Tartuce.
Os alimentos familiares representam uma das
principais efetivações do princípio da solidariedade, no sentido de preocupação,
cuidado e responsabilidade pelo outro. Como se extrai da clássica obra de
Clóvis Beviláqua, os alimentos estão fundados em uma relação familial; mas
interessam a toda a sociedade, o que justifica a existência de normas de ordem
pública a respeito da matéria (BEVILÁQUA, Clóvis. Código dos Estados Unidos do Brasil. Edição histórica, 3ª tir. Rio
de Janeiro: Editora Rio, 1977. p. 862).
Em um
contexto de ampliação da solidariedade, impondo-se uma obrigação familiar agravada, surge a ideia dos alimentos compensatórios. A construção foi desenvolvida, no Brasil,
por Rolf Madaleno, a partir de estudos do Direito Espanhol e do Direito
Argentino. Leciona o doutrinador brasileiro que os alimentos compensatórios
constituem “uma prestação periódica em dinheiro, efetuada por um cônjuge em
favor do outro na ocasião da separação ou do divórcio vincular, onde se
produziu um desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida
experimentado durante a convivência matrimonial, compensando deste modo a
disparidade social e econômica com a qual se depara o alimentando em função da
separação, comprometendo suas obrigações materiais, seu estilo de vida e a sua
subsistência pessoal” (MADALENO, Rolf. Curso
de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 725). Dessa forma,
a sua finalidade é evitar o desequilíbrio econômico decorrente da redução do
padrão social do cônjuge, “sem pretender a igualdade econômica do casal que
desfez sua relação, mas que procura reduzir os efeitos deletérios surgidos da
súbita indigência social” (MADALENO, Rolf. Curso
de direito de família, p. 726).
A
hipótese típica é de escolha pelas partes do regime de separação convencional
de bens, seja no casamento ou união estável, em que não há a comunicação de
qualquer bem, por força do art. 1.687 do CC/2002. Finda a sociedade conjugal ou
convivencial, é possível que um dos consortes pleiteie ao outro uma verba
extra, a título de alimentos
compensatórios, visando a manter um mínimo de equilíbrio na dissolução da
união.
Na
doutrina contemporânea, outros juristas vêem com bons olhos a sua fixação.
Nessa linha está Maria Berenice Dias, para quem deve “o cônjuge mais afortunado
garantir ao ex-consorte alimentos compensatórios, visando a ajustar o
desequilíbrio econômico e a reequilibrar suas condições sociais” (DIAS, Maria
Berenice. Manual de direito das famílias.
6. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 540). Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald acrescem o fundamento na boa-fé objetiva, eis que, “durante o
relacionamento, um dos cônjuges acaba criando no outro a justa expectativa de
manutenção do mesmo padrão de vida, caso o relacionamento seja dissolvido” (FARIAS,
Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 4. ed. Salvador:
Juspodivm, 2012. v. 6: Famílias, p. 791).
A tese
é interessante, pois traz para o Direito de Família a experiência do direito
obrigacional a respeito da vedação da onerosidade excessiva ou desequilíbrio negocial, retirada, por
exemplo, dos arts. 317, 478, 479 e 480 do CC/2002; dispositivos que tendem a
manter o ponto de equilíbrio nas relações contratuais, cabendo a revisão ou a
resolução do negócio jurídico equivalente. Em reforço, há um fundamento na
responsabilidade civil, com proximidade conceitual em relação aos alimentos indenizatórios, tratados pelo
art. 948, inc. II, do mesmo CC/2002.
A
jurisprudência recente tem debatido e aplicado o conceito, podendo ser destacada ementa do Tribunal do
Distrito Federal, com o seguinte trecho: “se os documentos juntados com a
petição inicial parecem, efetivamente, indicar que as partes conviveram em
regime de união estável e que pode haver efetivo desequilíbrio na partilha do
patrimônio, isso é suficiente para dar suporte ao pedido de fixação de
alimentos que a doutrina vem chamando de 'compensatórios', que visam à correção
do desequilíbrio existente no momento da separação, quando o juiz compara o status econômico de ambos os cônjuges e
o empobrecimento de um deles em razão da dissolução da sociedade conjugal”. (TJDF,
Recurso n. 2011.00.2.003519-3, Acórdão n. 508.103, Quarta Turma Cível, Rel.
Des. Arnoldo Camanho de Assis, DJDFTE 03/06/2011, p. 148). Releve-se, ainda, recente
decisão do STJ, que admitiu a sua fixação, mas afastou a possibilidade de
prisão pela falta de seu pagamento. De acordo com o julgamento, o fundamento principal
dos alimentos compensatórios está na vedação
do enriquecimento sem causa, nos termos do art. 884 do CC/2002 (STJ, RHC
28.853/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Massami Uyeda,
Terceira Turma, julgado em 01/12/2011, DJe 12/03/2012).
Como o
devido respeito a ultima dedução, o fundamento relevante para a fixação dos alimentos compensatórios parece ser
mesmo o princípio da solidariedade, com índole constitucional, nos termos do
art. 3º, inc. I, da CF/1988. Assim, a tese é salutar, devendo ser admitida no
Direito de Família Brasileiro.
Todavia,
apesar do apreço deste autor pelo conceito, a sua adesão merece as devidas
ressalvas. Isso porque os alimentos entre os cônjuges devem ser analisados
socialmente, de acordo com a emancipação da mulher e com a sua plena inserção
no mercado de trabalho. Nesse contexto, filia-se plenamente à premissa segundo
a qual os alimentos entre os cônjuges têm caráter subsidiário e transitório, com
fixação por um tempo razoável, até que o
cônjuge volte ao mercado de trabalho (ver: STJ, REsp 1.025.769/MG, Rel. Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/08/2010, DJe 01/09/2010). Esse caráter transitório igualmente deve atingir
os alimentos compensatórios.
Além
disso, a fixação dos alimentos compensatórios não pode ser desmedida ou exagerada, de modo a gerar o ócio permanente do ex-cônjuge, ou uma
espécie de parasitismo amparado pelo
Poder Judiciário. Nesse contexto, deve ser vista com ressalvas a ideia de que
os alimentos compensatórios visam a manter o status quo de alto padrão da ex-mulher que não trabalhava quando
casada, e que continuará sem trabalhar após o fim da união. Em casos tais, o
fundamento para tais alimentos deixa de ser o princípio da solidariedade,
passando a ser o enriquecimento sem causa, não sendo o caso de se admitir tal fixação.
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