A C Ó R D Ã
O
Vistos, relatados e
discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0010043-42.2012.8.26.0562, da
Comarca de SANTOS, em que são apelantes RICARDO DE OLIVEIRA MENEZES e OUTRO e
apelado OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS DO 2º SUBDISTRITO da
referida Comarca.
ACORDAM os
Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em
dar provimento ao recurso para determinar o prosseguimento do processo de
habilitação para casamento, salvo se por outro motivo estiverem as partes
interessadas impedidas de contrair matrimônio, de conformidade com o voto do
Desembargador Relator, que fica fazendo
parte
integrante do
presente julgado.
Participaram do
julgamento os Desembargadores JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente
do Tribunal de Justiça, no impedimento ocasional do Presidente, WALTER DE
ALMEIDA GUILHERME, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO
JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO,
respectivamente, Presidentes das
Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de
Justiça.
São Paulo, 30 de
agosto de 2012.
(a) JOSÉ RENATO
NALINI, Corregedor Geral da Justiça e
Relator
VOTO
REGISTRO CIVIL DAS
PESSOAS NATURAIS – recurso interposto contra sentença que indeferiu a
habilitação para o casamento entre pessoas do mesmo sexo – orientação emanada em
caráter definitivo pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 4277), seguida pelo
Superior Tribunal de Justiça (Resp 1.183.378) - Impossibilidade de a via
administrativa alterar a tendência sacramentada na via jurisdicional - Recurso
provido.
Trata-se de
apelação interposta por Ricardo de Oliveira Mendes e Kleber Benício da Costa
contra a r sentença de fls. 15/16 que indeferiu o pedido de habilitação para
casamento.
Aduzem os apelantes
que a conversão requerida encontra amparo na ADPF nº 132 e ADIn nº 4277 e no
art. 5º, II, da Constituição Federal (a fls.
18/45).
A Procuradoria
Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 52/53).
Os autos foram
remetidos pela Corregedoria Geral da Justiça (a fls.
56/58).
É o
relatório.
Embora não haja
hierarquia entre cortes judiciárias, o Supremo Tribunal Federal tem por
atribuição a guarda precípua da Constituição da República e o Superior Tribunal
de Justiça a missão de unificar a interpretação do ordenamento em todo o
Brasil.
Ambos decidiram ser
possível o reconhecimento da proteção jurídica a conviventes do mesmo sexo. As
ementas da Adi 4277-DF, 5.5.2011, relatoria do atual Presidente do STF, Ministro
AYRES BRITO, são eloquentes:
“PROIBIÇÃO DE
DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA
HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A
PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL.
HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SOCIOPOLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR
DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À
VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA
FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO
SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA
TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA
COMO CATEGORIA SOCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE
CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO
NÃO-REDUCIONISTA. UNIÃO ESTÁVEL.
NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL
PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES
JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO
HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E
“FAMÍLIA””.
Idêntica a clareza
das ementas redigidas pelo Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, relator do REsp.
1.183.378-RS:
“DIREITO DE
FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO).
INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1514, 1521, 1523, 1535 E 1565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO
MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO
PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 132/RJ E DA ADI N.
4277/DF.”
Observe-se que
nesse julgado o Superior Tribunal de Justiça, respaldado nos princípios fincados
na Adi 4277/DF, do STF, admitiu a habilitação direta para o casamento entre
pessoas do mesmo sexo sem a necessidade do prévio reconhecimento da união
estável.
A partir da
sinalização das Cortes Superiores, inúmeras as decisões amparadas e
fundamentadas nesses julgados. Inclusive em São Paulo. Se, na via
administrativa, fosse alterada essa tendência, o Judiciário se veria invocado a
decidir, agora na esfera jurisdicional, matéria já sacramentada nos Tribunais
com jurisdição para todo o território
nacional.
Como servos da
Constituição – interpretada por aquele Colegiado que o pacto federativo
encarregou guardá-la – os juízes e órgãos do Poder Judiciário não podem se
afastar da orientação emanada em caráter definitivo pelo
STF.
É por isso que,
doravante, os dispositivos legais e Constitucionais relativos ao casamento e à
união estável não podem mais ser interpretados à revelia da nova acepção
jurídica que lhes deram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça.
Assim, a despeito
das jurídicas razões contidas na fundamentada sentença, o recurso merece
acolhimento.
Ante o exposto, dou
provimento ao recurso para determinar o prosseguimento do processo de
habilitação para casamento, salvo se por outro motivo estiverem as partes
interessadas impedidas de contrair matrimônio.
(a) JOSÉ RENATO
NALINI, Corregedor Geral da Justiça e
Relator
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