Caso “ronaldinho gaúcho x coca-cola”: inadimplemento
eficiente ou ingenuidade?
EZEQUIEL
MORAIS
Autor e coautor de várias obras
jurídicas, dentre elas
“Código de Defesa do Consumidor Comentado” (Edt. RT) e “Contratos de Crédito Bancário
e de Crédito Rural – Questões Polêmicas” (Edt. Método).
Advogado e
ex-conselheiro da OAB. Professor da FADISP-ALFA e em diversos
cursos de pós-graduação. Professor da Escola Superior de Advocacia. Coordenador
do Instituto de Especialização (IESPE). Membro de bancas examinadoras de
concursos públicos. Palestrante.
Recentemente,
o jornal Folha de São Paulo veiculou uma notícia sob o título “Coca-Cola rompe
contrato com Ronaldinho após meia aparecer com Pepsi”. O fato ganhou
repercussão nacional e internacional, merecendo aqui algumas breves e informais
considerações. Vamos lá.
Eis
a nota da Coca-Cola: "A Coca-Cola Brasil reconhece a trajetória e o valor
do jogador Ronaldinho Gaúcho. No entanto, tendo em vista a significativa
alteração das condições sob as quais foi selada a parceria, a continuidade da
relação tornou-se inviável".
Tal
nota foi feita porque Ronaldinho Gaúcho – que tinha contrato de patrocínio com
a Coca-Cola até 2014, segundo o referido jornal – rompeu o contrato ao aparecer
na entrevista de apresentação do seu novo clube em Belo Horizonte (Atlético-MG)
junto a algumas latas de Pepsi, como se estivesse a beber o refrigerante da
empresa concorrente da Coca-Cola.
Bem,
analiso o ocorrido sob a ótica do Direito – especificamente do Direito
Contratual. Antes, lembro-me do famoso “caso Zeca Pagodinho” (Cerveja Brahma x
Cerveja Nova Schin). Recordam-se da “traição”? Pois é, não é a primeira vez e
nem será a última.
Talvez,
Ronaldinho Gaúcho possa ter sido ingênuo; talvez, possa ter se esquecido da sua
obrigação junto à Coca-Cola – não havendo, pois, em ambas as hipóteses,
incidência da má-fé na relação contratual.
Ou
talvez seja possível (reafirmo: possível!) que o jogador (até mesmo pelo seu
histórico no futebol) tenha quebrado o contrato com a Coca-Cola
propositadamente, no afã de firmar – se já não o fizera – outro contrato de
maior valor com a empresa concorrente (Pepsi).
Aliás,
essa atitude – leia-se suposta intenção – do jogador (se realmente for
constatada) tem nome e suporte: “Teoria do descumprimento eficaz” ou
“Inadimplemento eficiente”; noutras palavras: “Efficient breach Theory”. Dita teoria surgiu primeiramente na
década de 1970 nos EUA e “sugeriu a
existência de uma quebra eficiente de contrato” no sentido de que o
“inadimplemento de um contrato aumenta o bem estar social se os benefícios que
a quebra contratual garante ao devedor são maiores do que as perdas geradas
para o credor”.
Logo,
levando em consideração essa provável e premeditada quebra contratual por parte
do mencionado jogador e analisando a
eficiência na resolução (leia-se resilição/rescisão) do contrato, podemos
prever a existência de custos de transação positivos.
É, sem dúvida, caso seja confirmada a última
hipótese descrita, uma “meia verdade” para Ronaldinho Gaúcho (trago à lembrança
o poema intitulado “Verdade”, de Carlos Drummond de Andrade).
Mas e quanto à outra “meia verdade”, que completará
a “verdade inteira”? Ah... essa outra “meia verdade” pertence à Coca-Cola,
que considera resolvido o contrato em razão da patente inadimplência da outra
parte e, por isso, tem o direito de pleitear indenização – mesmo na hipótese de
ingenuidade ou esquecimento do jogador, visto que este adotou um comportamento
surpresa e pode ter causado dano à imagem e dano material. Feriu-se a confiança
– e a tutela jurídica geralmente ampara o contratante que teve a sua confiança
violada. Não foram observados os deveres anexos ou acessórios de proteção, esclarecimento e
lealdade; todos eles estão implícitos nos contratos, decorrem do princípio da
boa-fé objetiva e geram expectativas de atitudes dos contratantes no sentido de
cooperação.
Portanto,
a vontade e a base negocial (negócio
jurídico + realidade) estão intimamente ligados, e a superveniente dissociação
ou modificação dessa última, quando altera por demais as circunstâncias em que
as partes fundaram a decisão de contratar, resulta em traumas que podem ferir a
eqüidade, que podem gerar a revisão contratual (em homenagem ao princípio da
conservação dos pactos) ou até mesmo a rescisão contratual. Ademais, na
hipótese, a discrepância da realidade posterior com a da anterior à firmatura
do contrato é chamada de alteração subsequente das circunstâncias.
Nesse sentido, recordemo-nos que a vedação do comportamento contraditório
(ou do comportamento surpresa) assegura a manutenção da situação de confiança
criada nos negócios jurídicos. É regra de coerência, na qual é vedado que se
aja em determinado momento de uma certa maneira e, depois, seja adotado um
comportamento contrário à conduta inicial ou ao que foi estabelecido em
contrato.
Enfim, qualquer que seja a “meia verdade” levada em
consideração ou qualquer que seja o ponto de vista adotado, surge, então, um
dos vários problemas que devemos resolver no campo contratual. A propósito, friso sempre (valendo-me
de Décio Zylbersztajn) que “na simbiose entre Direito e Economia, o maior
problema a ser resolvido refere-se aos critérios. Enquanto o Direito vale-se da
equidade, a Economia prioriza a eficiência”.
Ezequiel
Morais
Ps: Sobre o inesquecível mestre Drummond? Aí vai
o poema:
VERDADE
“A
porta da verdade estava aberta
Mas
só deixava passar
meia
pessoa de cada vez.
Assim
não era possível atingir toda a verdade,
porque
a meia pessoa que entrava
só
conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava
igualmente com meio perfil.
E
os meios perfis não coincidiam
Arrebentaram
a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram
ao lugar luminoso
onde
a verdade esplendia os seus fogos.
Era
dividida em duas metades
diferentes
uma da outra.
Chegou-se
a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma
das duas era perfeitamente bela.
E
era preciso optar. Cada um optou
conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia”.
Carlos
Drummond de Andrade
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