quarta-feira, 11 de julho de 2012

RONALDINHO GAÚCHO X COCA COLA. INTERESSANTE TEXTO DO AMIGO EZEQUIEL MORAIS.


Caso “ronaldinho gaúcho x coca-cola”: inadimplemento eficiente ou ingenuidade?
EZEQUIEL MORAIS
Autor e coautor de várias obras jurídicas, dentre elas “Código de Defesa do Consumidor Comentado” (Edt. RT) e “Contratos de Crédito Bancário e de Crédito Rural – Questões Polêmicas” (Edt. Método). Advogado e ex-conselheiro da OAB. Professor da FADISP-ALFA e em diversos cursos de pós-graduação. Professor da Escola Superior de Advocacia. Coordenador do Instituto de Especialização (IESPE). Membro de bancas examinadoras de concursos públicos. Palestrante.
Recentemente, o jornal Folha de São Paulo veiculou uma notícia sob o título “Coca-Cola rompe contrato com Ronaldinho após meia aparecer com Pepsi”. O fato ganhou repercussão nacional e internacional, merecendo aqui algumas breves e informais considerações. Vamos lá.

Eis a nota da Coca-Cola: "A Coca-Cola Brasil reconhece a trajetória e o valor do jogador Ronaldinho Gaúcho. No entanto, tendo em vista a significativa alteração das condições sob as quais foi selada a parceria, a continuidade da relação tornou-se inviável".

Tal nota foi feita porque Ronaldinho Gaúcho – que tinha contrato de patrocínio com a Coca-Cola até 2014, segundo o referido jornal – rompeu o contrato ao aparecer na entrevista de apresentação do seu novo clube em Belo Horizonte (Atlético-MG) junto a algumas latas de Pepsi, como se estivesse a beber o refrigerante da empresa concorrente da Coca-Cola.

Bem, analiso o ocorrido sob a ótica do Direito – especificamente do Direito Contratual. Antes, lembro-me do famoso “caso Zeca Pagodinho” (Cerveja Brahma x Cerveja Nova Schin). Recordam-se da “traição”? Pois é, não é a primeira vez e nem será a última.

Talvez, Ronaldinho Gaúcho possa ter sido ingênuo; talvez, possa ter se esquecido da sua obrigação junto à Coca-Cola – não havendo, pois, em ambas as hipóteses, incidência da má-fé na relação contratual.

Ou talvez seja possível (reafirmo: possível!) que o jogador (até mesmo pelo seu histórico no futebol) tenha quebrado o contrato com a Coca-Cola propositadamente, no afã de firmar – se já não o fizera – outro contrato de maior valor com a empresa concorrente (Pepsi).

Aliás, essa atitude – leia-se suposta intenção – do jogador (se realmente for constatada) tem nome e suporte: “Teoria do descumprimento eficaz” ou “Inadimplemento eficiente”; noutras palavras: “Efficient breach Theory”. Dita teoria surgiu primeiramente na década de 1970 nos EUA e “sugeriu a existência de uma quebra eficiente de contrato” no sentido de que o “inadimplemento de um contrato aumenta o bem estar social se os benefícios que a quebra contratual garante ao devedor são maiores do que as perdas geradas para o credor”.

Logo, levando em consideração essa provável e premeditada quebra contratual por parte do mencionado jogador e analisando a eficiência na resolução (leia-se resilição/rescisão) do contrato, podemos prever a existência de custos de transação positivos.

É, sem dúvida, caso seja confirmada a última hipótese descrita, uma “meia verdade” para Ronaldinho Gaúcho (trago à lembrança o poema intitulado “Verdade”, de Carlos Drummond de Andrade).

Mas e quanto à outra “meia verdade”, que completará a “verdade inteira”? Ah... essa outra “meia verdade” pertence à Coca-Cola, que considera resolvido o contrato em razão da patente inadimplência da outra parte e, por isso, tem o direito de pleitear indenização – mesmo na hipótese de ingenuidade ou esquecimento do jogador, visto que este adotou um comportamento surpresa e pode ter causado dano à imagem e dano material. Feriu-se a confiança – e a tutela jurídica geralmente ampara o contratante que teve a sua confiança violada. Não foram observados os deveres anexos ou acessórios de proteção, esclarecimento e lealdade; todos eles estão implícitos nos contratos, decorrem do princípio da boa-fé objetiva e geram expectativas de atitudes dos contratantes no sentido de cooperação.

Portanto, a vontade e a base negocial (negócio jurídico + realidade) estão intimamente ligados, e a superveniente dissociação ou modificação dessa última, quando altera por demais as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, resulta em traumas que podem ferir a eqüidade, que podem gerar a revisão contratual (em homenagem ao princípio da conservação dos pactos) ou até mesmo a rescisão contratual. Ademais, na hipótese, a discrepância da realidade posterior com a da anterior à firmatura do contrato é chamada de alteração subsequente das circunstâncias.

Nesse sentido, recordemo-nos que a vedação do comportamento contraditório (ou do comportamento surpresa) assegura a manutenção da situação de confiança criada nos negócios jurídicos. É regra de coerência, na qual é vedado que se aja em determinado momento de uma certa maneira e, depois, seja adotado um comportamento contrário à conduta inicial ou ao que foi estabelecido em contrato.

Enfim, qualquer que seja a “meia verdade” levada em consideração ou qualquer que seja o ponto de vista adotado, surge, então, um dos vários problemas que devemos resolver no campo contratual. A propósito, friso sempre (valendo-me de Décio Zylbersztajn) que “na simbiose entre Direito e Economia, o maior problema a ser resolvido refere-se aos critérios. Enquanto o Direito vale-se da equidade, a Economia prioriza a eficiência”.

Ezequiel Morais

Ps: Sobre o inesquecível mestre Drummond? Aí vai o poema:

VERDADE
“A porta da verdade estava aberta
Mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia”.
Carlos Drummond de Andrade

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