terça-feira, 5 de junho de 2012

MEIO AMBIENTE LABORAL FUTEBOLÍSTICO E RESPONSABILIDADE CIVIL. DE NEY MARANHÃO.

Meio ambiente laboral futebolístico e responsabilidade civil
Publicado em 06/2012
Abordaremos apenas alguns aspectos da temática da responsabilidade civil e suas implicações junto ao complexo mundo do atleta de futebol.

1. INTRODUÇÃO

O mundo do atleta de futebol – geralmente tratado, no senso comum, com um ar fantasioso, recheado de noções ligadas à fama e ao dinheiro – contém uma dimensão pouco refletida: sua específica facetalaborativa.
Uma vez que detentora de uma estruturação fático-jurídica extremamente peculiar, as poucas tentativas de aproximação científica praticadas em direção ao contexto laboral futebolístico acabam por ser enormemente dificultadas. Mas essa missão se torna bem mais espinhosa quando o ponto de vista do intérprete volta-se à rica teoria da reparação de danos.
Neste breve texto, ousaremos dar alguns passos nesse terreno assaz pantanoso. Para tanto, abordaremosapenas alguns aspectos da temática da responsabilidade civil e suas implicações junto ao complexo mundo do atleta de futebol.
Desde logo fica o alerta: o objetivo do escrito não se volta aoferecer respostas prontas e acabadas. O escopo de qualquer incursão científica, que busca entrecruzar teoria e prática, sempre será uma empreitada marcada, ao mesmo tempo, pela ousadia e cautela, pela ânsia de compreender e pela humildade de respeitar. Eis o espírito que norteou este breve arrazoado, do início ao fim.
Cuida-se, aqui, portanto e por ora, de um punhado de pequenas reflexões, a merecer prosseguimento investigatório, lançando luz sobre um tão específico e muitas vezes negligenciado campo da vivência juslaboral.

2. NECESSÁRIO ALICERCE TEÓRICO: MEIO AMBIENTE LABORAL FUTEBOLÍSTICO E PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA ENQUANTO ATLETA DE FUTEBOL

Permitimo-nos alinhavar, adiante, mesmo que rapidamente, algo do que forma o alicerce teórico deste estudo, a fim de conferir maior inteligibilidade às colocações que se seguem e maior cientificidade às singelas reflexões que almejamos ofertar.

2.1. Rede Protetiva Geral: Aproximando-se da Esplendorosa Axiologia Constitucional

A Constituição Federal fixou como fundamento da República a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), tendo como um de seus objetivos fundamentais a promoção do bem de todos (CF, art. 3º, IV), ficando garantido, também a todos, o direito à igualdade e à segurança (CF, art. 5º, caput), firmando-se, no plano juslaboral, um valioso fomento à ampliação de uma rede protetiva cada vez mais intensa e garantidora da dignidade humana do trabalhador (CF, art. 7º, caput), resguardando-se também a todos os trabalhadores – inclusive quando atleta de futebol – o direito de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, art. 7º, XXII).
Nosso ordenamento jurídico exige ainda que tanto a propriedade quanto o contrato atinjam sua função social[1]. Noutras palavras: o empregador–mesmo sendo entidade de prática desportiva–,seja na dimensão jurídico-patrimonial de seus bens, seja na dimensão jurídico-contratual de seus trabalhadores, precisa se realizar, como pessoa jurídica, no cotidiano, dentro das asas da “livre iniciativa”, todavia vinculado ao desiderato maior de, em última instância, sempre prestar homenagem à dignidade humana e aos demais princípios substanciais incrustrados no bojo constitucional. No fundo mesmo, a verdade é que a iniciativa empresarial nada tem de “livre”, à vista da sua necessária adstrição à função social que a Constituição se lhe impõe.
Não sem razão nossa Constituição Federal, ao elencar os fundamentos da República Federativa do Brasil, também aponta como tal “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (CF, artigo 1º, IV). Perceba-se, por oportuno, que, pela clara dicção do texto constitucional, nem o “trabalho” e nem a “livre iniciativa”, em si mesmos considerados, constituem fundamento da República Federativa do Brasil, mas, isto sim, a expressão social desses fenômenos, a sua incontornável conformação axiológica aos ditames constitucionais, ou seja, se e somente se densificados na realidade prática enquanto elementos que se harmonizem para a construção de uma sociedade cada vez mais livre, justa e solidária (CF, artigo 3º, I), com a promoção do bem de todos (CF, artigo 3º, IV).

2.2. Rede Protetiva da Pessoa Humana: Confrontando Papéis Sociais

Cogitemos de estar emum belo sábado, ocasião em que determinada pessoa dirige-se ao supermercado, assumindo, ipso facto, de modo preponderante, o papel social de consumidor. Enquanto tal, usufrui, no campo da teoria da reparação de danos, de toda uma prodigiosa rede protetiva que lhe reserva a possibilidade de buscar reparações sem qualquer necessidade de demonstrar culpa por parte do lesionante, ou seja, é de ordem objetiva. Não é só: havendo mais de um ofensor, a responsabilidade que se impõe a cada qual é compartilhada e direta, ou seja, é de matiz solidário[2].
Estamos, agora, no domingo, quando a mesma pessoa dirige-se ao estádio de futebol, assumindo, precipuamente, o papel social detorcedor[3]. Nesse cenário, na mesma esteira do que ocorre quando compra um liquidificador ou um sanduíche, passa a gozar de uma rede protetiva que garante ressarcimento que prescinde de prova do elemento culpa (objetiva) e engloba, em uma inarredável responsabilidade solidária, todos aqueles que concorreram para uma eventual lesão que venha a sofrer (Lei n° 10.671/2003, art. 39-B).
Invadimos, neste momento, a temida segunda-feira, quando o mesmo cidadão então se desloca ao seu local de trabalho – o mesmíssimo supermercado que visitou no sábado. Agora, investindo-se, preponderantemente, do papel social de trabalhador, tem para si, segundo a exegese que tradicionalmente se faz do ordenamento jurídico, uma responsabilidade civil subjetiva (CF, art. 7º, XXVIII[4]), a demandarinequívoca prova do fator culpa, resguardando, em face daqueles que se agregam para lhe causar dano, uma responsabilidade meramente subsidiária[5].
Ora, chega mesmo a ser gritante a discrepância de tratamento que o sistema jurídico confere à pessoa humana, a depender do papel social em que preponderantemente está investida.Causa espécie a falta de razoabilidade das conclusões que brotam de um tal cenário jurídico, onde a pessoa humana consumidora e torcedora é mais valorizada que a pessoa humana trabalhadora. Noutras palavras:não se pode aceitar a fixação de um modelo de sociedade em que o homem que vai ao supermercado e ao estádio de futebol goza de maior proteção social que aquele que está no trabalho.Aqui, a nosso sentir, sucede franca violação do postulado constitucional da igualdade material (CF, art. 3º, IV, e art. 5º, caput).
Registre-se, por oportuno, que quando o texto constitucional fala no bem de todos, não abarca apenas a noção comum, presa a uma ótica meramente quantitativa, alusiva à necessidade de que tal benesse abarque o maior número de pessoas. É preciso ir além, injetando na expressão “bem de todos” o máximo de eficácia existenciale socialque sua dicção permitir, de modo a legitimar a conclusão de que esse bem deve alcançar a integralidade da mesma pessoa, seja em face de toda a sua especial conformação psicossomática (corpo, alma e espírito), seja em face de todos os papéis sociais que lograr assumir em sua complexa trajetória de vida (pai, filho, trabalhador, contratante, eleitor, consumidor, torcedor etc.).

2.3. A Permanente Construção de uma Específica Rede Protetiva Destinada a Tutelar a Dignidade Humana do Trabalhador no Âmbito da Teoria da Responsabilidade Civil

Muito embora seja comum se afirmar que, no particular da responsabilidade civil patronal, há de incidir a responsabilidade subjetiva, por força do que dispõe o artigo 7º, inciso XXVIII, da Carta da República, é preciso lembrar, também, que no caput desse mesmo dispositivo está consagrada, em semelhante nível constitucional, a cláusula devedação de retrocesso quanto às condições sociais do trabalhador, quando reza serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aqueles ali relacionados, “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.
Na verdade – é bom que se diga –, o que pretendeu mesmo o legislador constituinte não foi simplesmente fixar uma cláusula de não retrocesso social, como corriqueiramente divulgado nos sítios doutrinários. In vero, foi bem mais além, na medida em que tencionou mesmo foi prescrever, em termos mais precisos, uma cláusula de crescente avanço social, como expressão de algo maior, qual seja, a cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana (CF, artigos 1º, inciso III, e 5º, § 2º)[6].
Destarte, o que se deduz é que nossas disposições constitucionais, quando consideradas com mais vagar, revelam-nos um estupendo estímulo a produções jurídicas que se prestem a dar contínua concretude ao comando de seelevar, cada vez mais, ao longo do tempo, a condição social do cidadão trabalhador, enquanto expressão de tutela da sua dignidade humana (CF, artigo 1º, III) e dos valores sociais do trabalho (CF, artigo 1º, IV, artigo 5º, caput, artigo 6º, caput, artigo 170, caput e artigo 193).
O artigo 7º, caput, in fine, da Carta da República, representa tão-somente a expressão específica de um comando muito maior, também expressamentevisualizadona CartaConstitucional. É algo como uma cláusula particular defomento ao contínuo processo de avanço das condições sociais de vida da classe obreira. E onde estaria a cláusula geral? Está situada no artigo 5º, § 2º, da Lex Legum, assim vazado: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (grifamos).Portanto, ambas incorporam notáveis cláusulas jurídicas que impelem a continuidade desse interessante fluxo normativo tendente à contínua proteção do trabalhador.
Logo, incorrem em gravíssimo equívoco aqueles que se abraçam, de olhos fechados, à gramaticalidade do texto constitucional, para afirmar que a fixação da responsabilidade subjetiva do empregador aos casos de danos causados aos trabalhadores em geral representaria uma incontornável diretriz restritiva imposta pelo legislador constituinte, de modo a frustrar qualquer intenção em se aplicar, a favor da classe obreira, uma responsabilidade civil de ordem objetiva[7].
Pois bem. Diante da influência desse vetor, que almeja densificar, no máximo de sua potencialidade, a dignidade da pessoa humana do trabalhador, podemos concluir que, por exemplo, no caso de acidentes de trabalho, a regra seria a incidência da responsabilidade civil subjetiva, todavia, caso o empregador desempenhe atividade que induza risco diferenciado a desfavor do obreiro, incidirá a responsabilidade objetiva, mercê do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil[8]medida que se impõe como mais um fator de melhoria da condição social do obreiro, exatamente como propugnou a Constituição Federal na cabeça de seu artigo 7º.
Deveras, estamos mesmo convencidos que o Código Civil de 2002, ao estatuir uma cláusula geral de responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade (artigo 927, parágrafo único), trouxe ao cenário jurídico uma disposição altamente útil para esse desiderato de aprimorar a condição social do trabalhador, já que no mundo hodierno há diversas atividades empresariais cuja execução implica natural indução do obreiro a riscos mais acentuados que aqueles suportados pelos demais membros da sociedade.
Noutras palavras: ao garantir a plena reparabilidade dos danos ocasionados aos obreiros, decorrentes do risco que sua dinâmica laborativa lhes impõe, por certo esse dispositivo cível se encaixa como uma luva no anseio constitucional de contínuo fomento à melhoria da condição social do trabalhador. Há, portanto, uma íntima conexão técnico-axiológica entre o artigo 7º, caput, da Carta da República, e o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, claramente lavrada na ambiência do paradigma contemporâneo da responsabilidade civil, que tem seguido na linha de se buscar ao máximo a plena reparação da vítima de danos injustos[9].
Há mais: em se partindo da perspectiva aqui defendida, também se descortina a possibilidade de refletir a incidência da responsabilidade civil objetiva, em prol da proteção da pessoa humana do trabalhador, quando se estiver diante de eventos danosos de cunho ambiental. 
Perceba-se, a propósito, que está inequivocamente sedimentado no âmbito do direito brasileiro que o meio ambiente laboral constitui relevante dimensão do meio ambiente em geral, fato que decorre do próprio texto da Carta Magna (CF, art. 200, VIII[10]) e que já ecoa altissonante na mais abalizada doutrina jurídica ambiental[11], bem assim na jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal[12]. Por consequência, em determinadas ocasiões todo o plexo tuitivo afeto ao Direito Ambiental também há de ser canalizado, com seu intenso vigor normativo, perante os domínios do Direito do Trabalho, o que inclui, por certo, a responsabilidade objetiva e solidária que dele naturalmente floresce[13].
No caso em tela, a própria prática do futebol, reconhecidamente um esporte que exige elevado esforço muscular e constante contato físico com o adversário, é atividade cujos riscos implicados são mesmo patentes, na medida em que facilitadora, por exemplo, de lesões e fraturas[14]. Além disso, a natural exposição ao público torcedor também é elemento potencializador de riscos, o que é algo até certo ponto natural quando se está diante de grandes aglomerados de pessoas.Não há dúvidas, portanto, que sua atuação futebolística o insere em uma especial condição de risco, bem superior àquela que rodeia o cidadão comum[15].
Como gizamos alhures, o trabalhador, segundo expresso comando constitucional, tem o direito à redução dos riscos inerentes ao seu trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, art. 7º, XXII), sendo essa uma diretriz que invariavelmente também há de beneficiar aquele específico trabalhador que desempenha suas atividades no seio futebolístico.
Logo, quando um clube de futebol propicia, voluntária ou involuntariamente, o surgimento ou a continuidade de uma prática ou de um ambiente que produz riscos acentuados à saúde física e mental do atleta de futebol, com malferimento de sua dignidade humana, a estruturação jurídica advinda desse pacto de trabalho deixa de cumprir sua incontornável finalidade social, desbordando das balizas ético-sociais que lhe foram constitucionalmente impostas, seja por ofensa direta à dignidade dessa específica modalidade de trabalhador, seja por ofensa indireta à própria sociedade, que, ali, naquele “microcosmos” fático-social, vê frustrado o intento constitucional de garantir o bem de todos.

3.RÁPIDA INCURSÃO PRÁTICA: DANOS À SAÚDE FÍSICA E MENTAL DO ATLETA DE FUTEBOL – ALGUMAS SITUAÇÕES-TIPO

Constitui tarefa impossível esgotar as hipóteses em que podem ocorrer possíveis danos à figura do atleta de futebol, enquanto pessoa humana trabalhadora. Servimo-nos, então, a partir de agora, de alguns casos mais emblemáticos e que certamente suscitam enorme desafio às reflexões do jurista preocupado com a reparação de danos na seara futebolística. Vejamos.

3.1. Assédio Moral: Jogadores, Comissão Técnica, Dirigentes, Crônica Esportiva, Patrocinadores, Ostracismo e Torcida

O assédio moral é figura reconhecidamente multidimensional. Cuida-se de fenômeno altamente complexo e que se realiza de diferentes maneiras.
Infelizmente, a figura do assédio moral é muito comum no campo futebolístico.
Não raro se ouve falar do assédio de determinados jogadores em relação ao técnico, regra geral materializado pelo insistente “corpo mole” expressado em campo, no velado objetivo de, pela sequência de resultados insatisfatórios, proporcionar a demissão do líder do escrete. Esse instrumento de afetação da dignidade humana também sói acontecer através de um único jogador, seja pela sua capacidade de agregação, seja pelo seu nome e fama. Cuida-se de genuíno assédio moral vertical ascendente.
Também é comum o assédio do técnico em relação a um ou mais jogadores, deixando-os fora da escalação da equipe titular ou mesmo do próprio banco de reservas, por motivos alheios à qualidade futebolística.Acontece ainda de serem lançados a um injustificado treinamento ou preparo físico totalmente à parte do grupo, inclusive em local diverso daquele em que costumeiramente se reúnem,em circunstâncias claramente reveladoras de imposição de umadesocupação sistemática e arbitrária, com sérios prejuízos à dignidade humana e à carreira do atleta[16].
A realidade demonstraque essa péssima ocorrência, aliada a duras e contundentes cobranças,pode também advir da Diretoria do clube empregador. Logo em seguida a alguma derrota da equipe frente a um jogo relevante,já é mesmo notória a reunião que se segue nos vestiários, “a portas fechadas” edirigidaquase sempre pelo seu Presidente, cujo conteúdo, comenta-se, seriaexageradamente ríspido, confrontador e humilhante.
O assédio pode decorrer também da própriacrônica esportiva, que, a depender do grau de penetração de mídia e influência política na Diretoria do Clube, pode certamente perseguir determinado profissional pertencente ao elenco.
O mesmo pode ocorrer no que concerne à própria torcida, notadamente as torcidas organizadas, cujo envolvimento com a Diretoria do Clube podemcertamente redundar na mesma tática de perseguição e assédio. Não raro, os próprios membros da Diretoria do Clube autorizam que integrantes de torcidas organizadas ingressem no campo de treinamento com vistas a fazer cobranças de melhores resultados, inclusive buscando fazer influência na própria escalação do time.
É possível ir mais longe. Ouve-se, aqui e acolá, acerca da enorme influência alcançada pelos próprios patrocinadoreseempresários, que, investindo alto no grupo ou mesmo que apenas em determinado atleta, lançam mão de influenciar na silhueta tática da equipe e no grupo que comporá a escalação titular, de modo a favorecer aos seus exclusivos interesses comerciais.
Cuida-se, nessas últimas situações, de genuíno assédio moral vertical descendente.
Igualmente, sucede de ocorrer problemas entre os próprios jogadores, de modo a decidirem isolar, por completo, do ambiente coletivo da equipe, um ou alguns de seus integrantes. Cuida-se, já aqui, de típico caso de assédio moral horizontal[17].

3.2. Assédio Sexual: Categorias de Base, Confinamento e Escalação

Quanto ao assédio sexual, infelizmente também é fator muito presente no meio ambiente laboral futebolístico, principalmente nas categorias de base. Há denúncias dando conta de que o ambiente de alguns alojamentos e departamentos futebolísticos seria marcado pelo abuso em face de crianças e adolescentes, debaixo de simples promessas de fornecimento de alimentação, vale-transporte ou mesmo materiais esportivos, como chuteiras, luvas e uniforme. Esse é um combate extremamente difícil, haja vista as notórias dificuldades em se controlar tal tipo de agrupamento humano, aliado ao eloquente silêncio que expressa o medo em fazer a denúncia. Trata-se, aqui, de um aspecto que mereceria especial atenção por parte do Ministério Público do Trabalho.
O mesmo assédio sexual se potencializarianos constantes lapsos de tempo reservados à concentração, quando as dimensões física e emocional, em tese,deveriam ser inteiramente resguardadas e aplicadas na busca do êxito da equipe frente a determinado jogo ou torneio[18]. Registre-se, ademais, que o assédio sexual também pode ser fator de contundente influência na própria escalação da equipe, com prejuízo aos aspectos técnico e ético do certame, com franca violação da dignidade humana do atleta de futebol.

3.3.Preparo Físico Extenuante

Tem sido cada vez mais frequente a queixa de determinados jogadores quanto a um invocado excesso de exercícios impostos pelo preparador físico do Clube, gerando um grau de extenuação muscular altamente facilitador de lesões. Tal situação se agrava na medida em que sobre os atletas recai um grau de subordinação bem mais forte que aquele existente junto aos trabalhadores em geral[19], o que favorece uma mais fácil submissão a procedimentos físicos perigosamente exaurientes.
Efetivamente, impõe-se aos empregadores futebolísticos que atentem para uma programação de exercícios físicos adequada ao perfil psicossomático de cada atleta e dentro dos parâmetros clínicos consentâneos com as peculiaridades de organismo reservadas a cada qual.

3.4.Calendário Desportivo Desumano

Por vezes, esse incremento de ocorrência de lesões musculares chega a um grau tão elevado que não soa absurdo atribuir tão preocupante circunstância à frenética sequência de jogos a que muitos jogadores são submetidos, participando simultaneamente de diversos campeonatos, em algumas oportunidades até mesmo entrando em campo três vezes por semana.
A falta de razoabilidade na elaboração das tabelas de jogos também é circunstância que deveria merecer intensa fiscalização por parte das autoridades públicas e sindicais, à vista da necessidade de se garantir que a prática futebolística não engendre danos à vida e à saúde dos atletas.

3.5.Condições Climáticas Desfavoráveis: Temperatura e Altitude Ambientais

Questão que precisa ser igualmente avaliada concerne aos horários dos jogos. Em Belém do Pará, onde o calor é intenso, é mesmo comum a prática de jogos em pleno sol de meio dia, sob uma temperatura que pode suplantar os insuportáveis 40° graus, sujeitando a saúde do atleta de futebol a um risco desnecessário – expediente não raro praticado por força de interesse patronal exclusivamente financeiro, consistente na economiade valores pela não utilização dos holofotes do estádio. O mesmo problema ocorre com a prática do futebol em um ambiente reconhecidamente gélido, como se dá em partes da Europa.
Decerto, eventuais prejuízos decorrentes de uma tal opção de momento e horário de jogo devem ser ressarcidos perante o organizador do evento, e, solidariamente, também perante o clube de futebol, como empregador que anuiu com a realização de uma partida em condições climáticas notoriamentedesfavoráveis[20].
Recorde-se, aqui, também, a interessante questão ligada à saúde e segurança do trabalhador atleta de futebol, consistente em buscar o reconhecimento de que jogos em elevadasaltitudes podem acarretar sérios prejuízos ao equilíbrio corporal e à própria vida do atleta.
Questiona-se, por conta de tudo isso e muito mais, se, para além da reparação civil por danos, no campo repressivo individual, também não seria lícito, no campo preventivo coletivo, o fomento a investidas do ente sindical ou do Ministério Público do Trabalho com vistas a coibir determinados abusos lesivos à saúde dos atletas de futebol, realizando, quem sabe, um frequente controle do programa de exercícios físicos impostos a cada jogador ou mesmo propondo um calendário desportivo anual de perfil mais humano, alcançando ainda, no aspecto internacional, quanto ao Ministério Público do Trabalho, vedação expressa de jogos em localidades onde o nível de altitude alcance níveis arriscados para a saúde humana.

3.6. Torcida Organizada: Amor e Ódio

É preciso refletir, ainda, sobre os casos em que os danos perpetrados em face do atleta são praticados, por exemplo, pela própriatorcida.
Embora, a rigor, das arquibancadas sempre se espere o necessário estímulo e incentivo para a boa prática futebolística, contribuindo para o êxito da equipe, tem sido fenômeno cada vez mais constante brotar dessa “apaixonada” torcida exatamente o contrário: ódio, rancor e ira, materializados, muitas vezes, em agressões físicas e verbais para com os atletas, imersos em pleno exercício de sua atividade laborativa. Tais fatos podem ocorrernão apenas no local do evento esportivo, podendo ser praticados, também, em suas imediações, no trajeto de ida e volta ou mesmo no local de treinamento.
Aqui, é preciso distinguir as situações, perquirindo se a lesão fora ou não praticada por torcida organizada.
Segundo a lei, considera-se torcida organizada a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade (Lei n° 10.671/2003 [Estatuto do Torcedor], art. 2°-A – incluído pela Lei nº 12.299/2010).
De acordocom o legislador, a torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos (Lei n° 10.671/2003, art. 39-A – incluído pela Lei nº 12.299/2010), respondendo civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento (Lei n° 10.671/2003, art. 39-B – incluído pela Lei nº 12.299/2010).
Tratando-se, portanto, de dano praticado por integrantes de torcidas organizadas – formalmente constituídas ou não –, sua responsabilidade se impõe independentemente de apuração de qualquer culpa, o que, certamente, inclui prejuízos praticados em face dos atletas profissionais de futebol. Mas não é só: impõe-se também reconhecer às agremiações esportivas responsabilidade objetiva por danos causados a terceiros pelas torcidas organizadas, agindo nessa qualidade, quando, de qualquer modo, as financiem ou custeiem, direta ou indiretamente, total ou parcialmente[21].
Quanto ao torcedorem geral, a preocupação com a prevenção e repressão aos fenômenos da violência por ocasião de competições desportivas exigiu do legislador o estabelecimento de um extenso rol de condições de seu acesso e permanência no recinto desportivo, incluindo, dentre outros comandos semelhantemente relevantes: não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência; não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo; não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos; não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo; não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza; bem como não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores (Lei n° 10.671/2003, art. 13-A – incluído pela Lei nº 12.299/2010).
Vale pontuar que, muito embora tais disposições, em tese, sejam voltadas, pelo menos segundo a dicção da lei, à proteção do torcedor, é seguro afirmar que, na esteira do plexo teórico já destacado anteriormente – cujo nascedouro, reafirmamos, está na própria Constituição Federal –, a ratioda legislaçãoiniludivelmente está centrada na proteção da integridade física e psíquica de todo aquele que se encontra envolto na ambiência do recinto desportivo, o que inclui, pelo menos no que respeita ao futebol, não só os torcedores, mas também os comentaristas, os radialistas, os gandulas, os árbitros e, por óbvio, os próprios jogadores. Enfim, o objetivo da lei não está em proteger o torcedor, mas sim em proteger a pessoa humana inserta no ambiente desportivo, cuja dignidade ostenta o valioso posto de fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art. 1°, III).
Logo, por exemplo, se a torcida, em geral, entoar cânticos racistas em relação a determinado jogador, mesmo que não se podendo apontar se tratar de ato praticado ou insuflado por torcida organizada ou por qualquer torcedor em específico, ainda assim não pode haver dúvidas de que faz jus o atleta vitimado, na órbita da seara cível, a buscar a respectiva indenização pelo abalo de ordem moral que possivelmente tenha sofrido (Lei n° 10.671/2003, art. 13-A, parágrafo único – incluído pela Lei nº 12.299/2010[22]),
Isso se dá porque a tendência contemporânea da responsabilidade civil – reiteramos – está centrada na cada vez mais crescente ênfase na pessoa da vítima, e sua justa reparação, em detrimento da clássica ênfase na pessoa do ofensor, e sua reprovável conduta[23]. Logo, o fato de não se poder apontar, individualmente, o praticante da ofensa, não pode servir de justificativa para deixar sem ressarcimento a vítima de dano injusto[24].
Portanto, não sendo o caso de lesão praticada por torcida organizada, mas sim por um conglomerado de pessoas ou de grupo não identificáveis, pensamos que, para não se impor dano injusto à vítima, deveria responder pela reparação, independentemente de culpa, a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, por aplicação do art. 14, parte inicial[25],e art. 19[26], ambos da Lei n° 10.671/2003. Além disso, é possível defender também a responsabilidade solidária da entidade responsável pela organização da competição, legalmente equiparada a fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, como expressamente pontuado pelo art. 3º da Lei n° 10.671/2003[27]. Cuidar-se-ia de uma proteção ancorada em uma espécie de responsabilidade pressuposta[28],com evidentepresunção de causalidade[29].
Certamente que o ajuizamento desse tipo de ação deveria ocorrer nos sítios da Justiça do Trabalho. Perceba-se, a propósito, que o artigo 114, inciso I, da Carta Magna, com a redação impressa pela EC 45/04, já não mais restringe os limites competenciais da Justiça Especializada Obreira a um debate que necessariamente deva envolver os dois principais atores da relação de emprego (“trabalhadores e empregadores”), como sempre firmara a tradição constitucional brasileira (foco nos integrantes da relação jurídica – matiz subjetivo), mas, de forma bem mais ampla, exige agora que tais ações sejam simplesmente “oriundas da relação de trabalho”, sem qualquer restrição, pois, quanto aos sujeitos envolvidos (foco na natureza da relação jurídica – matiz objetivo)[30].
Ora, o atleta que, na ambiência do recinto esportivo, sofre mordaz e inequívoca manifestação racista ou discriminatória, provinda da torcida presente ao estádio, faz jus a uma reparação por dano moral[31], haja vista o contido no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, e artigos 186 e 927, ambos do Código Civil, sendo certo que, na medida em que praticada no contexto de sua função laborativa, a respectiva ação indenizatória há de ser processada e julgada perante a Justiça Federal Especializada do Trabalho, mercê do quanto dispõe o art. 114, I, da Constituição Federal[32].
Logo, por conta de todo o exposto, impor-se-ia reconhecer a favor do ser humano atleta de futebol uma proteção pelo menos similar àquela reservada ao ser humano torcedor, que, segundo a lei, tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas (Lei n° 10.671/2003, art. 13), logrando usufruir máxima reparabilidade de seus danos,na medida em que, equiparado a consumidor, tal reparação está lastreada em uma invejável responsabilidade de cunho objetivo(Lei n° 9.615/1998, art. 42, § 3°[33]) e de matiz solidário (Lei n° 10.671/2003, art. 19[34]), no que tange aos responsáveis pelo pagamento da indenização.
E, em assim sendo, uma tal ilação afinada estaria, sem qualquer sombra de dúvida, com aquele intenso fluxo protetivo, já acentuado, que tenciona alavancar, continuamente, a condição social do cidadão trabalhador, enquanto expressão de tutela da sua dignidade humana (CF, art. 1º, III, art. 5º, § 2º, e art. 7º, caput).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: POR UMA NECESSÁRIA “LABORIZAÇÃO” E “HUMANIZAÇÃO” DO MUNDO FUTEBOLÍSTICO

Propugnamos, aqui, um ponto de vista que confira ênfase à dimensão constitucional do tema relativo à responsabilidade civil e o mundo do futebol, destacando a incongruência infraconstitucional que acarreta melhor condição social ao homem-consumidor e ao homem-torcedor, em detrimento do homem-trabalhador.
Essa inaceitável situação certamente viola o postulado da igualdade material e despreza a cláusula de crescente avanço socialda classe trabalhadora, ambos sedimentados na Carta Magna (CF, art. 3º, IV, art. 5º, caput e § 2º, e art. 7º, caput).
É preciso ter em conta, ainda, que a reflexão e o enfrentamento das diversas nuances aqui levantadas demandarão um sadio estreitamento das relações institucionais travadas entre o Judiciário Trabalhista e a Procuradoria do Trabalho, em prol da realização da justiça social, a configurar aquilo que recentíssima doutrina chama de “parceirização trabalhista”[35].
Propiciará, também, um poderoso incremento dessa inevitável transdisciplinariedade que tem sido uma marca da atual quadra da ciência jurídica, a exigir do operador do Direito um domínio cada vez amplo de conceitos e informações alheios ao específico rincão jurídico, hauridos, muitas vezes, de setores do conhecimento umbilicalmente ligados, por exemplo, à Sociologia, à Pscicologia e à própria Medicina.
No mais, cumpre afastar a conotação insistentemente lúdica emprestada ao atleta de futebol, passando a enxergá-lo também no papel social de trabalhador – apenas envolvido em uma dinâmica laborativa toda especial. Cumpre, pois, “laborizar” a atividade futebolística.
Além disso, também é necessário conferir condições mais humanas àqueles que trabalham nessa específica dimensão trabalhista, de forma a demandar tratamento mais consentâneo com o postulado da dignidade humana (CF, art. 1º, III).
Enfim, é preciso aproximar o homo ludens do homo faber.
Tudo sempre em vista da máxima efetividade da axiologia constitucional.

Notas

[1] Constituição Federal/1988, artigo 5º, XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”; Código Civil/2002, artigo 421: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
[2]Podemos citar, como exemplo dessa assertiva, os seguintes artigos: CDC, artigo 7º, parágrafo único: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”; CDC, artigo 12: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”; CDC, artigo 14: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”; CDC, artigo 25, caput: “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”; CDC, artigo 25, § 1º: “Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores”; CDC, artigo 25, § 2º: “Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação”.
[3] Falamos “precipuamente” porque não desconhecemos que o torcedor, no perfil aqui destacado, também não deixa de ser uma espécie de consumidor.
[4] Constituição Federal, art. 7º, XXVIII: “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorre em dolo ou culpa”.
[5] TST, Súmula 331, item IV: “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.
[6] “(...) a realização plena da dignidade humana, como quer o projeto constitucional em vigor, não se conforma com a setorização da tutela jurídica ou com a tipificação de situações previamente estipuladas, nas quais pudesse incidir o ordenamento. Não parece suficiente o mecanismo simplesmente repressivo, próprio do direito penal, de incidência normativa limitada aos momentos patológicos das relações jurídicas, no momento em que ocorre a violação do direito, sob a moldura de situações-tipo. A tutela da pessoa humana, além de superar a perspectiva setorial (direito público e direito privado), não se satisfaz com as técnicas ressarcitória e repressiva (binômio lesão-sanção), exigindo, ao reverso, instrumentos de proteção do homem, considerado em qualquer situação jurídica de que participe, contratual ou extracontratual, de direito público ou de direito privado. Assim é que, no caso brasileiro, em respeito ao texto constitucional, parece lícito considerar a personalidade não como um novo reduto de poder do indivíduo, no âmbito do qual seria exercido a sua titularidade, mas como valor máximo do ordenamento, modelador da autonomia privada, capaz de submeter toda a atividade econômica a novos critérios de validade. Nesta direção, não se trataria de enunciar um único direito subjetivo ou classificar múltiplos direitos da personalidade, senão, mais tecnicamente, de salvaguardar a pessoa humana em qualquer momento da atividade econômica, quer mediante os específicos direitos subjetivos (previstos pela Constituição e pelo legislador especial – saúde, imagem, nome etc), quer como inibidor de tutela jurídica de qualquer ato jurídico patrimonial ou extrapatrimonial que não atenda à realização da personalidade. (...) Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª Edição, Rio de Janeiro : Renovar, 2004, p. 47-50).Essa extraordinária formulação teórica já está devidamente sedimentada na doutrina pátria. É o que se vê do Enunciado 74 da IV Jornada de Direito Civil (2006), assim gravado: “Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”.
[7] “A Constituição da República estabelece um patamar mínimo de direitos do trabalhador, não impedindo que norma infraconstitucional introduza regras mais benéficas, conforme se depreende do seu art. 5º, § 2º e do art. 7º, caput. Assim, por óbvio, o art. 7º da CRFB, que constitui rol de direitos mínimos do trabalhador (conforme caput do mesmo artigo), não pode, em boa hermenêutica, ser interpretado como um limitador dos direitos deste, nem tampouco um rol de garantias do empregador, parte mais forte da relação” (PRITSCH, Cesar Zucatti. Responsabilidade Civil Decorrente de Acidente de Trabalho ou Doença Ocupacional. Revista LTr. nº 76, março/2012, p. 311-312).
[8]CC, art. 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
[9] Sobre a importância jurídica e o raio de ação normativa do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, confira-se: MARANHÃO, Ney Stany Morais. Responsabilidade Civil Objetiva pelo Risco da Atividade: Uma Perspectiva Civil-Constitucional. São Paulo : GEN/Método, 2010.
[10] CF, art. 200: “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...) VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho” (grifamos).
[11] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2012, p. 77.
[12] “A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral” (ADI 3.540-MC, Relator: Ministro Celso de Mello, Plenário, julgamento em 01-09-2005, DJ de 03-02-2006) (grifamos).
[13]Fazendo esse fenomenal link entre Direito Ambiental e Direito do Trabalho, com penetrações na teoria da responsabilidade civil, confira-se, por todos: FELICIANO, Guilherme Guimarães. Saúde e Segurança no Trabalho: o Meio Ambiente do Trabalho e a Responsabilidade Civil Patronal. In: THOMÉ, CandyFlorencio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia (organizadores). Direito Individual do Trabalho: Curso de Revisão e Atualização. Rio de Janeiro :Elsevier, 2011, p. 287-306; SCHINESTSCK, Clarissa Ribeiro. A Tutela da Saúde do Trabalhador e os Novos Rumos Traçados pelo Direito Ambiental do Trabalho. In: THOMÉ, CandyFlorencio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia (organizadores). Direito Individual do Trabalho: Curso de Revisão e Atualização. Rio de Janeiro :Elsevier, 2011, p. 307-320.
[14] Esse risco naturalmente implicado, por sinal, é até expressamente reconhecido pelo próprio legislador, quando passou a exigir, da entidade de prática desportiva empregadora, a contratação, para os atletas profissionais, de seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos (Lei nº 9.615/1998, art. 45, caput, com redação dada pela Lei nº 12.395/2011). Cláusula semelhante também é verificada no direito italiano (Legge 23 marzo 1981, nº 91, articolo 8 – “assicurazionecontro i rischi”). Em sentido contrário, negando esse caráter imanente do risco em relação a atividades esportivas, afirma Hélder Gonçalves Dias Rodrigues que “a maioria das atividades humanas, senão todas, oferecem riscos. (...) Hodiernamente, apresenta maior risco do que as atividades desportivas o simples ‘circular’ pelos grandes centros (em razão da violência, do trânsito etc.). (...) Os riscos na atividade desportiva são aparentes, se presentes a técnica, responsabilidade e equipamentos adequados” (RODRIGUES, Hélder Gonçalves Dias. A Responsabilidade Civil e Criminal nas Atividades Desportivas. Campinas, SP : Servanda Editora, 2004, p. 189).
[15]Tencionando ofertar subsídios para a escorreita interpretação do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, a doutrina lavrou o Enunciado n. 38 da I Jornada de Direito Civil (2002), texto fruto do debate travado entre diversos estudiosos e que se encontra assim redigido: “A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade”.
[16] Como leciona com inteira propriedade Alice Monteiro de Barros, “à semelhança do que ocorre com os artistas, a inatividade poderá ocasionar-lhes prejuízos irreparáveis em seu futuro profissional, porquanto sua promoção está em sua função direta de seu efetivo emprego; a inatividade forçada aqui é muito mais grave do que em outras profissões, considerando que a carreira profissional do desportista é muito curta. Logo, viola a obrigação contratual de propiciar trabalho ao atleta a conduta do dirigente do clube ou do técnico que implique exclusão sistemática do desportista das competições, sem qualquer fundamento desportivo, senão visível intenção de condená-lo ao ostracismo com todas as suas consequências. A desocupação arbitrária, vexatória e discriminatória autoriza a rescisão indireta do contrato, sem prejuízo do dano material e/ou moral daí advindos” (BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho. 5ª Edição. São Paulo : LTr, 2012, p. 125). A autora faz alusão a um interessante caso submetido ao Judiciário argentino, onde o famoso jogador Caniggia buscou, com êxito, o reconhecimento de rescisão indireta frente ao Club Atlético Boca Juniors, alcançando ainda o direito a indenização por danos morais pelo fato do clube mantê-lo injustificadamente inativo, com notório prejuízo à sua imagem. Anote-se que o jogador Adriano, apelidado de "Imperador", recentemente afirmou pretender acionar o Sport Clube Corinthians Paulista por possível prática de ostracismo. Fonte: Programa "Fantástico", Rede Globo, em entrevista exclusiva exibida em 22 de abril de 2012.
[17] Para um estudo mais aprofundado a respeito do assédio e de suas terríveis consequências na saúde mental do trabalhador, confira-se: MARANHÃO, Ney Stany Morais. Dignidade Humana e Assédio Moral: A Delicada Questão da Saúde Mental do Trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. V. 44, nº 87, jul./dez./2011, p. 93-103.
[18] Segundo o art. 28 da Lei nº 9.615/1998, com redação dada pela Lei nº 12.395/2011, a concentração, dentre outras medidas previstas na lei, não pode ser superior a 3 (três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede.
[19] BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho. 5ª Edição. São Paulo : LTr, 2012, p. 96.
[20] A respeito, veja-se a seguinte decisão, publicada no portal do STJ em 08-05-2009: “STJ rejeita proibição de futebol profissional das 11h às 17h. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o mandado de injunção impetrado pela Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenape) para proibir a realização, em todo o território nacional, de partidas de futebol no período das 11h às 17h, durante os meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro. No mandado, a entidade sustentou que o Ministério do Trabalho e do Emprego, responsável pela regulamentação de todas as atividades e setores de trabalho, recusa-se a estabelecer regras especificas de proteção à saúde dos atletas profissionais de futebol, que continuam obrigados a jogar nesses horários críticos. Para a Fenape, a exposição ao calor intenso, principalmente no período do horário de verão, coloca em risco a saúde e a vida dos atletas. Previsto no artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal, o mandado de injunção é concedido sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania. Segundo a relatora, ministra Laurita Vaz, a Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) impõe às entidades responsáveis pela administração do esporte profissional a observância de cuidados médicos e clínicos, bem como o oferecimento de condições necessárias à participação dos atletas nas competições. Além disso, o anexo 3 da Norma Reguladora n. 15 do Ministério do Trabalho e do Emprego já disciplina os limites de tolerância para exposição ao calor dos trabalhadores em geral. Para a ministra, não existe ausência de norma, mas um mero descontentamento da Federação com as que existem. Assim, por unanimidade, a Corte julgou o mandado de injunção extinto, sem resolução do mérito”. Fonte: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=91899&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=MI%20206> Acesso em: 19-04-2012. Pensamos que o tema, todavia, merece reflexão mais aprofundada.
[21] Exatamente esse é o conteúdo do Enunciado 447 da V Jornada de Direito Civil (8 a 10 de novembro de 2011).
[22]Lei n° 10.671/2003, art. 13-A, parágrafo único: “O não cumprimento das condições estabelecidas neste artigo implicará a impossibilidade de ingresso do torcedor ao recinto esportivo, ou, se for o caso, o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais eventualmente cabíveis”.
[23] “(...) os tradicionais filtros da reparação (culpa, nexo causal e dano) não apresentam mais, na prática jurisprudencial, o mesmo poder de contenção de outrora. Embora não tenha operado uma alteração expressa na dogmática da responsabilidade civil, o desenvolvimento do solidarismo jurídico implicou em uma mudança da postura do Poder Judiciário, que passou a flexibilizar os pressupostos técnicos do instituto de modo a proteger de modo mais intenso a vítima no âmbito das ação de indenização” (SCHREIBER, Anderson. O Futuro da Responsabilidade Civil: um Ensaio sobre as Tendências da Responsabilidade Civil Contemporânea. In: Responsabilidade Civil Contemporânea: em Homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston; ROCHA, Maria Vital da (coordenadores). São Paulo : Atlas, 2011, p. 719).
[24]Por dano injusto há de se entender como aquele assim qualificado “tanto por haver sido injustamente causado como pelo fato de ser injusto que o suporte quem o sofreu” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 354).
[25]Lei n° 10.671/2003, art. 14, ab initio: “Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes (...)”.
[26]Lei n° 10.671/2003, art. 19:“As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo”.
[27]Lei n° 10.671/2003, art. 3º: “Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo”. Segundo Hélder Gonçalves Dias Rodrigues, “no que refere aos eventos desportivos propriamente ditos, se os participantes do evento tiveram ou não que pagar pela inscrição e possibilidade de participar do certame desportivo, certamente, em ocorrendo um dano, a responsabilidade da entidade promovente, no caso a administradora do desporto, será analisada com vistas às regras de prática da modalidade desportiva e, supletivamente, às gerais do Código Civil e (as especiais) do Código de Defesa do Consumidor, dependendo da origem do dano. Concluída pela responsabilidade da entidade desportiva promotora do evento, a mesma responderá até o limite constatado do dano material, moral e estético, sofridos pelas vítimas do evento danoso” (RODRIGUES, Hélder Gonçalves Dias. A Responsabilidade Civil e Criminal nas Atividades Desportivas. Campinas, SP : Servanda Editora, 2004, p. 234).
[28] A respeito, confira-se a seminal obra: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005.
[29] “(...) a análise dos artigos 3º, 14 e 19 do Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) leva à conclusão de que o legislador preocupou-se na manutenção da incolumidade da vítima e de seu pleno ressarcimento, quando estabelece a responsabilidade dos clubes de futebol pelos danos ocasionados aos torcedores dentro do estádio, sendo esta responsabilidade definida de acordo com o mando de campo. Neste sentido, se há um dano ocasionado a um torcedor dentro do estádio de futebol, a entidade desportiva que detiver o mando de campo (estabelecido por meio da entidade organizadora do evento desportivo antes do início do campeonato) deverá indenizá-lo pelos danos, independentemente de existir aí uma causalidade direta entre a promoção do evento esportivo e o dano gerado. Busca-se a indenização dos danos por aquele que detém a maior e melhor capacidade de indenizar, portanto. Se for possível a identificação da causa do dano, no sentido de individualizar o agente (ou agentes) que com sua conduta o gerou, poderá o organizador exercitar o direito de regresso contra ele. “Ao invés de a vítima ter que provar que determinada pessoa, através de sua conduta, causou o dano que a afligiu, poderá contar com a presunção de causalidade, sendo suficiente que prove que sofreu um dano e que o dano foi consequência de determinada atividade realizada por um determinado grupo. (...) As relações internas dos membros do grupo serão resolvidas a posteriori (através do direito de regresso), mas o objetivo primordial da responsabilidade civil, qual seja, a compensação dos danos sofridos, deve ser efetivado prioritariamente” (MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade Civil por Presunção de Causalidade. Rio de Janeiro : GZ Editora, 2009, p. 223-225). Registre-se que recentemente o Supremo Tribunal Federal reafirmou a plena constitucionalidade de inúmeros dispositivos constantes do Estatuto do Torcedor, incluindo os preceitos que versam sobre responsabilidade civil (STF, ADI nº 2.937, julgamento em 23-02-2012).
[30]Marcos Fava destaca, com razão, que “o delineamento da competência material da Justiça do Trabalho decorre não mais da identificação dos sujeitos da relação, mas da própria estrutura contratual gênese: as que revelem relações de trabalho. Não se cuida, portanto, mais dos litígios entre empregados e empregadores – ou contratantes e contratados –, mas o assunto envolve todas as ações oriundas da relação de trabalho, mesmo que não haja, nos polos da composição processual, empregador e empregador – ou contratante e trabalhador” (FAVA, Marcos Neves. Competência da Justiça do Trabalho: para exorcizar o binômio fantasma empregado-empregador. In: LORENZETTI, Ari Pedro; SALES, Cleber Martins; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de (coordenadores). Direito e Processo do Trabalho na Atualidade. São Paulo : LTr, 2012, p. 296). Convalidando essa mesma linha de raciocínio, destacamos os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL ORIUNDO DE ASSÉDIO SEXUAL EM AMBIENTE DE TRABALHO. PRESTADORA DE SERVIÇOS QUE É DEMITIDA E RECONTRATADA POR DETERMINAÇÃO DO TOMADOR DE SERVIÇOS. RELAÇÃO DE TRABALHO CONFIGURADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. - Compete à Justiça Trabalhista processar e julgar ações de indenização por danos morais decorrentes de assédio sexual praticado em ambiente de trabalho, onde as partes envolvidas estão em níveis hierárquicos diferentes, mesmo que se trate de vítima que trabalhe por meio de empresa terceirizadora de serviços e que a ação seja ajuizada contra a pessoa do superior hierárquico. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da 1a Vara do Trabalho de Jundiaí, Estado de São Paulo” (STJ, Conflito de Competência n° 78.145⁄SP, Relatora: Ministra Nancy Andrigui, 2ª Seção, DJ 03-09-2007); “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO E JUSTIÇA FEDERAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INJÚRIA QUALIFICADA POR PRECONCEITO RACIAL SOFRIDA POR PRESTADOR (TERCEIRIZADO) DE SERVIÇOS DA CAIXA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.1.- A expressão “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”, inscrita no art. 114, VI, da Constituição Federal, não restringe a competência da Justiça do Trabalho às ações ajuizadas pelo empregado contra o empregador, e vice-versa. Se o acidente ocorreu no âmbito de uma relação de trabalho, só a Justiça do Trabalho pode decidir se o tomador dos serviços responde pelos danos sofridos pelo prestador terceirizado." (AgRg no CC 82.432⁄BA, Rel. Min. ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, DJ 8.11.07). 2.- No caso dos autos, embora a pretendida indenização por danos morais não decorra de ato ilícito praticado por empregado da Caixa Econômica Federal (empresa tomadora dos serviços), mas, por cliente da aludida instituição bancária, releva que no momento em que sofreu a ofensa, encontrava-se a autora prestando serviços nas dependências de uma de suas agências como trabalhadora terceirizada, tendo a petição inicial ainda, narrado circunstâncias típicas de relação laborativa atribuídas à Caixa, contra quem também foi movido o processo. 3.- Desse modo, a atração da competência da Justiça trabalhista se justifica, pois, a despeito da existência de duas relações subjacentes com naturezas jurídicas distintas: a primeira com a suposta ofensora (cliente da instituição financeira); e a segunda estabelecida diretamente com a CEF, enquanto tomadora dos serviços, vislumbra-se conexão imediata alegação de causalidade do dano sofrido com a prestação do serviço à aludida instituição financeira, havendo necessidade de que, a partir da análise da pretensão, tal como deduzida, se possa decidir, inclusive, sobre a permanência ou não da CEF no pólo passivo da demanda, avaliação que, pelas particularidades do caso, será melhor exercida pela Justiça do Trabalho e por ocasião de prolação de sentença quando se examinam todas as circunstâncias fático-probatórias do caso. 4.- Conflito de Competência conhecido, declarando-se a competência do Juízo da 2ª Vara do Trabalho de São Carlos⁄SP” (STJ, Conflito de Competência n° 97.458/SP, Relator: Ministro Sidnei Beneti, 2ª Seção, DJ 29-06-2011).
[31] “A consagração da dignidade humana como valor fundamental nas constituições do último século, associada à aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas, veio exigir com força irresistível a ressarcibilidade, até então discutida, do dano extrapatrimonial” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 87).
[32] Consigne-se que a disposição contida no art. 217, § 1º, da Constituição Federal, ao aduzir que “o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”, em nada pode servir de obstáculo ao exercício do direto fundamentalde ação por parte do atleta de futebol. Ora, tratando-se de cláusula que excepciona o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), decerto que sobre tal preceito há de recair interpretação necessariamente restritiva. Assim, há de se compreender que o curso forçado perante as instâncias da justiça desportiva somente pode concernir a matérias estrita e exclusivamente desportivas, ainda assim – limitou a Magna Carta – somente quando ligadas a aspectos relativos à disciplina e à própria competição em si. Desse modo, discussões de ordem trabalhista ou atinentes à saúde e segurança no trabalho poderão ser diretamente dirigidas ao Poder Judiciário, sem qualquer necessidade de prévio crivo perante a justiça desportiva. A respeito, confira-se o seguinte julgado: “Causas esportivas. Da competência da Justiça do Trabalho. Os Tribunais Esportivos são entidades com competência para resolver questões de ordem estritamente esportiva. A matéria em questão envolve direitos de natureza trabalhista, sendo, portanto, esta Justiça Especializada competente para dirimi-los. Incabível a alegação de violação do art. 217 da CF, por não abranger a hipótese prevista nos autos. Recurso de Revista não conhecido” (TST, RR-493704/1998, 2ª Turma, Relator: Ministro José Alberto Rossi, DJ 18-06-1999).
[33]Lei n° 9.615/1998, art. 42, § 3°:“O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990”.
[34]Lei n° 10.671/2003, art. 19:“As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo”.
[35] “A parceirização jurisdicional trabalhista tem como escopo promover mudanças no relacionamento entre os magistrados do Poder Judiciário Trabalhista e os membros do Ministério Público do Trabalho, de molde a torná-los uma espécie de parceiros na busca da realização da justiça social, nos processos e ações judiciais moleculares, em que estes agentes políticos atuam em conjunto, em suas respectivas circunscrições/jurisdições, os primeiros, especialmente, nas Varas do Trabalho, e os segundos, nas Procuradorias do Trabalho nos Municípios ou ainda nas Procuradorias Regionais nas sedes das capitais brasileiras” (SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O Microssistema de Tutela Coletiva: Parceirização Trabalhista. São Paulo : LTr, 2012, p. 263). 

Autor

·         Ney Stany Morais Maranhão

Juiz do Trabalho no TRT da 8ª Região (PA/AP). Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Università di Roma – La Sapienza (Itália). Ex-Professor do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA) (2011). Professor convidado da Universidade da Amazônia, em nível de pós-graduação. Professor convidado da Escola Judicial do TRT da 8ª Região.

Informações sobre o texto

Este texto representa a versão escrita de intervenção oral realizada pelo autor junto ao II Encontro Goiano de Direito Desportivo. O evento aconteceu na cidade de Goiânia (GO), entre os dias 9 e 10 de maio de 2012, sob a coordenação do nobre Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, do Tribunal Superior do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):

MARANHÃO, Ney Stany Morais. Meio ambiente laboral futebolístico e responsabilidade civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 17n. 32604 jun. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21913>. Acesso em: 4 jun. 2012. 

Nenhum comentário: