Meio ambiente laboral futebolístico e responsabilidade
civil
Publicado
em 06/2012
1. INTRODUÇÃO
O mundo do atleta
de futebol – geralmente tratado, no senso comum, com um ar fantasioso, recheado
de noções ligadas à fama e ao dinheiro – contém uma dimensão pouco refletida:
sua específica facetalaborativa.
Uma vez que
detentora de uma estruturação fático-jurídica extremamente peculiar, as poucas
tentativas de aproximação científica praticadas em direção ao contexto laboral
futebolístico acabam por ser enormemente dificultadas. Mas essa missão se torna
bem mais espinhosa quando o ponto de vista do intérprete volta-se à rica teoria
da reparação de danos.
Neste breve texto,
ousaremos dar alguns passos nesse terreno assaz pantanoso. Para tanto,
abordaremosapenas alguns aspectos da temática da responsabilidade civil e suas
implicações junto ao complexo mundo do atleta de futebol.
Desde logo fica o
alerta: o objetivo do escrito não se volta aoferecer respostas prontas e
acabadas. O escopo de qualquer incursão científica, que busca entrecruzar teoria
e prática, sempre será uma empreitada marcada, ao mesmo tempo, pela ousadia e
cautela, pela ânsia de compreender e pela humildade de respeitar. Eis o espírito
que norteou este breve arrazoado, do início ao fim.
Cuida-se, aqui,
portanto e por ora, de um punhado de pequenas reflexões, a merecer
prosseguimento investigatório, lançando luz sobre um tão específico e muitas
vezes negligenciado campo da vivência juslaboral.
2. NECESSÁRIO ALICERCE TEÓRICO: MEIO AMBIENTE LABORAL FUTEBOLÍSTICO E PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA ENQUANTO ATLETA DE FUTEBOL
Permitimo-nos
alinhavar, adiante, mesmo que rapidamente, algo do que forma o alicerce teórico
deste estudo, a fim de conferir maior inteligibilidade às colocações que se
seguem e maior cientificidade às singelas reflexões que almejamos
ofertar.
2.1. Rede Protetiva Geral: Aproximando-se da Esplendorosa Axiologia Constitucional
A Constituição
Federal fixou como fundamento da República a dignidade da pessoa humana (CF,
art. 1º, III), tendo como um de seus objetivos fundamentais a promoção do bem de
todos (CF, art. 3º, IV), ficando garantido, também a todos, o direito à
igualdade e à segurança (CF, art. 5º, caput), firmando-se, no plano juslaboral,
um valioso fomento à ampliação de uma rede protetiva cada vez mais intensa e
garantidora da dignidade humana do trabalhador (CF, art. 7º, caput),
resguardando-se também a todos os trabalhadores – inclusive quando atleta de
futebol – o direito de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança (CF, art. 7º, XXII).
Nosso ordenamento
jurídico exige ainda que tanto a propriedade quanto o contrato atinjam sua
função social[1]. Noutras palavras:
o empregador–mesmo sendo entidade de prática desportiva–,seja na dimensão
jurídico-patrimonial de seus bens, seja na dimensão jurídico-contratual de seus
trabalhadores, precisa se realizar, como pessoa jurídica, no cotidiano, dentro
das asas da “livre iniciativa”, todavia vinculado ao desiderato maior de, em
última instância, sempre prestar homenagem à dignidade humana e aos demais
princípios substanciais incrustrados no bojo constitucional. No fundo mesmo, a
verdade é que a iniciativa empresarial nada tem de “livre”, à vista da sua
necessária adstrição à função social que a Constituição se lhe
impõe.
Não sem razão nossa
Constituição Federal, ao elencar os fundamentos da República Federativa do
Brasil, também aponta como tal “os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa” (CF, artigo 1º, IV). Perceba-se, por oportuno, que, pela clara
dicção do texto constitucional, nem o “trabalho” e nem a “livre iniciativa”, em
si mesmos considerados, constituem fundamento da República Federativa do Brasil,
mas, isto sim, a expressão social desses fenômenos, a sua incontornável
conformação axiológica aos ditames constitucionais, ou seja, se e somente se densificados na
realidade prática enquanto elementos que se harmonizem para a construção de uma
sociedade cada vez mais livre, justa e solidária (CF, artigo 3º, I), com a
promoção do bem de todos (CF, artigo 3º,
IV).
2.2. Rede Protetiva da Pessoa Humana: Confrontando Papéis Sociais
Cogitemos de estar
emum belo sábado, ocasião em que determinada pessoa dirige-se ao supermercado,
assumindo, ipso facto, de modo preponderante, o papel social de consumidor. Enquanto
tal, usufrui, no campo da teoria da reparação de danos, de toda uma prodigiosa
rede protetiva que lhe reserva a possibilidade de buscar reparações sem qualquer
necessidade de demonstrar culpa por parte do lesionante, ou seja, é de ordem
objetiva. Não é só: havendo mais de um ofensor, a responsabilidade que se impõe
a cada qual é compartilhada e direta, ou seja, é de matiz
solidário[2].
Estamos, agora, no
domingo, quando a mesma pessoa dirige-se ao estádio de futebol, assumindo,
precipuamente, o papel social detorcedor[3]. Nesse
cenário, na mesma esteira do que ocorre quando compra um liquidificador ou um
sanduíche, passa a gozar de uma rede protetiva que garante ressarcimento que
prescinde de prova do elemento culpa (objetiva) e engloba, em uma inarredável
responsabilidade solidária, todos aqueles que concorreram para uma eventual
lesão que venha a sofrer (Lei n° 10.671/2003, art. 39-B).
Invadimos, neste
momento, a temida segunda-feira, quando o mesmo cidadão então se desloca ao seu
local de trabalho – o mesmíssimo supermercado que visitou no sábado. Agora,
investindo-se, preponderantemente, do papel social de trabalhador, tem para
si, segundo a exegese que tradicionalmente se faz do ordenamento jurídico, uma
responsabilidade civil subjetiva (CF, art. 7º, XXVIII[4]), a
demandarinequívoca prova do fator culpa, resguardando, em face daqueles que se
agregam para lhe causar dano, uma responsabilidade meramente
subsidiária[5].
Ora, chega mesmo a
ser gritante a discrepância de tratamento que o sistema jurídico confere à
pessoa humana, a
depender do papel social em que preponderantemente está
investida.Causa espécie a falta de razoabilidade das conclusões
que brotam de um tal cenário jurídico, onde a pessoa humana consumidora e
torcedora é mais valorizada que a pessoa humana trabalhadora. Noutras
palavras:não se pode
aceitar a fixação de um modelo de sociedade em que o homem que vai ao
supermercado e ao estádio de futebol goza de maior proteção social que aquele
que está no trabalho.Aqui, a nosso sentir, sucede franca
violação do postulado constitucional da igualdade
material (CF, art. 3º, IV, e art. 5º,
caput).
Registre-se, por
oportuno, que quando o texto constitucional fala no bem de todos, não abarca
apenas a noção comum, presa a uma ótica meramente quantitativa, alusiva à
necessidade de que tal benesse abarque o maior número de pessoas. É preciso ir
além, injetando na expressão “bem de todos” o máximo de eficácia existenciale
socialque sua dicção permitir, de modo a legitimar a conclusão de
que esse bem deve
alcançar a integralidade da mesma pessoa, seja em face de toda a sua especial
conformação psicossomática (corpo, alma e espírito), seja em face de todos os
papéis sociais que lograr assumir em sua complexa trajetória de vida (pai,
filho, trabalhador, contratante, eleitor, consumidor, torcedor
etc.).
2.3. A Permanente Construção de uma Específica Rede Protetiva Destinada a Tutelar a Dignidade Humana do Trabalhador no Âmbito da Teoria da Responsabilidade Civil
Muito embora seja
comum se afirmar que, no particular da responsabilidade civil patronal, há de
incidir a responsabilidade subjetiva, por força do que dispõe o artigo 7º,
inciso XXVIII, da Carta da República, é preciso lembrar, também, que no caput
desse mesmo dispositivo está consagrada, em semelhante nível constitucional,
a cláusula devedação de
retrocesso quanto às condições sociais do trabalhador, quando
reza serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aqueles ali relacionados,
“além de outros que visem à melhoria de sua condição
social”.
Na verdade – é bom
que se diga –, o que pretendeu mesmo o legislador constituinte não foi
simplesmente fixar uma cláusula de não retrocesso social, como corriqueiramente
divulgado nos sítios doutrinários. In vero, foi bem mais além, na medida em que
tencionou mesmo foi prescrever, em termos mais precisos, uma cláusula de crescente avanço
social, como expressão de algo maior, qual seja, a cláusula geral de tutela e promoção da
pessoa humana (CF, artigos 1º, inciso III, e 5º, §
2º)[6].
Destarte, o que se
deduz é que nossas disposições constitucionais, quando consideradas com mais
vagar, revelam-nos um estupendo estímulo a produções jurídicas que se prestem
a dar contínua
concretude ao comando de seelevar, cada vez mais, ao longo do tempo, a condição
social do cidadão trabalhador, enquanto expressão de tutela da sua dignidade
humana (CF, artigo 1º, III) e dos valores sociais do
trabalho (CF, artigo 1º, IV, artigo 5º, caput, artigo 6º, caput,
artigo 170, caput e artigo 193).
O artigo 7º, caput,
in fine, da Carta da República, representa tão-somente a expressão específica de
um comando muito maior, também expressamentevisualizadona CartaConstitucional. É
algo como uma cláusula
particular defomento ao contínuo processo de avanço das condições sociais de
vida da classe obreira. E onde estaria a cláusula geral? Está
situada no artigo 5º, § 2º, da Lex Legum, assim vazado: “Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte” (grifamos).Portanto, ambas incorporam notáveis
cláusulas jurídicas que impelem a continuidade desse interessante fluxo
normativo tendente à contínua proteção do trabalhador.
Logo, incorrem em
gravíssimo equívoco aqueles que se abraçam, de olhos fechados, à gramaticalidade
do texto constitucional, para afirmar que a fixação da responsabilidade
subjetiva do empregador aos casos de danos causados aos trabalhadores em geral
representaria uma incontornável diretriz restritiva imposta pelo legislador
constituinte, de modo a frustrar qualquer intenção em se aplicar, a favor da
classe obreira, uma responsabilidade civil de ordem objetiva[7].
Pois bem. Diante da
influência desse vetor, que almeja densificar, no máximo de sua potencialidade,
a dignidade da pessoa humana do trabalhador, podemos concluir que, por exemplo,
no caso de acidentes de trabalho, a regra seria a incidência da responsabilidade
civil subjetiva, todavia, caso o empregador desempenhe atividade que induza
risco diferenciado a desfavor do obreiro, incidirá a responsabilidade objetiva,
mercê do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil[8], medida que se impõe como mais um fator
de melhoria da condição social do obreiro, exatamente como propugnou a
Constituição Federal na cabeça de seu artigo
7º.
Deveras, estamos
mesmo convencidos que o Código Civil de 2002, ao estatuir uma cláusula geral de
responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade (artigo 927, parágrafo
único), trouxe ao cenário jurídico uma disposição altamente útil para esse
desiderato de aprimorar a condição social do trabalhador, já que no mundo
hodierno há diversas atividades empresariais cuja execução implica natural
indução do obreiro a riscos mais acentuados que aqueles suportados pelos demais
membros da sociedade.
Noutras palavras:
ao garantir a plena reparabilidade dos danos ocasionados aos obreiros,
decorrentes do risco que sua dinâmica laborativa lhes impõe, por certo esse
dispositivo cível se encaixa como uma luva no anseio constitucional de contínuo
fomento à melhoria da condição social do trabalhador. Há, portanto, uma íntima
conexão técnico-axiológica entre o artigo 7º, caput, da Carta da República, e o
artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, claramente lavrada na
ambiência do paradigma contemporâneo da responsabilidade civil, que tem seguido
na linha de se buscar ao máximo a plena reparação da vítima de danos
injustos[9].
Há mais: em se
partindo da perspectiva aqui defendida, também se descortina a possibilidade de
refletir a incidência da responsabilidade civil objetiva, em prol da proteção da
pessoa humana do trabalhador, quando se estiver diante de eventos danosos de
cunho ambiental.
Perceba-se, a
propósito, que está inequivocamente sedimentado no âmbito do direito brasileiro
que o meio ambiente laboral constitui relevante dimensão do meio ambiente em
geral, fato que decorre do próprio texto da Carta Magna (CF, art. 200,
VIII[10]) e que já ecoa
altissonante na mais abalizada doutrina jurídica ambiental[11], bem assim na
jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal[12]. Por consequência,
em determinadas ocasiões todo o plexo tuitivo afeto ao Direito Ambiental também
há de ser canalizado, com seu intenso vigor normativo, perante os domínios do
Direito do Trabalho, o que inclui, por certo, a responsabilidade objetiva e
solidária que dele naturalmente floresce[13].
No caso em tela, a
própria prática do futebol, reconhecidamente um esporte que exige elevado
esforço muscular e constante contato físico com o adversário, é atividade cujos
riscos implicados são mesmo patentes, na medida em que facilitadora, por
exemplo, de lesões e fraturas[14]. Além disso, a
natural exposição ao público torcedor também é elemento potencializador de
riscos, o que é algo até certo ponto natural quando se está diante de grandes
aglomerados de pessoas.Não há dúvidas, portanto, que sua atuação futebolística o
insere em uma especial condição de risco, bem superior àquela que rodeia o
cidadão comum[15].
Como gizamos
alhures, o trabalhador, segundo expresso comando constitucional, tem o direito à
redução dos riscos inerentes ao seu trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança (CF, art. 7º, XXII), sendo essa uma diretriz que
invariavelmente também há de beneficiar aquele específico trabalhador que
desempenha suas atividades no seio futebolístico.
Logo, quando um
clube de futebol propicia, voluntária ou involuntariamente, o surgimento ou a
continuidade de uma prática ou de um ambiente que produz riscos acentuados à
saúde física e mental do atleta de futebol, com malferimento de sua dignidade
humana, a estruturação
jurídica advinda desse pacto de trabalho deixa de cumprir sua incontornável
finalidade social, desbordando das balizas ético-sociais que lhe foram
constitucionalmente impostas, seja por ofensa direta à dignidade
dessa específica modalidade de trabalhador, seja por ofensa indireta à própria
sociedade, que, ali, naquele “microcosmos” fático-social, vê frustrado o intento
constitucional de garantir o bem de todos.
3.RÁPIDA INCURSÃO PRÁTICA: DANOS À SAÚDE FÍSICA E MENTAL DO ATLETA DE FUTEBOL – ALGUMAS SITUAÇÕES-TIPO
Constitui tarefa
impossível esgotar as hipóteses em que podem ocorrer possíveis danos à figura do
atleta de futebol, enquanto pessoa humana trabalhadora. Servimo-nos, então, a
partir de agora, de alguns casos mais emblemáticos e que certamente suscitam
enorme desafio às reflexões do jurista preocupado com a reparação de danos na
seara futebolística. Vejamos.
3.1. Assédio Moral: Jogadores, Comissão Técnica, Dirigentes, Crônica Esportiva, Patrocinadores, Ostracismo e Torcida
O assédio moral é
figura reconhecidamente multidimensional. Cuida-se de fenômeno altamente
complexo e que se realiza de diferentes maneiras.
Infelizmente, a
figura do assédio
moral é muito comum no campo
futebolístico.
Não raro se ouve
falar do assédio de determinados jogadores em relação ao técnico, regra geral
materializado pelo insistente “corpo mole” expressado em campo, no velado
objetivo de, pela sequência de resultados insatisfatórios, proporcionar a
demissão do líder do escrete. Esse instrumento de afetação da dignidade humana
também sói acontecer através de um único jogador, seja pela sua capacidade de
agregação, seja pelo seu nome e fama. Cuida-se de genuíno assédio moral vertical
ascendente.
Também é comum o
assédio do técnico em relação a um ou mais jogadores, deixando-os fora da
escalação da equipe titular ou mesmo do próprio banco de reservas, por motivos
alheios à qualidade futebolística.Acontece ainda de serem lançados a um
injustificado treinamento ou preparo físico totalmente à parte do grupo,
inclusive em local diverso daquele em que costumeiramente se reúnem,em
circunstâncias claramente reveladoras de imposição de umadesocupação sistemática e
arbitrária, com sérios prejuízos à dignidade humana e à carreira
do atleta[16].
A realidade
demonstraque essa péssima ocorrência, aliada a duras e contundentes
cobranças,pode também advir da Diretoria do clube
empregador. Logo em seguida a alguma derrota da equipe frente a um jogo
relevante,já é mesmo notória a reunião que se segue nos vestiários, “a portas
fechadas” edirigidaquase sempre pelo seu Presidente, cujo
conteúdo, comenta-se, seriaexageradamente ríspido, confrontador e
humilhante.
O assédio pode
decorrer também da própriacrônica esportiva,
que, a depender do grau de penetração de mídia e influência política na
Diretoria do Clube, pode certamente perseguir determinado profissional
pertencente ao elenco.
O mesmo pode
ocorrer no que concerne à própria torcida, notadamente
as torcidas organizadas, cujo envolvimento com a Diretoria do Clube
podemcertamente redundar na mesma tática de perseguição e assédio. Não raro, os
próprios membros da Diretoria do Clube autorizam que integrantes de torcidas
organizadas ingressem no campo de treinamento com vistas a fazer cobranças de
melhores resultados, inclusive buscando fazer influência na própria escalação do
time.
É possível ir mais
longe. Ouve-se, aqui e acolá, acerca da enorme influência alcançada pelos
próprios patrocinadoreseempresários, que,
investindo alto no grupo ou mesmo que apenas em determinado atleta, lançam mão
de influenciar na silhueta tática da equipe e no grupo que comporá a escalação
titular, de modo a favorecer aos seus exclusivos interesses
comerciais.
Cuida-se, nessas
últimas situações, de genuíno assédio moral vertical
descendente.
Igualmente, sucede
de ocorrer problemas entre os próprios jogadores, de modo a decidirem isolar,
por completo, do ambiente coletivo da equipe, um ou alguns de seus integrantes.
Cuida-se, já aqui, de típico caso de assédio moral
horizontal[17].
3.2. Assédio Sexual: Categorias de Base, Confinamento e Escalação
Quanto
ao assédio
sexual, infelizmente também é fator muito presente no meio
ambiente laboral futebolístico, principalmente nas categorias de base. Há
denúncias dando conta de que o ambiente de alguns alojamentos e departamentos
futebolísticos seria marcado pelo abuso em face de crianças e adolescentes,
debaixo de simples promessas de fornecimento de alimentação, vale-transporte ou
mesmo materiais esportivos, como chuteiras, luvas e uniforme. Esse é um combate
extremamente difícil, haja vista as notórias dificuldades em se controlar tal
tipo de agrupamento humano, aliado ao eloquente silêncio que expressa o medo em
fazer a denúncia. Trata-se, aqui, de um aspecto que mereceria especial atenção
por parte do Ministério Público do Trabalho.
O mesmo assédio
sexual se potencializarianos constantes lapsos de tempo reservados à
concentração, quando as dimensões física e emocional, em tese,deveriam ser
inteiramente resguardadas e aplicadas na busca do êxito da equipe frente a
determinado jogo ou torneio[18]. Registre-se,
ademais, que o assédio sexual também pode ser fator de contundente influência na
própria escalação da equipe, com prejuízo aos aspectos técnico e ético do
certame, com franca violação da dignidade humana do atleta de
futebol.
3.3.Preparo Físico Extenuante
Tem sido cada vez
mais frequente a queixa de determinados jogadores quanto a um invocado excesso
de exercícios impostos pelo preparador físico do Clube, gerando um grau
de extenuação
muscular altamente facilitador de lesões. Tal situação se agrava
na medida em que sobre os atletas recai um grau de subordinação bem mais forte
que aquele existente junto aos trabalhadores em geral[19], o que favorece
uma mais fácil submissão a procedimentos físicos perigosamente
exaurientes.
Efetivamente,
impõe-se aos empregadores futebolísticos que atentem para uma programação de
exercícios físicos adequada ao perfil psicossomático de cada atleta e dentro dos
parâmetros clínicos consentâneos com as peculiaridades de organismo reservadas a
cada qual.
3.4.Calendário Desportivo Desumano
Por vezes, esse
incremento de ocorrência de lesões musculares chega a um grau tão elevado que
não soa absurdo atribuir tão preocupante circunstância à frenética sequência de
jogos a que muitos jogadores são submetidos, participando
simultaneamente de diversos campeonatos, em algumas oportunidades até mesmo
entrando em campo três vezes por semana.
A falta de
razoabilidade na elaboração das tabelas de jogos também é circunstância que
deveria merecer intensa fiscalização por parte das autoridades públicas e
sindicais, à vista da necessidade de se garantir que a prática futebolística não
engendre danos à vida e à saúde dos atletas.
3.5.Condições Climáticas Desfavoráveis: Temperatura e Altitude Ambientais
Questão que precisa
ser igualmente avaliada concerne aos horários dos jogos. Em Belém do Pará, onde
o calor é intenso, é mesmo comum a prática de jogos em pleno sol de meio dia,
sob uma temperatura que pode suplantar os insuportáveis 40° graus, sujeitando a
saúde do atleta de futebol a um risco desnecessário – expediente não raro
praticado por força de interesse patronal exclusivamente financeiro, consistente
na economiade valores pela não utilização dos holofotes do estádio. O mesmo
problema ocorre com a prática do futebol em um ambiente reconhecidamente gélido,
como se dá em partes da Europa.
Decerto, eventuais
prejuízos decorrentes de uma tal opção de momento e horário de jogo devem ser
ressarcidos perante o organizador do evento, e, solidariamente, também perante o
clube de futebol, como empregador que anuiu com a realização de uma partida
em condições climáticas
notoriamentedesfavoráveis[20].
Recorde-se, aqui,
também, a interessante questão ligada à saúde e segurança do trabalhador atleta
de futebol, consistente em buscar o reconhecimento de que jogos em elevadasaltitudes podem
acarretar sérios prejuízos ao equilíbrio corporal e à própria vida do
atleta.
Questiona-se, por
conta de tudo isso e muito mais, se, para além da reparação civil por danos, no
campo repressivo individual, também não seria lícito, no campo preventivo
coletivo, o fomento a investidas do ente sindical ou do Ministério Público do
Trabalho com vistas a coibir determinados abusos lesivos à saúde dos atletas de
futebol, realizando, quem sabe, um frequente controle do programa de exercícios
físicos impostos a cada jogador ou mesmo propondo um calendário desportivo anual de perfil
mais humano, alcançando ainda, no aspecto internacional, quanto
ao Ministério Público do Trabalho, vedação expressa de jogos em localidades onde
o nível de altitude alcance níveis arriscados para a saúde
humana.
3.6. Torcida Organizada: Amor e Ódio
É preciso refletir,
ainda, sobre os casos em que os danos perpetrados em face do atleta são
praticados, por exemplo, pela própriatorcida.
Embora, a rigor,
das arquibancadas sempre se espere o necessário estímulo e incentivo para a boa
prática futebolística, contribuindo para o êxito da equipe, tem sido fenômeno
cada vez mais constante brotar dessa “apaixonada” torcida exatamente o
contrário: ódio, rancor e ira, materializados, muitas vezes, em agressões
físicas e verbais para com os atletas, imersos em pleno exercício de sua
atividade laborativa. Tais fatos podem ocorrernão apenas no local do evento
esportivo, podendo ser praticados, também, em suas imediações, no trajeto de ida
e volta ou mesmo no local de treinamento.
Aqui, é preciso
distinguir as situações, perquirindo se a lesão fora ou não praticada
por torcida
organizada.
Segundo a lei,
considera-se torcida organizada a pessoa jurídica de direito privado ou
existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de
prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade (Lei n° 10.671/2003
[Estatuto do Torcedor], art. 2°-A – incluído pela Lei nº
12.299/2010).
De acordocom o
legislador, a torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto,
praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores,
árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim
como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo
de até 3 (três) anos (Lei n° 10.671/2003, art. 39-A – incluído pela Lei nº
12.299/2010), respondendo civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos
causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento
esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento (Lei n°
10.671/2003, art. 39-B – incluído pela Lei nº
12.299/2010).
Tratando-se,
portanto, de dano praticado por integrantes de torcidas organizadas –
formalmente constituídas ou não –, sua responsabilidade se impõe
independentemente de apuração de qualquer culpa, o que, certamente, inclui
prejuízos praticados em face dos atletas profissionais de futebol. Mas não é só:
impõe-se também reconhecer às agremiações esportivas responsabilidade objetiva
por danos causados a terceiros pelas torcidas organizadas, agindo nessa
qualidade, quando, de qualquer modo, as financiem ou custeiem, direta ou
indiretamente, total ou parcialmente[21].
Quanto
ao torcedorem
geral, a preocupação com a prevenção e repressão aos fenômenos
da violência por ocasião de competições desportivas exigiu do legislador o
estabelecimento de um extenso rol de condições de seu acesso e permanência no
recinto desportivo, incluindo, dentre outros comandos semelhantemente
relevantes: não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis
de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência; não portar ou ostentar
cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas,
inclusive de caráter racista ou xenófobo; não entoar cânticos discriminatórios,
racistas ou xenófobos; não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior
do recinto esportivo; não incitar e não praticar atos de violência no estádio,
qualquer que seja a sua natureza; bem como não invadir e não incitar a invasão,
de qualquer forma, da área restrita aos competidores (Lei n° 10.671/2003, art.
13-A – incluído pela Lei nº 12.299/2010).
Vale pontuar que,
muito embora tais disposições, em tese, sejam voltadas, pelo menos segundo a
dicção da lei, à proteção do torcedor, é seguro afirmar que, na esteira do plexo
teórico já destacado anteriormente – cujo nascedouro, reafirmamos, está na
própria Constituição Federal –, a ratioda legislaçãoiniludivelmente está
centrada na proteção da
integridade física e psíquica de todo aquele que se encontra envolto na
ambiência do recinto desportivo, o que inclui, pelo menos no que
respeita ao futebol, não só os torcedores, mas também os comentaristas, os
radialistas, os gandulas, os árbitros e, por óbvio, os próprios jogadores.
Enfim, o objetivo da lei
não está em proteger o torcedor, mas sim em proteger a pessoa humana inserta no
ambiente desportivo, cuja dignidade ostenta o valioso posto de fundamento da
República Federativa do Brasil (CF, art. 1°,
III).
Logo, por exemplo,
se a torcida, em geral, entoar cânticos racistas em relação a determinado
jogador, mesmo que não se podendo apontar se tratar de ato praticado ou
insuflado por torcida organizada ou por qualquer torcedor em específico, ainda
assim não pode haver dúvidas de que faz jus o atleta vitimado, na órbita da
seara cível, a buscar a respectiva indenização pelo abalo de ordem moral que
possivelmente tenha sofrido (Lei n° 10.671/2003, art. 13-A, parágrafo único –
incluído pela Lei nº 12.299/2010[22]),
Isso se dá porque a
tendência contemporânea da responsabilidade civil – reiteramos – está centrada
na cada vez mais crescente ênfase na pessoa da vítima, e sua justa reparação, em
detrimento da clássica ênfase na pessoa do ofensor, e sua reprovável
conduta[23]. Logo, o fato de
não se poder apontar, individualmente, o praticante da ofensa, não pode servir
de justificativa para deixar sem ressarcimento a vítima de dano
injusto[24].
Portanto, não sendo
o caso de lesão praticada por torcida organizada, mas sim por um conglomerado de
pessoas ou de grupo não identificáveis, pensamos que, para não se impor dano
injusto à vítima, deveria responder pela reparação, independentemente de
culpa, a entidade de
prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus
dirigentes, por aplicação do art. 14, parte
inicial[25],e art.
19[26], ambos da Lei n°
10.671/2003. Além disso, é possível defender também a responsabilidade solidária
da entidade responsável
pela organização da competição, legalmente equiparada a
fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, como expressamente
pontuado pelo art. 3º da Lei n° 10.671/2003[27]. Cuidar-se-ia de
uma proteção ancorada em uma espécie de responsabilidade
pressuposta[28],com
evidentepresunção de causalidade[29].
Certamente que o
ajuizamento desse tipo de ação deveria ocorrer nos sítios da Justiça do
Trabalho. Perceba-se, a propósito, que o artigo 114, inciso I, da Carta Magna,
com a redação impressa pela EC 45/04, já não mais restringe os limites
competenciais da Justiça Especializada Obreira a um debate que necessariamente
deva envolver os dois principais atores da relação de emprego (“trabalhadores e
empregadores”), como sempre firmara a tradição constitucional brasileira (foco
nos integrantes da relação jurídica – matiz subjetivo), mas, de forma bem mais
ampla, exige agora que tais ações sejam simplesmente “oriundas da relação de
trabalho”, sem qualquer restrição, pois, quanto aos sujeitos envolvidos (foco na
natureza da relação jurídica – matiz objetivo)[30].
Ora, o atleta que,
na ambiência do recinto esportivo, sofre mordaz e inequívoca manifestação
racista ou discriminatória, provinda da torcida presente ao estádio, faz jus a
uma reparação por dano moral[31], haja vista o
contido no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, e artigos 186 e 927,
ambos do Código Civil, sendo certo que, na medida em que praticada no contexto
de sua função laborativa, a respectiva ação indenizatória há de ser processada e
julgada perante a Justiça Federal Especializada do Trabalho, mercê do quanto
dispõe o art. 114, I, da Constituição Federal[32].
Logo, por conta de
todo o exposto, impor-se-ia reconhecer a favor do ser
humano atleta de futebol uma proteção pelo menos similar àquela reservada ao ser
humano torcedor, que, segundo a lei, tem direito a segurança nos
locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a
realização das partidas (Lei n° 10.671/2003, art. 13), logrando usufruir máxima
reparabilidade de seus danos,na medida em que, equiparado a consumidor, tal
reparação está lastreada em uma invejável responsabilidade de
cunho objetivo(Lei n°
9.615/1998, art. 42, § 3°[33]) e de
matiz solidário (Lei n°
10.671/2003, art. 19[34]), no que tange aos
responsáveis pelo pagamento da indenização.
E, em assim sendo,
uma tal ilação afinada estaria, sem qualquer sombra de dúvida, com aquele
intenso fluxo protetivo, já acentuado, que tenciona alavancar, continuamente, a
condição social do cidadão trabalhador, enquanto expressão de tutela da sua
dignidade humana (CF, art. 1º, III, art. 5º, § 2º, e art. 7º,
caput).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: POR UMA NECESSÁRIA “LABORIZAÇÃO” E “HUMANIZAÇÃO” DO MUNDO FUTEBOLÍSTICO
Propugnamos, aqui,
um ponto de vista que confira ênfase à dimensão constitucional do tema relativo
à responsabilidade civil e o mundo do futebol, destacando a incongruência
infraconstitucional que acarreta melhor condição social ao homem-consumidor e ao
homem-torcedor, em detrimento do homem-trabalhador.
Essa inaceitável
situação certamente viola o postulado da igualdade material e despreza a
cláusula de crescente avanço socialda classe trabalhadora, ambos sedimentados na
Carta Magna (CF, art. 3º, IV, art. 5º, caput e § 2º, e art. 7º,
caput).
É preciso ter em
conta, ainda, que a reflexão e o enfrentamento das diversas nuances aqui
levantadas demandarão um sadio estreitamento das relações institucionais
travadas entre o Judiciário Trabalhista e a Procuradoria do Trabalho, em prol da
realização da justiça social, a configurar aquilo que recentíssima doutrina
chama de “parceirização trabalhista”[35].
Propiciará, também,
um poderoso incremento dessa inevitável transdisciplinariedade que tem sido uma
marca da atual quadra da ciência jurídica, a exigir do operador do Direito um
domínio cada vez amplo de conceitos e informações alheios ao específico rincão
jurídico, hauridos, muitas vezes, de setores do conhecimento umbilicalmente
ligados, por exemplo, à Sociologia, à Pscicologia e à própria
Medicina.
No mais, cumpre
afastar a conotação insistentemente lúdica emprestada ao atleta de futebol,
passando a enxergá-lo também no papel social de trabalhador – apenas envolvido
em uma dinâmica laborativa toda especial. Cumpre, pois, “laborizar” a atividade
futebolística.
Além disso, também
é necessário conferir condições mais humanas àqueles que trabalham nessa
específica dimensão trabalhista, de forma a demandar tratamento mais consentâneo
com o postulado da dignidade humana (CF, art. 1º, III).
Enfim, é preciso
aproximar o homo ludens do homo faber.
Tudo sempre em
vista da máxima efetividade da axiologia constitucional.
Notas
[1] Constituição
Federal/1988, artigo 5º, XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”;
Código Civil/2002, artigo 421: “a liberdade de contratar será exercida em razão
e nos limites da função social do contrato”.
[2]Podemos citar, como
exemplo dessa assertiva, os seguintes artigos: CDC, artigo 7º, parágrafo único:
“Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela
reparação dos danos previstos nas normas de consumo”; CDC, artigo 12: “O
fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador
respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação,
construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de
seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
utilização e riscos”; CDC, artigo 14: “O fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”; CDC,
artigo 25, caput: “É vedada a estipulação contratual de cláusula que
impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas
seções anteriores”; CDC, artigo 25, § 1º: “Havendo mais de um responsável pela
causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta
e nas seções anteriores”; CDC, artigo 25, § 2º: “Sendo o dano causado por
componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis
solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a
incorporação”.
[3] Falamos
“precipuamente” porque não desconhecemos que o torcedor, no perfil aqui
destacado, também não deixa de ser uma espécie de
consumidor.
[4] Constituição
Federal, art. 7º, XXVIII: “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorre
em dolo ou culpa”.
[5] TST, Súmula 331,
item IV: “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador,
implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas
obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do
título executivo judicial”.
[6] “(...) a
realização plena da dignidade humana, como quer o projeto constitucional em
vigor, não se conforma com a setorização da tutela jurídica ou com a tipificação
de situações previamente estipuladas, nas quais pudesse incidir o ordenamento.
Não parece suficiente o mecanismo simplesmente repressivo, próprio do direito
penal, de incidência normativa limitada aos momentos patológicos das relações
jurídicas, no momento em que ocorre a violação do direito, sob a moldura de
situações-tipo. A tutela da pessoa humana, além de superar a perspectiva
setorial (direito público e direito privado), não se satisfaz com as técnicas
ressarcitória e repressiva (binômio lesão-sanção), exigindo, ao reverso,
instrumentos de proteção do homem, considerado em qualquer situação jurídica de
que participe, contratual ou extracontratual, de direito público ou de direito
privado. Assim é que, no caso brasileiro, em respeito ao texto constitucional,
parece lícito considerar a personalidade não como um novo reduto de poder do
indivíduo, no âmbito do qual seria exercido a sua titularidade, mas como valor
máximo do ordenamento, modelador da autonomia privada, capaz de submeter toda a
atividade econômica a novos critérios de validade. Nesta direção, não se
trataria de enunciar um único direito subjetivo ou classificar múltiplos
direitos da personalidade, senão, mais tecnicamente, de salvaguardar a pessoa
humana em qualquer momento da atividade econômica, quer mediante os específicos
direitos subjetivos (previstos pela Constituição e pelo legislador especial –
saúde, imagem, nome etc), quer como inibidor de tutela jurídica de qualquer ato
jurídico patrimonial ou extrapatrimonial que não atenda à realização da
personalidade. (...) Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como
fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da
pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente
com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer
direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos
princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral
de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo
ordenamento” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª Edição, Rio de
Janeiro : Renovar, 2004, p. 47-50).Essa extraordinária formulação teórica já
está devidamente sedimentada na doutrina pátria. É o que se vê do Enunciado 74
da IV Jornada de Direito Civil (2006), assim gravado: “Os direitos da
personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são
expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º,
inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de
colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a
técnica da ponderação”.
[7] “A Constituição da
República estabelece um patamar mínimo de direitos do trabalhador, não impedindo
que norma infraconstitucional introduza regras mais benéficas, conforme se
depreende do seu art. 5º, § 2º e do art. 7º, caput. Assim, por óbvio, o art. 7º
da CRFB, que constitui rol de direitos mínimos do trabalhador (conforme caput do
mesmo artigo), não pode, em boa hermenêutica, ser interpretado como um limitador
dos direitos deste, nem tampouco um rol de garantias do empregador, parte mais
forte da relação” (PRITSCH, Cesar Zucatti. Responsabilidade Civil Decorrente de
Acidente de Trabalho ou Doença Ocupacional. Revista LTr. nº 76, março/2012, p.
311-312).
[8]CC, art. 927,
parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem”.
[9] Sobre a
importância jurídica e o raio de ação normativa do art. 927, parágrafo único, do
Código Civil, confira-se: MARANHÃO, Ney Stany Morais. Responsabilidade Civil
Objetiva pelo Risco da Atividade: Uma Perspectiva Civil-Constitucional. São
Paulo : GEN/Método, 2010.
[10] CF, art. 200: “Ao
sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
(...) VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do
trabalho” (grifamos).
[11] FIORILLO, Celso
Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13ª Edição. São Paulo :
Saraiva, 2012, p. 77.
[12] “A atividade
econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a
tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não
pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de
motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a
atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está
subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do
meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das
noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente
artificial (espaço urbano) e de meio ambiente
laboral” (ADI 3.540-MC, Relator: Ministro Celso de Mello,
Plenário, julgamento em 01-09-2005, DJ de 03-02-2006)
(grifamos).
[13]Fazendo esse
fenomenal link entre Direito Ambiental e Direito do Trabalho, com penetrações na
teoria da responsabilidade civil, confira-se, por todos: FELICIANO, Guilherme
Guimarães. Saúde e Segurança no Trabalho: o Meio Ambiente do Trabalho e a
Responsabilidade Civil Patronal. In: THOMÉ, CandyFlorencio; SCHWARZ, Rodrigo
Garcia (organizadores). Direito Individual do Trabalho: Curso de Revisão e
Atualização. Rio de Janeiro :Elsevier, 2011, p. 287-306; SCHINESTSCK, Clarissa
Ribeiro. A Tutela da Saúde do Trabalhador e os Novos Rumos Traçados pelo Direito
Ambiental do Trabalho. In: THOMÉ, CandyFlorencio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia
(organizadores). Direito Individual do Trabalho: Curso de Revisão e Atualização.
Rio de Janeiro :Elsevier, 2011, p. 307-320.
[14] Esse risco
naturalmente implicado, por sinal, é até expressamente reconhecido pelo próprio
legislador, quando passou a exigir, da entidade de prática desportiva
empregadora, a contratação, para os atletas profissionais, de seguro de vida e
de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, com o objetivo de
cobrir os riscos a que eles estão sujeitos (Lei nº 9.615/1998, art. 45, caput,
com redação dada pela Lei nº 12.395/2011). Cláusula semelhante também é
verificada no direito italiano (Legge 23 marzo 1981, nº 91, articolo 8 –
“assicurazionecontro i rischi”). Em sentido contrário, negando esse caráter
imanente do risco em relação a atividades esportivas, afirma Hélder Gonçalves
Dias Rodrigues que “a maioria das atividades humanas, senão todas, oferecem
riscos. (...) Hodiernamente, apresenta maior risco do que as atividades
desportivas o simples ‘circular’ pelos grandes centros (em razão da violência,
do trânsito etc.). (...) Os riscos na atividade desportiva são aparentes, se
presentes a técnica, responsabilidade e equipamentos adequados” (RODRIGUES,
Hélder Gonçalves Dias. A Responsabilidade Civil e Criminal nas Atividades
Desportivas. Campinas, SP : Servanda Editora, 2004, p.
189).
[15]Tencionando ofertar
subsídios para a escorreita interpretação do artigo 927, parágrafo único, do
Código Civil, a doutrina lavrou o Enunciado n. 38 da I Jornada de Direito Civil
(2002), texto fruto do debate travado entre diversos estudiosos e que se
encontra assim redigido: “A responsabilidade fundada no risco da atividade, como
prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil,
configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da
coletividade”.
[16] Como leciona com
inteira propriedade Alice Monteiro de Barros, “à semelhança do que ocorre com os
artistas, a inatividade poderá ocasionar-lhes prejuízos irreparáveis em seu
futuro profissional, porquanto sua promoção está em sua função direta de seu
efetivo emprego; a inatividade forçada aqui é muito mais grave do que em outras
profissões, considerando que a carreira profissional do desportista é muito
curta. Logo, viola a obrigação contratual de propiciar trabalho ao atleta a
conduta do dirigente do clube ou do técnico que implique exclusão sistemática do
desportista das competições, sem qualquer fundamento desportivo, senão visível
intenção de condená-lo ao ostracismo com todas as suas consequências. A
desocupação arbitrária, vexatória e discriminatória autoriza a rescisão indireta
do contrato, sem prejuízo do dano material e/ou moral daí advindos” (BARROS,
Alice Monteiro de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho. 5ª Edição.
São Paulo : LTr, 2012, p. 125). A autora faz alusão a um interessante caso
submetido ao Judiciário argentino, onde o famoso jogador Caniggia buscou, com
êxito, o reconhecimento de rescisão indireta frente ao Club Atlético Boca
Juniors, alcançando ainda o direito a indenização por danos morais pelo fato do
clube mantê-lo injustificadamente inativo, com notório prejuízo à sua imagem.
Anote-se que o jogador Adriano, apelidado de "Imperador", recentemente afirmou
pretender acionar o Sport Clube Corinthians Paulista por possível prática de
ostracismo. Fonte: Programa "Fantástico", Rede Globo, em entrevista exclusiva
exibida em 22 de abril de 2012.
[17] Para um estudo
mais aprofundado a respeito do assédio e de suas terríveis consequências na
saúde mental do trabalhador, confira-se: MARANHÃO, Ney Stany Morais. Dignidade
Humana e Assédio Moral: A Delicada Questão da Saúde Mental do Trabalhador.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. V. 44, nº 87,
jul./dez./2011, p. 93-103.
[18] Segundo o art. 28
da Lei nº 9.615/1998, com redação dada pela Lei nº 12.395/2011, a concentração,
dentre outras medidas previstas na lei, não pode ser superior a 3 (três) dias
consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou
equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do
empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha
sua sede.
[19] BARROS, Alice
Monteiro de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho. 5ª Edição. São
Paulo : LTr, 2012, p. 96.
[20] A respeito,
veja-se a seguinte decisão, publicada no portal do STJ em 08-05-2009:
“STJ rejeita proibição
de futebol profissional das 11h às 17h. A Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o mandado de injunção impetrado pela
Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenape) para proibir a
realização, em todo o território nacional, de partidas de futebol no período das
11h às 17h, durante os meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro. No
mandado, a entidade sustentou que o Ministério do Trabalho e do Emprego,
responsável pela regulamentação de todas as atividades e setores de trabalho,
recusa-se a estabelecer regras especificas de proteção à saúde dos atletas
profissionais de futebol, que continuam obrigados a jogar nesses horários
críticos. Para a Fenape, a exposição ao calor intenso, principalmente no período
do horário de verão, coloca em risco a saúde e a vida dos atletas. Previsto no
artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal, o mandado de injunção é
concedido sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício
dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, soberania e cidadania. Segundo a relatora, ministra Laurita Vaz,
a Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) impõe às entidades responsáveis pela administração
do esporte profissional a observância de cuidados médicos e clínicos, bem como o
oferecimento de condições necessárias à participação dos atletas nas
competições. Além disso, o anexo 3 da Norma Reguladora n. 15 do Ministério do
Trabalho e do Emprego já disciplina os limites de tolerância para exposição ao
calor dos trabalhadores em geral. Para a ministra, não existe ausência de norma,
mas um mero descontentamento da Federação com as que existem. Assim, por
unanimidade, a Corte julgou o mandado de injunção extinto, sem resolução do
mérito”. Fonte: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=91899&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=MI%20206>
Acesso em: 19-04-2012. Pensamos que o tema, todavia, merece reflexão mais
aprofundada.
[21] Exatamente esse é
o conteúdo do Enunciado 447 da V Jornada de Direito Civil (8 a 10 de novembro de
2011).
[22]Lei n° 10.671/2003,
art. 13-A, parágrafo único: “O não cumprimento das condições estabelecidas neste
artigo implicará a impossibilidade de ingresso do torcedor ao recinto esportivo,
ou, se for o caso, o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras
sanções administrativas, civis ou penais eventualmente
cabíveis”.
[23] “(...) os
tradicionais filtros da reparação (culpa, nexo causal e dano) não apresentam
mais, na prática jurisprudencial, o mesmo poder de contenção de outrora. Embora
não tenha operado uma alteração expressa na dogmática da responsabilidade civil,
o desenvolvimento do solidarismo jurídico implicou em uma mudança da postura do
Poder Judiciário, que passou a flexibilizar os pressupostos técnicos do
instituto de modo a proteger de modo mais intenso a vítima no âmbito das ação de
indenização” (SCHREIBER, Anderson. O Futuro da Responsabilidade Civil: um Ensaio
sobre as Tendências da Responsabilidade Civil Contemporânea. In:
Responsabilidade Civil Contemporânea: em Homenagem a Sílvio de Salvo Venosa.
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston; ROCHA, Maria Vital da
(coordenadores). São Paulo : Atlas, 2011, p. 719).
[24]Por dano injusto há
de se entender como aquele assim qualificado “tanto por haver sido injustamente
causado como pelo fato de ser injusto que o suporte quem o sofreu” (HIRONAKA,
Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte :
Del Rey, 2005, p. 354).
[25]Lei n° 10.671/2003,
art. 14, ab initio: “Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078,
de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em
evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo
e de seus dirigentes (...)”.
[26]Lei n° 10.671/2003,
art. 19:“As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus
dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e
seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos
causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da
inobservância do disposto neste capítulo”.
[27]Lei n° 10.671/2003,
art. 3º: “Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da
Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização
da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de
jogo”. Segundo Hélder Gonçalves Dias Rodrigues, “no que refere aos eventos
desportivos propriamente ditos, se os participantes do evento tiveram ou não que
pagar pela inscrição e possibilidade de participar do certame desportivo,
certamente, em ocorrendo um dano, a responsabilidade da entidade promovente, no
caso a administradora do desporto, será analisada com vistas às regras de
prática da modalidade desportiva e, supletivamente, às gerais do Código Civil e
(as especiais) do Código de Defesa do Consumidor, dependendo da origem do dano.
Concluída pela responsabilidade da entidade desportiva promotora do evento, a
mesma responderá até o limite constatado do dano material, moral e estético,
sofridos pelas vítimas do evento danoso” (RODRIGUES, Hélder Gonçalves Dias. A
Responsabilidade Civil e Criminal nas Atividades Desportivas. Campinas, SP :
Servanda Editora, 2004, p. 234).
[28] A respeito,
confira-se a seminal obra: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.
Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey,
2005.
[29] “(...) a análise
dos artigos 3º, 14 e 19 do Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) leva à
conclusão de que o legislador preocupou-se na manutenção da incolumidade da
vítima e de seu pleno ressarcimento, quando estabelece a responsabilidade dos
clubes de futebol pelos danos ocasionados aos torcedores dentro do estádio,
sendo esta responsabilidade definida de acordo com o mando de campo. Neste
sentido, se há um dano ocasionado a um torcedor dentro do estádio de futebol, a
entidade desportiva que detiver o mando de campo (estabelecido por meio da
entidade organizadora do evento desportivo antes do início do campeonato) deverá
indenizá-lo pelos danos, independentemente de existir aí uma causalidade direta
entre a promoção do evento esportivo e o dano gerado. Busca-se a indenização dos
danos por aquele que detém a maior e melhor capacidade de indenizar, portanto.
Se for possível a identificação da causa do dano, no sentido de individualizar o
agente (ou agentes) que com sua conduta o gerou, poderá o organizador exercitar
o direito de regresso contra ele. “Ao invés de a vítima ter que provar que
determinada pessoa, através de sua conduta, causou o dano que a afligiu, poderá
contar com a presunção de causalidade, sendo suficiente que prove que sofreu um
dano e que o dano foi consequência de determinada atividade realizada por um
determinado grupo. (...) As relações internas dos membros do grupo serão
resolvidas a posteriori (através do direito de regresso), mas o objetivo
primordial da responsabilidade civil, qual seja, a compensação dos danos
sofridos, deve ser efetivado prioritariamente” (MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A
responsabilidade Civil por Presunção de Causalidade. Rio de Janeiro : GZ
Editora, 2009, p. 223-225). Registre-se que recentemente o Supremo Tribunal
Federal reafirmou a plena constitucionalidade de inúmeros dispositivos
constantes do Estatuto do Torcedor, incluindo os preceitos que versam sobre
responsabilidade civil (STF, ADI nº 2.937, julgamento em
23-02-2012).
[30]Marcos Fava
destaca, com razão, que “o delineamento da competência material da Justiça do
Trabalho decorre não mais da identificação dos sujeitos da relação, mas da
própria estrutura contratual gênese: as que revelem relações de trabalho. Não se
cuida, portanto, mais dos litígios entre empregados e empregadores – ou
contratantes e contratados –, mas o assunto envolve todas as ações oriundas da
relação de trabalho, mesmo que não haja, nos polos da composição processual,
empregador e empregador – ou contratante e trabalhador” (FAVA, Marcos Neves.
Competência da Justiça do Trabalho: para exorcizar o binômio fantasma
empregado-empregador. In: LORENZETTI, Ari Pedro; SALES, Cleber Martins; AZEVEDO
NETO, Platon Teixeira de (coordenadores). Direito e Processo do Trabalho na
Atualidade. São Paulo : LTr, 2012, p. 296). Convalidando essa mesma linha de
raciocínio, destacamos os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA.
DANO MORAL ORIUNDO DE ASSÉDIO SEXUAL EM AMBIENTE DE TRABALHO. PRESTADORA DE
SERVIÇOS QUE É DEMITIDA E RECONTRATADA POR DETERMINAÇÃO DO TOMADOR DE SERVIÇOS.
RELAÇÃO DE TRABALHO CONFIGURADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. - Compete à
Justiça Trabalhista processar e julgar ações de indenização por danos morais
decorrentes de assédio sexual praticado em ambiente de trabalho, onde as partes
envolvidas estão em níveis hierárquicos diferentes, mesmo que se trate de vítima
que trabalhe por meio de empresa terceirizadora de serviços e que a ação seja
ajuizada contra a pessoa do superior hierárquico. Conflito conhecido para
declarar competente o Juízo da 1a Vara do Trabalho de Jundiaí, Estado de São
Paulo” (STJ, Conflito de Competência n° 78.145⁄SP, Relatora: Ministra Nancy
Andrigui, 2ª Seção, DJ 03-09-2007); “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA
DO TRABALHO E JUSTIÇA FEDERAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INJÚRIA
QUALIFICADA POR PRECONCEITO RACIAL SOFRIDA POR PRESTADOR (TERCEIRIZADO) DE
SERVIÇOS DA CAIXA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.1.- A expressão
“as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação
de trabalho”, inscrita no art. 114, VI, da Constituição Federal, não restringe a
competência da Justiça do Trabalho às ações ajuizadas pelo empregado contra o
empregador, e vice-versa. Se o acidente ocorreu no âmbito de uma relação de
trabalho, só a Justiça do Trabalho pode decidir se o tomador dos serviços
responde pelos danos sofridos pelo prestador terceirizado." (AgRg no CC
82.432⁄BA, Rel. Min. ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, DJ 8.11.07). 2.- No caso dos
autos, embora a pretendida indenização por danos morais não decorra de ato
ilícito praticado por empregado da Caixa Econômica Federal (empresa tomadora dos
serviços), mas, por cliente da aludida instituição bancária, releva que no
momento em que sofreu a ofensa, encontrava-se a autora prestando serviços nas
dependências de uma de suas agências como trabalhadora terceirizada, tendo a
petição inicial ainda, narrado circunstâncias típicas de relação laborativa
atribuídas à Caixa, contra quem também foi movido o processo. 3.- Desse modo, a
atração da competência da Justiça trabalhista se justifica, pois, a despeito da
existência de duas relações subjacentes com naturezas jurídicas distintas: a
primeira com a suposta ofensora (cliente da instituição financeira); e a segunda
estabelecida diretamente com a CEF, enquanto tomadora dos serviços, vislumbra-se
conexão imediata alegação de causalidade do dano sofrido com a prestação do
serviço à aludida instituição financeira, havendo necessidade de que, a partir
da análise da pretensão, tal como deduzida, se possa decidir, inclusive, sobre a
permanência ou não da CEF no pólo passivo da demanda, avaliação que, pelas
particularidades do caso, será melhor exercida pela Justiça do Trabalho e por
ocasião de prolação de sentença quando se examinam todas as circunstâncias
fático-probatórias do caso. 4.- Conflito de Competência conhecido, declarando-se
a competência do Juízo da 2ª Vara do Trabalho de São Carlos⁄SP” (STJ, Conflito
de Competência n° 97.458/SP, Relator: Ministro Sidnei Beneti, 2ª Seção, DJ
29-06-2011).
[31] “A consagração da
dignidade humana como valor fundamental nas constituições do último século,
associada à aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas,
veio exigir com força irresistível a ressarcibilidade, até então discutida, do
dano extrapatrimonial” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da
Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos.
2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 87).
[32] Consigne-se que a
disposição contida no art. 217, § 1º, da Constituição Federal, ao aduzir que “o
Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições
desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em
lei”, em nada pode servir de obstáculo ao exercício do direto fundamentalde ação
por parte do atleta de futebol. Ora, tratando-se de cláusula que excepciona o
princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV),
decerto que sobre tal preceito há de recair interpretação necessariamente
restritiva. Assim, há de se compreender que o curso forçado perante as
instâncias da justiça desportiva somente pode concernir a matérias estrita e
exclusivamente desportivas, ainda assim – limitou a Magna Carta – somente quando
ligadas a aspectos relativos à disciplina e à própria competição em si. Desse
modo, discussões de ordem trabalhista ou atinentes à saúde e segurança no
trabalho poderão ser diretamente dirigidas ao Poder Judiciário, sem qualquer
necessidade de prévio crivo perante a justiça desportiva. A respeito, confira-se
o seguinte julgado: “Causas esportivas. Da competência da Justiça do Trabalho.
Os Tribunais Esportivos são entidades com competência para resolver questões de
ordem estritamente esportiva. A matéria em questão envolve direitos de natureza
trabalhista, sendo, portanto, esta Justiça Especializada competente para
dirimi-los. Incabível a alegação de violação do art. 217 da CF, por não abranger
a hipótese prevista nos autos. Recurso de Revista não conhecido” (TST,
RR-493704/1998, 2ª Turma, Relator: Ministro José Alberto Rossi, DJ
18-06-1999).
[33]Lei n° 9.615/1998,
art. 42, § 3°:“O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento
desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos
do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990”.
[34]Lei n° 10.671/2003,
art. 19:“As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus
dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e
seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos
causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da
inobservância do disposto neste capítulo”.
[35] “A parceirização
jurisdicional trabalhista tem como escopo promover mudanças no relacionamento
entre os magistrados do Poder Judiciário Trabalhista e os membros do Ministério
Público do Trabalho, de molde a torná-los uma espécie de parceiros na busca da
realização da justiça social, nos processos e ações judiciais moleculares, em
que estes agentes políticos atuam em conjunto, em suas respectivas
circunscrições/jurisdições, os primeiros, especialmente, nas Varas do Trabalho,
e os segundos, nas Procuradorias do Trabalho nos Municípios ou ainda nas
Procuradorias Regionais nas sedes das capitais brasileiras” (SANTOS, Enoque
Ribeiro dos. O Microssistema de Tutela Coletiva: Parceirização Trabalhista. São
Paulo : LTr, 2012, p. 263).
Autor
· Ney Stany Morais Maranhão
Informações sobre o texto
Este texto
representa a versão escrita de intervenção oral realizada pelo autor junto ao II
Encontro Goiano de Direito Desportivo. O evento aconteceu na cidade de Goiânia
(GO), entre os dias 9 e 10 de maio de 2012, sob a coordenação do nobre Ministro
Guilherme Augusto Caputo Bastos, do Tribunal Superior do
Trabalho.
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