Um código para a crise europeia?
Luiz Edson Fachin
Fonte: Migalhas. 4/6/2012
A
situação da Grécia que se apresenta como exemplo maior da crise vivida
atualmente pela União Europeia faz reacender o debate sobre a
oportunidade de um código comum para regular contratos, bens e
interesses. Não é uma boa solução.
É compreensível, nada obstante, que a porta de
entrada de uma codificação civil, independentemente do modelo e do
método respectivo, seja uma aparente saída para questões que não começam
nem se dissolvem com uma nova regra jurídica de caráter geral a todos
os países e cidadãos europeus.
Diversas são as razões pelas quais deve ser
problematizado o recurso a uma nova lei, especialmente na forma de
codificação das relações jurídicas de caráter privado. Anote-se, em
primeiro plano, a contaminação também existente na Europa do movimento
que se pode denominar de nonstop law. Trata-se de uma
característica não muito recente, e bastante conhecida no Brasil, por
meio da qual a vazão dos dilemas sociais e econômicos pode ser dar por
intermédio de uma mudança no ordenamento jurídico. É, a rigor, uma
ilusão.
Não tem o sistema jurídico a aptidão de gerar, por si só, luzes capazes de explicar todo e qualquer dark place das sociedades contemporâneas. Tanto no sistema common law, quanto no civil law, bem como nas áreas que adotam sistemas mistos, há espaços de dissociação entre a sociedade, o Direito e o Estado.
Daí porque, em segundo plano, impende questionar,
nesse debate que agora é recolocado na Europa continental, em que medida
as transformações democráticas na sociedade contemporânea dialogam
construtivamente com uma ordem jurídica justa. Mais ainda: cumpre
interrogar se esse movimento de produção legiferante produz direta e
proporcionalmente efeitos sobre os regimes jurídicos essenciais no que
concerne à propriedade, ao contrato e à família.
A resposta parece ser negativa, inclusive porque
ainda há sombreamento evidente na dicotomia entre o direito nacional e o
direito supranacional .
Sem embargo, não deixa de ser legítimo cogitar, no
tempo do espaço ocidental contemporâneo, de um direito supranacional de
princípios.
O núcleo do tema, contudo, na perspectiva da crise
europeia, não pode ser confinado a um debate exclusivamente jurídico e
deve apreender, sem dúvida, as equações de economia política. Ao direito
concerne uma missão mais restrita, ligada à segurança substancial das
relações jurídicas, e aí sim podem ser elencadas novas perspectivas
(especialmente do direito internacional) para contribuir na efetividade
dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais.
Nesse contexto, deve ser tomada como premissa,
notadamente no direito privado, a capacidade de autodeterminação da
pessoa em regrar o desenvolvimento de sua personalidade e também um
mínimo existencial capaz de prover os meios adequados para a
instrumentalização dessa autodeterminação.
A crise europeia, portanto, não demanda saídas
formais, sob pena de dissolver-se o próprio sentido do ordenamento
jurídico. Quem pede comida não digere apenas leis.
__________
* Luiz Edson Fachin é advogado integrante do
escritório Fachin Advogados; Professor Titular de Direito Civil da
Faculdade de Direito da UFPR; Guest Researcher do Max Planck Institute for International and Comparative Private Law; Visiting Scholar do King's College London (School of Law)
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