quarta-feira, 29 de agosto de 2012

INTERESSANTE ARTIGO SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS TABAGISTAS.

Artigo sobre a responsabilidade civil das empresas tabagistas.

Dois pesos e duas medidas

Clarissa Menezes Homsi

A Aliança de Controle do Tabagismo promoveu dois estudos, em 20081 e em 20112, em que analisa decisões judiciais em ações contra as duas maiores empresas de cigarro em atividade no Brasil que, juntas, detêm 90% do mercado nacional. O que se observou foi a utilização, pelo Judiciário, de dois pesos e duas medidas na maioria das sentenças e acórdãos examinados. Estes, infelizmente, têm pendido favoravelmente para as empresas.

A impressão que se têm é que as decisões teriam sido tomadas de antemão: pela irresponsabilidade das duas empresas. Os argumentos utilizados dependerão do caso em análise.

Dois exemplos demonstram essa situação:

Artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor

A responsabilidade objetiva prevista no CDC se fundamenta em seu artigo 12. Essa norma tem por finalidade proteger o consumidor e responsabilizar o fornecedor por danos sofridos. Sua interpretação deve ser a mais benéfica ao consumidor. Entretanto, nos casos analisados, esse dispositivo será ou não aplicável na relação entre fumante e empresas de cigarros a depender do resultado almejado, qual seja, evitar a condenação da indústria.

O Judiciário entende que os danos causados pelo tabagismo são hipótese que se subsume ao artigo 12 do CDC, mas tão somente nos casos em que é possível fazer incidir o prazo prescricional de cinco anos do artigo 27 do CDC para extinguir a ação. Para ilustrar cita-se trecho de voto do Ministro Sidney Bennet no RE 782.433-MG:

"Moléstias que tenham o tabagismo como causa exclusiva ou agravante, são 'danos causados por fato do produto ou do serviço prestado', cuja ação de indenização de dano moral é subordinada ao prazo de cinco anos nos termos do art. 27 do Cód. De Defesa do Consumidor (lei 8078/1990)"

Já em casos em que não é possível aplicar-se a prescrição, exclui-se a aplicação do artigo 12, conforme voto do Ministro Luis Felipe Salomão no RE 113.804-RS: "(N)ão parece possível que o cigarro seja considerado um produto defeituoso, nos termos do que imaginara o Diploma Consumerista, no § 1º do art. 12".

Há ainda decisões que aplicam o artigo 12 aos casos de vítimas do tabagismo, mas para fazer incidir seu parágrafo 3º que exclui a responsabilidade por culpa exclusiva da vítima3.

Aplicação retroativa do CDC

O Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado retroativamente apenas e tão somente a benefício do consumidor, e nunca para prejudicá-lo.

Surpreendentemente, entretanto, quando o violador é alguma das duas empresas de cigarros que atuam no Brasil o cenário se inverte.

No RE 782.433-MG, a Ministra Nancy Andrighi, em voto vencido, alerta para esse fato ao criticar o voto relator que fez retroagir o CDC para aplicar a prescrição a caso cuja ação foi proposta antes de sua vigência:

"Consta do acórdão (...) que (o requerente) tomou conhecimento dos prejuízos e do seu causador (...) nos idos de 1989, portanto, há aproximadamente 14 (quatorze) meses antes da propositura da ação.(...) A lei 8.078/90 foi publicada no Diário Oficial da União em 12/9/1990, com uma vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias, cujo término deu-se em 11/3/1991, data da efetiva entrada em vigor do CDC. Portanto, o conhecimento do dano e de sua autoria se deu de 01 (um) a 02 (dois) anos antes do CDC entrar em vigor, quando então vigia o CC/16, (...). Dessa forma, a despeito de se tratar de norma especial, para que se possa concluir pela incidência, na espécie, do prazo prescricional de 05 (cinco) anos previsto no art. 27 do CDC, ter-se-á que admitir a aplicação retroativa deste diploma legal, ainda que, como fez o juiz de primeiro grau, se conte o prazo tão somente da entrada em vigor da lei.”

Já o Ministro Massami Uyeda, no RE 851.924-RS, ao decidir sobre valoração da prova, negou a retroatividade do CDC, o que beneficiaria o consumidor vítima do tabagismo: as disposições de proteção ao consumo não se fazem presentes porque os fatos ocorreram antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor

Algo de muito estranho parece ocorrer quando os réus são uma das duas empresas de tabaco em atuação no Brasil. Os princípios do ordenamento jurídico nacional invertem-se e a interpretação lhes é invariavelmente favorável, independente do caso.

Se a prova do nexo causal é contundente, apela-se para o livre arbítrio, para a licitude da atividade ou, até, para a responsabilidade dos pais. Se se impede o consumidor de produzir prova, a decisão fundamenta-se, justamente, na ausência de prova contundente do nexo causal. As evidências científicas tão bem demonstradas e aceitas durante as últimas décadas não são acatadas para confirmar o nexo causal. Antes ao contrário, são utilizadas para favorecer o argumento das duas empresas de que os males do tabagismo seriam conhecidos – pelo consumidor, nunca por elas – há tempos.

Aqui se abre parênteses para citar a histórica sentença Kessler4, proferida em ação movida pelo Governo Federal Norte-americano contra nove transnacionais do tabaco, entre elas empresas das quais as duas brasileiras são subsidiárias, em que se reconheceu que os réus buscaram proteger-se contra litígios e regulamentações por meio de (1) supressão e ocultação de pesquisas científicas, (2) destruição de documentos e (3) uso de instrumentos legais e de confidencialidade para evitar que outros documentos viessem a público. Essas estratégias utilizadas em nível global, Brasil incluso, e reconhecidas na decisão judicial revelam a clara ausência de boa-fé dessas empresas.

As crescentes dificuldades em se recorrer aos tribunais superiores enfrentadas pelos litigantes em geral não afetam essas duas empresas que, mesmo em situações restritas ao reexame de provas, garantem a ida de seus recursos àquelas instâncias para reverter as fundamentadas e comprovadas decisões condenatórias de primeiro e segundo graus de jurisdição.

Os seguintes questionamentos são inevitáveis: não haveria nenhuma situação em que essas empresas deveriam indenizar as vítimas do tabagismo? O Código de Defesa do Consumidor não se aplica a elas? Elas não respondem pelos ônus impostos por seus produtos? Os princípios constitucionais não devem ser utilizados na interpretação da lei quando tais empresas são parte em ações judiciais?

O ordenamento jurídico brasileiro claramente prioriza os direitos fundamentais. O artigo 5º da Constituição dá o tom para a interpretação das normas nacionais, e a defesa do consumidor é princípio da mais alta relevância (inciso XXXII). Não é preciso ser jurista para intuir que as leis são feitas, e devem ser interpretadas, para protegê-lo e defendê-lo.

O Código de Defesa do Consumidor, como não poderia deixar de ser, deve ser interpretado sempre a favor do consumidor, e não contra este. O Código é de defesa do consumidor e não de defesa do fornecedor. Há uma clara opção do legislador nesse caso.

As previsões quanto à responsabilidade civil têm evoluído a ponto de hoje a regra ser a responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, adotando-se a teoria do risco da atividade. Nesse sentido são os dispositivos do parágrafo único do artigo 927 e do artigo 931 do Código Civil/2002.

Um terceiro aspecto que se soma aos anteriores é o conceito de Diálogo das Fontes introduzido pela Professora Cláudia Lima Marques5. O ordenamento jurídico é uno, não se pode segregá-lo, e deve ser interpretado como um sistema, de forma que as normas dialogam para obter-se um resultado que atenda aos princípios priorizados pela Constituição, quais sejam, os direitos fundamentais, entre eles, a defesa do consumidor, garantindo que as empresas assumam os riscos e ônus de sua atividade e produto.

A simplicidade desse raciocínio, contudo, não tem encontrado ressonância na maior parte do Judiciário quando se trata de ações indenizatórias contra as duas maiores empresas de cigarro em atividade no Brasil.

É chegada a hora de o Poder Judiciário questionar-se sobre o porquê de não se conseguir condenar definitivamente, em nenhum caso, uma indústria que reconhecidamente mata 130 mil brasileiros por ano.­­­­­­­­­
__________
1A Indústria do Tabaco no Poder Judiciário: Pesquisa sobre ações judiciais indenizatórias promovidas contra a indústria do tabaco: Um retrato da posição do Poder Judiciário quanto à relação Fumante – Indústria do Tabaco, coordenação Clarissa Menezes Homsi, Aliança de Controle do Tabagismo, 2008 - clique aqui.
2SALAZAR, Andrea Lazzarini; GROU, Karina Bozola. Ações Indenizatórias Contra a Indústria do Tabaco: Estudo de Casos e Jurisprudência, Supervisão ACT, 2011 - clique aqui.
3Fernanda Nunes Barbosa e Mônica Andreis, O argumento da culpa da vítima como excludente da responsabilidade civil da indústria do cigarro: proposta de reflexão, in Revista de Direito do Consumidor - RDC, Ano 21, Vol.82, abr/jun, 2012, pg. 61-83.
4O Veredito Final: trechos do processo Estados Unidos x Philip Morris, publicação preparada por Mike Freibert, J.D., em edição de Kerry Cork, J.D. e Maggie Mahoney J.D. tradução Renata Galhanone. Edição Aliança de Controle do Tabagismo, 2008 - clique aqui.
5Cláudia Lima Marques et al, Manual de Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, 2ª tiragem, 2008, p. 87 e ss

__________
*Clarissa Menezes Homsi é advogada, coordenadora jurídica da ACTbr - Aliança de Controle do Tabagismo

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

ESCRITURA PÚBLICA DE TUPÃ RECONHECE POLIAMORISMO


ESCRITURA RECONHECE UNIÃO AFETIVA A TRÊS. 

21/08/2012

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM 


Foi divulgada essa semana uma Escritura Pública de União Poliafetiva que, de acordo com a tabeliã de notas e protestos da cidade de Tupã, interior de São Paulo, Cláudia do Nascimento Domingues,  pode ser considerada a primeira que trata sobre uniões poliafetivas no Brasil. Ela, tabeliã responsável pelo caso, explica que os três indivíduos: duas mulheres e um homem, viviam em união estável e desejavam declarar essa situação publicamente para a garantia de seus direitos. Os três procuraram diversos tabeliães que se recusaram a lavrar a declaração de convivência pública.  “Quando eles entraram em contato comigo, eu fui averiguar se existia algum impedimento legal e verifiquei que não havia. Eu não poderia me recusar a lavrar a declaração. O tabelião tem a função pública de dar garantia jurídica ao conhecimento de fato”, afirma.

Ela conta também que se sentiu bastante a vontade para tornar pública essa união envolvendo três pessoas, já que havia um desejo comum entre as partes, se tratava de pessoas capazes, sem envolvimento de nenhum menor e sem litígio. “Internamente não havia dúvida de que as três pessoas consideravam viver como entidade familiar e desejavam garantir alguns direitos. Minha dúvida é com as questões externas à relação. Não há legislação que trate sobre o assunto. A aceitação envolve a maturação do direito. 

Nesse caso, foi preciso atribuir o direito a partir de um fato concreto. Será que haverá algum questionamento?” reflete.
Para a vice- presidente do Instituto Brasileiro de Família, IBDFAM, Maria Berenice Dias, é preciso reconhecer os diversos tipos de relacionamentos que fazem parte da nossa sociedade atual.  “Temos que respeitar a natureza privada dos relacionamentos e aprender a viver nessa sociedade plural reconhecendo os diferentes desejos”, explica.

Maria Berenice não vê problemas em se assegurar direitos e obrigações a uma relação contínua e duradoura, só por que ela envolve a união de três pessoas. “O princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural. O código civil proíbe apenas casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso.  Essas pessoas trabalham, contribuem e, por isso, devem ter seus direitos garantidos. A justiça não pode chancelar a injustiça”, completa.

A escritura

“Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos  ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade.” A frase retirada da Escritura Pública Declaratória de União Poliafetiva resume bem o desejo das partes em tornar pública uma relação que consideram familiar e de união estável. A partir dessa premissa, a escritura trata sobre os direitos e deveres dos conviventes, sobre as relações patrimoniais bem como dispõe sobre a dissolução da união poliafetiva e sobre os efeitos jurídicos desse tipo de união. 

A partir da união estável, a escritura estabelece um regime patrimonial de comunhão parcial, análogo ao regime da comunhão parcial de bens estabelecido nos artigos 1.658 a 1.666 do Código Civil Brasileiro.  Nesse caso, eles decidiram que um dos conviventes exercerá a administração dos bens. Dentre os direitos e deveres dos conviventes está a assistência material e emocional eventualmente para o bem estar individual e comum; o dever da lealdade e manutenção da harmonia na convivência entre os três.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

ENTREVISTA. PAULO LÔBO. O AFETO NOS TRIBUNAIS.

Entrevista com o jurista Paulo Lôbo: decisões consagram afetividade como valor jurídico

Fonte: Boletim Eletrônico do IBDFAM.

Decisões recentes da Justiça como a que concedeu a guarda de um enteado à madrasta ou a que autorizou a inclusão do nome de outra que criou o enteado desde os dois anos na certidão de nascimento, juntamente com o da mãe biológica, apontam para o atendimento do princípio jurídico da afetividade. Também a parentalidade homoafetiva, com o reconhecimento de dois pais ou duas mães no registro civil de nascimento, é exemplo do que o jurista Paulo Lobo indica como consagração do entendimento da igualdade jurídica entre a filiação biológica e a afetiva. Confira a entrevista.

Estamos vendo, de fato, a consagração do princípio da afetividade no Brasil? Essa é uma realidade mais visível no país ou pode ser traduzida como tendência do direito ocidental atual?

A partir das grandes transformações do Direito de Família, nas últimas quatro décadas, o afeto migrou para o direito e neste se converteu em princípio jurídico da afetividade. O direito não pode obrigar uma pessoa a ter afeto real em relação a seu familiar ou parente, mas pode exigir deveres jurídicos correspondentes, cujo inadimplemento leva a sanções. Para o pai separado, por exemplo, além dos alimentos, há deveres (e direitos) de convivência com o filho, ou de contribuir para sua formação, que não se esgota na escola. O Brasil é, atualmente, um dos países de ponta nessa matéria.

Do ponto de vista da filiação, quais são as repercussões mais evidentes para o Direito de Família destas decisões e de sua divulgação pela mídia?

O princípio jurídico da afetividade oferece fundamento à construção brasileira doutrinária e jurisprudencial da socioafetividade nas relações de filiação. Consagrou-se o entendimento da igualdade jurídica entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva (doação, posse de estado de filho, inseminação artificial heteróloga), porque ambas são verdades reais, não podendo uma desconstituir a outra.

Estas novas orientações quanto à filiação atendem ao melhor interesse da criança?

O melhor interesse da criança é o farol que ilumina qualquer decisão. No passado recente, a criança não era protagonista considerada pelo direito, que se voltava a resolver conflitos de seus pais e parentes, como se fosse invisível.

Esse "movimento" pelo reconhecimento dos vínculos afetivos se relaciona com a atuação do IBDFAM em seus 15 anos de atividade?   

Certamente. O Ibdfam contribuiu decisivamente para a consolidação dessas novas categorias, mediante debates de ideias, congressos, produção de trabalhos e sugestões legislativas, propiciando ambiente favorável para convencimento de nosso poder judiciário desse caminho virtuoso.

sábado, 18 de agosto de 2012

REPORTAGEM DO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO SOBRE A DECISÃO DO TJSP SOBRE MULTIPARENTALIDADE.

FOLHA DE SÃO PAULO. CADERNO COTIDIANO.
SÃO PAULO, SÁBADO, 18 DE AGOSTO DE 2012.

MINHAS DUAS MÃES.

Em decisão inédita, Justiça inclui nome de madrasta na certidão de nascimento de jovem sem excluir o da mãe, que morreu três dias após o parto
 
FILIPE COUTINHO
JOHANNA NUBLAT
NÁDIA GUERLENDA
DE BRASÍLIA

Com duas mães e um pai. Foi assim que Augusto Guardia, 19, cresceu. Agora, é desse jeito que estará escrito em sua certidão de nascimento.
Nesta semana, o Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou acrescentar na certidão o nome da advogada Vivian Medina Guardia, 37, que casou com o pai de Augusto quando ele tinha dois anos.
Para especialistas, a decisão é histórica -é a primeira vez que um tribunal tem esse entendimento. O ineditismo está no fato de o nome da mãe biológica, morta três dias após o parto, ter sido mantido.
Ou seja, agora Augusto tem, legalmente, duas mães, um pai e seis avós.
"Sempre tratei minha madrasta, ou mãe socioafetiva, como minha mãe mesmo. Quando eu era criança, eu falava que tinha duas mães: uma no céu e uma na terra", diz o estudante de direito de Itu (SP).
Desde a morte de Eloísa Guardia, as três famílias (do pai, da mãe biológica e da mãe afetiva) se uniram, fazendo questão de criar o menino com fotos e histórias dela. Por isso, a opção de manter todos os laços na certidão.
"Para mim, era muito simples entrar com o processo de adoção, mas não era justo com a família dela", conta Vivian. Pela lei, na adoção, o nome da mãe biológica é substituído pelo da adotiva.
"Perdi minha mãe seis meses depois de casar. A avó materna de Augusto me socorria em tudo o que eu precisava. Formamos essa nova família. Hoje [ontem], quando dei a notícia da decisão, ela disse 'agora você consta no papel, e é minha filha também'."
A decisão do TJ-SP reverteu a sentença da primeira instância, que reconheceu a situação, mas argumentou não haver espaço na lei para a inscrição de duas mães.
Para Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), a decisão transporta para o direito uma situação real. "Se ele tem duas mães, não tem por que não ter os dois registros e os direitos."
O advogado e professor Flávio Tartuce, diretor do instituto em São Paulo, diz que a decisão supera "a escolha de Sofia" -em referência ao livro em que uma mãe tem de escolher qual dos dois filhos salvar.
"A jurisprudência escolhia um ou outro. Agora não, são os dois: o pai biológico e o afetivo." Ele diz que o reconhecimento da "multiparentalidade" terá efeitos em todas as esferas, mas principalmente em questões de herança e pensão.
Na única outra decisão semelhante de que se tem notícia, na primeira instância de Rondônia, isso ocorreu. Em março, uma juíza incluiu o pai biológico na certidão, ao lado do pai afetivo, e determinou que ele pagasse pensão.
Cotidiano

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

DECISÃO INÉDITA DO TJSP RECONHECE A MULTIPARENTALIDADE.

Prezados Amigos do Blog.
 
Segue jugado inédito e pioneiro, da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reconhecendo a multiparentalidade. 
A decisão determina a inclusão da madrasta, mãe socioafetiva, no registro civil, mantendo-se também a mãe biológico falecida.
 
Em suma, o filho passa a ter duas mães.  
 
Vejam em  http://www.flaviotartuce.adv.br/jurisprudencias/201208162006190.tjsp_multiparent.PDF.
 
 Trata-se de decisão inédita, que deve ser apoiada, dentro da ideia de família contemporânea plural.
 
O julgado me foi enviado pelo aluno da EPD Rodrigo Salerno.
 
Abraços do todos.
 
Professor Flávio Tartuce

terça-feira, 14 de agosto de 2012

V CONGRESSO PAULISTA DE DIREITO DE FAMÍLIA. IBDFAMSP

Prezados Amigos e Amigas Leitores do Blog. 

Reitero o convite para participarem do V Congresso Paulista de Direito de Família do IBDFAMSP. 
 
Além de ser um dos palestrantes, estou na organização do evento. 
 
 
Amanhã, 15/08/2012, é a última data para a inscrição no primeiro lote, com desconto de R$100,00.   
 
Destaco a participação do Ministro Sidnei Benetti, que falará sobre a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em matéria de sucessões. 
 
Alguns dos temas que serão tratados não são comuns nos diálogos relativos ao Direito de Família e das Sucessões, tais como "AS COMPANHIAS DE CAPITAL FECHADO E A LEGÍTIMA DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS: SÍNTESE E ANTÍTESE" (Rolf Madaleno) e  "'HOLDING' FAMILIAR E SUAS APLICAÇÕES NO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES" (Gladson Mamede).
 
A programação completa pode ser vista em http://www.ibdfam.org.br/congressosp2012/programacao.php.
 
As incrições podem ser feitas em http://www.ibdfam.org.br/congressosp2012/inscricao.php.
 
Conto com a presença de todos.
 
Professor Flávio Tartuce

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

NOVO ARTIGO. CONTRATOS COLIGADOS.

Contratos Coligados e sua função social

Flávio Tartuce
 
Publicado no Jornal Carta Forense. Edição de agosto. 
 
Os contratos coligados têm grande relevância no mundo contemporâneo, representando clara expressão da função social dos pactos, prevista, entre outros dispositivos, pelo art. 421 do Código Civil de 2002. Trata-se de situação muito comum na realidade pós-moderna, notadamente pelo incremento das relações jurídicas imateriais e incorpóreas pela via digital.

Em um contexto de sua definição, conforme se extrai da obra de Orlando Gomes, “Os contratos coligados são queridos pelas partes contratantes como um todo. Um depende do outro de tal modo que cada qual, isoladamente, seria desinteressante. Mas não se fundem. Conservam a individualidade própria, por isso se distinguindo dos contratos mistos”.[1] Entre os contemporâneos, expõe Ruy Rosado de Aguiar Jr. que “é possível que os figurantes fujam do figurino comum e enlacem diversas convenções singulares (ou simples) num vínculo de dependência, acessoriedade, subordinação ou causalidade, reunindo-as ou coligando-as de modo tal que as vicissitudes de um possam influir sobre o outro”[2]. Concebe-se, portanto, na linha da doutrina esposada, que os contratos coligados ou conexos são os negócios que estão interligados por um ponto ou nexo de convergência, seja ele direto ou indireto, material ou imaterial. Em muitas situações concretas, é possível identificar um negócio tido como principal e outro como acessório dentro da reunião ou grupos de contratos.   

O fenômeno revela a realidade da hipercomplexidade contratual, o que gera a incidência imediata de diversas normas à conexão, caso do Código Civil de 2002 e do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, em incessante diálogo de interação. Claras coligações são percebidas nos contratos eletrônicos e relativos às comunicações, nos contratos bancários, nos negócios de plano de saúde e nos contratos celebrados para a aquisição da casa própria; os últimos muito bem abordados no belo trabalho de Rodrigo Xavier Leonardo, que prefere o termo redes contratuais, propondo uma sutil diferenciação em relação à coligação contratual.[3] Em todas as hipóteses citadas, as duas normas têm subsunção concomitante, sem prejuízo de outras leis que podem incidir, de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

Destaque-se, nesse contexto, a aplicação das regras da teoria geral do negócio jurídico e da teoria geral dos contratos à coligação, caso dos seus princípios informadores. Nessa linha, o Enunciado n. 421, da V Jornada de Direito Civil do Superior Tribunal de Justiça, prescreve que “Os contratos coligados devem ser interpretados segundo os critérios hermenêuticos do Código Civil, em especial os dos arts. 112 e 113, considerada a sua conexão funcional”. Sendo assim, pela última norma, incidem às coligações os princípios da boa-fé e da função social, este pela expressão relativa aos usos do local da celebração do negócio. Não se olvide, ainda, a possibilidade de aplicação de princípios constitucionais à conexão, como nos casos em que o contrato envolve valores fundamentais protegidos pelo Texto Maior, como a saúde e a moradia.

A jurisprudência nacional tem enfrentado concreções relativas às responsabilidades que decorrem de tais interações contratuais, inclusive no âmbito de incidência da Lei Consumerista. A título de exemplo, diante da conexão contratual, julgado do Tribunal Paulista entendeu pela responsabilidade solidária do laboratório que realizou a análise clínica, do hospital que o sedia e do plano de saúde por erro de diagnóstico, determinando o pagamento de indenização por danos morais a consumidor prejudicado pelo resultado equivocado (TJSP, Apelação Cível n. 568.839.4/6, Acórdão n. 3945845, São Paulo, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Francisco Loureiro, julgado em 16/07/2009, DJESP 10/08/2009). Aplicou-se a premissa da solidariedade na prestação de serviços, retirada do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Do Superior Tribunal de Justiça podem ser destacados os arestos que concluem que o inadimplemento de um determinado contrato pode gerar a extinção de outro, diante de uma relação de interdependência. A ilustrar, precisa ementa da lavra do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, segundo a qual “celebrados dois contratos coligados, um principal e outro secundário, o primeiro tendo por objeto um lote com casa de moradia, e o segundo versando sobre dois lotes contíguos, para área de lazer, a falta de pagamento integral do preço desse segundo contrato pode levar à sua resolução, conservando-se o principal, cujo preço foi integralmente pago” (STJ, REsp 337.040/AM, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., QUARTA TURMA, julgado em 02.05.2002, DJ 01.07.2002).

Da mesma Corte Superior, entende-se que o contrato de trabalho entre clube e atleta profissional é o negócio principal, sendo o contrato de exploração de imagem, o negócio jurídico acessório, o que é fundamental para fixar a competência da Justiça do Trabalho para apreciar a lide envolvendo os pactos (STJ, AgRg no CC 69.689/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/09/2009, DJe 02/10/2009). Cumpre destacar, ato contínuo, decisão superior que reconheceu a dependência econômica de contratos comuns no mercado de combustíveis, caso dos contratos de fornecimento e de comodato de equipamentos, celebrados entre distribuidoras e postos revendedores (STJ, REsp. 985.531/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 28/10/2009).

Numerosos outros exemplos podem ser retirados da prática contratual e da jurisprudência nacional, sendo a coligação contratual uma realidade e um desafio que merece especial atenção dos estudiosos e aplicadores do Direito. Cabe à civilística desatar os nós que muitas vezes são encontrados nas conexões negociais, para as corretas interpretações e julgamentos relativos à matéria. Os princípios contratuais contemporâneos são importantes ferramentas para tais intricadas tarefas.



[1] GOMES, Orlando. Contratos. Atualizadores Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino. Coord. Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 26ª Edição, 2007, p. 121.
[2] AGUIAR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (Resolução). Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 37.
[3] LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes contratuais no mercado habitacional. São Paulo: RT, 2003.