quarta-feira, 31 de agosto de 2016

COLUNA DO MIGALHAS DE AGOSTO. DA EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. PRIMEIRA PARTE. DA MEDIAÇÃO.

DA EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. PRIMEIRA PARTE. DA MEDIAÇÃO


Flávio Tartuce.[1]



O Novo Código de Processo Civil, em vigor no País desde o dia 18 de março de 2016, tem como um dos seus nortes principiológicos a desjudicialização dos conflitos e contendas. Entre as suas normas fundamentais, preceitua o Estatuto Processual emergente que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º). Além disso, está previsto que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, § 3º, do CPC/2015).
No que diz respeito às ações de família, o texto normativo instrumental parece ser peremptório quanto à necessidade de se realizar a audiência de mediação ou conciliação, estabelecendo o caput do art. 695 do Novo CPC que “recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação”. Como bem observa Daniel Amorim Assumpção Neves, “no procedimento comum, a audiência de conciliação e mediação pode não ocorrer quando ambas as partes se opuserem à sua realização. Nas ações de família, entretanto, o silêncio do art. 695 do Novo CPC permite a conclusão de que nessas ações a audiência é obrigatória, independentemente da vontade das partes” (Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1.099).
Passados cinco meses de entrada em vigor dessas regras, a verdade é que todas essas regras não estão sendo aplicadas, por falta de uma necessária estruturação do Poder Judiciário. O Estado – em sentido amplo –, precisa contratar urgentemente mediadores e conciliadores judiciais capacitados e remunerá-los devidamente, para exercer as atribuições previstas na nova lei.
Tal atuação exige uma formação específica, com investimentos públicos e privados, que deveriam ter sido realizados no prazo de vacatio legis do CPC/2015, o que não ocorreu. Como tenho dito em aulas e palestras, infelizmente, não nos preparamos para o Novo CPC quando deveríamos tê-lo feito, em 2015, justamente no lapso de vacância. Houve uma preocupação com outros temas, que não aqueles que mais nos interessam diretamente.
A par dessa realidade, em iniciativa louvável, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CJF) promoveu, nos dias 22 e 23 de agosto últimos, a I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios. O evento aconteceu em Brasília, com a participação de ministros do STJ, magistrados federais e estaduais, procuradores, promotores de Justiça, advogados, defensores públicos e professores universitários. O seu foco principal foi a discussão de propostas para soluções desjudicializadas de conflitos, em adequação às inovações legislativas não só do Novo CPC como também da Lei 13.140/2015, conhecida como Marco Civil da Mediação.
Na linha das já consagradas Jornadas de Direito Civil, também promovidas pelo Conselho da Justiça Federal, o encontro teve a competente coordenação geral do Ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, e a atuação do Ministro Antonio Carlos Ferreira, coordenador da comissão de trabalho de arbitragem; do professor Kazuo Watanabe, coordenador da comissão sobre mediação, e do professor Joaquim Falcão, coordenador do grupo sobre outras formas de soluções de conflitos.
Tive a honra de atuar como especialista convidado, ao lado de outros quarenta colegas, e com a participação total de cerca de 150 juristas de todo o País. Ao final foram aprovados 104 enunciados, que constituem uma doutrina qualificada tendo “força persuasiva de caráter técnico-jurídico, não se confundindo com a posição do Conselho da Justiça Federal e de seu Centro de Estudos Judiciários, bem como de seus membros quando do exercício da função pública, sobre o mérito de eventuais conflitos administrativos ou judiciais a eles submetidos” (art. 34 da Portaria 169/2016 do CJF, que regulamenta a Jornada).
Aqui iniciamos uma série de textos de comentários sobre algumas das propostas aprovadas, relativas ao Direito de Família e das Sucessões. Serão comentados os enunciados divulgados em primeira mão pelo informativo Migalhas (disponíveis em: ). Não será apontada a sua numeração, pois ela ainda pende de revisão e confirmação pela organização do encontro.
O tema inaugural a ser tratado é justamente a mediação, que tanto necessita de investimentos, para se deixar de lado uma frase sempre repetida pela professora Giselle Câmara Groeninga em suas exposições, no sentido de que “no Brasil há mais cursos de mediação do que mediações em curso”. O primeiro enunciado aprovado sobre o assunto foi justamente na linha de se incentivar a sua prática pelo Estado, eis que “a mediação é método de tratamento adequado de controvérsias que deve ser incentivada pelo Estado, com ativa participação da sociedade, como forma de acesso à Justiça e à ordem jurídica justa”. Com essa afirmação, adota-se uma postura de efetivação das regras constantes dos parágrafos do art. 3º do Novo CPC antes destacados.
Mas não basta o investimento estatal. Também se faz necessária a mudança cultural no ensino do Direito. É preciso substituir a cultura da guerra, do contencioso, da vitória e da derrota, transmitidas nas Faculdades de Direito, pela cultura da paz, da resolução, do diálogo e do reconhecimento do outro. Nesse contexto, algumas propostas interessantes foram aprovadas. Assim, enunciou-se que “recomenda-se que as Faculdades de Direito mantenham estágios supervisionados nos escritórios de prática jurídica para formação em mediação e conciliação e promovam parcerias com entidades formadoras de conciliadores e mediadores, inclusive tribunais, MP, OAB, Advocacia Pública e Defensoria Pública”. E ainda: “sugere-se que as Faculdades de Direito instituam disciplinas obrigatórias e autônomas e projetos de extensão destinados à arbitragem, à mediação e à conciliação”. Por fim, quanto ao tema, destaque-se: “propõe-se a implementação da cultura de resolução de conflitos por meio de mediação, como política pública, nos diversos segmentos do sistema educacional, visando auxiliar na resolução extrajudicial de conflitos de qualquer natureza, utilizando mediadores externos ou capacitando alunos e professores para atuarem como facilitadores do diálogo na resolução e prevenção dos conflitos surgidos nesses ambientes”. Os investimentos, assim, não são apenas do Poder Público, mas também dos entes privados, notadamente das instituições de ensino. Sem essa mudança embrionária, concretizada nos primeiros anos da formação jurídica, a mediação nunca se tornará realidade. 
No que diz respeito ao modo de se operacionalizar a mediação, aprendi com a minha irmã, Fernanda Tartuce, que nela não se busca o acordo, mas sim o diálogo entre as partes. Não se busca apenas o resultado quantitativo, o cumprimento de eventuais metas numéricas, mas sim a qualidade da interação, na aproximação das partes. E, nessa esteira, louva-se a aprovação de proposta estabelecendo que “a expressão ‘sucesso ou insucesso’ do artigo 167, parágrafo 3º, do CPC não deve ser interpretada como quantidade de acordos realizados, mas a partir de uma avaliação qualitativa da satisfação das partes com o resultado e com o procedimento, fomentando a escolha da Câmara, do conciliador ou do mediador com base nas suas qualificações e não nos resultados meramente quantitativos”.
Com relação direta com as ações de família, foi aprovada outra interessante proposta, no sentido de se possibilitar a participação de crianças, adolescentes e jovens na mediação, especialmente nas contendas relativas à guarda de filhos: “é admissível, no procedimento de mediação, em casos de fundamentada necessidade, a participação de crianças, adolescentes e jovens – respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão – quando o conflito (ou parte dele) estiver relacionado aos seus interesses ou direitos”. As justificativas da proposição mencionam o art. 227 da Constituição Federal, na expressão de ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais. Assim, a criança e o adolescente têm direito à liberdade de opinião e de expressão, o que incide no procedimento de resolução de conflitos.
Por fim, neste primeiro texto sobre o assunto cabe destacar a delicada questão da capacitação dos mediadores extrajudiciais, objeto de proposições antagônicas, que muito foram debatidas pela comissão de mediação. Havia proposta no sentido de que poderá funcionar como mediador extrajudicial, qualquer pessoa capaz, de confiança das partes e que possua a capacitação mínima exigida pelo Conselho Nacional de Justiça. Na mesma linha almejava-se que “a capacitação do mediador extrajudicial de que trata o art. 9º da Lei de Mediação deve atender aos parâmetros curriculares estabelecidos pelo CNJ”.
Com tom antagônico, outra proposição sugeria o seguinte texto de enunciado: “para atuar como mediador extrajudicial, os únicos requisitos exigidos pela Lei n. 13.140/15 são: capacidade civil plena, confiança das partes e capacitação, sendo que essa capacitação, diferentemente da judicial, não contempla requisitos mínimos estipulados pelo CNJ ou outro órgão”. Compartilhando essa via, em tom até mais contundente “a capacitação do mediador privado, prevista no art. 9º da Lei n. 13.140/2015, significa que deve ter vocação, reputação ilibada, confiança dos envolvidos e aptidão para mediar, não sendo necessário certificado de conclusão de curso, conforme os parâmetros fixados pelo Conselho Nacional de Justiça e Ministério da Justiça, exigência que se destina a mediadores judiciais; sendo, porém, recomendável que tenha acesso a cursos que lhe propiciem o acesso aos princípios orientadores da mediação e o aperfeiçoamento constante das técnicas”.
Ao final, acabou sendo aprovada uma proposta de consenso, no meio do caminho, mas mais próxima das últimas, com o seguinte texto: “a menção à capacitação do mediador extrajudicial, prevista no art. 9 da Lei 13.140, indica que ele deve ter experiência, vocação, confiança dos envolvidos e aptidão para mediar, bem como conhecimento dos fundamentos da mediação, não bastando a formação em outras áreas do saber que guardem relação com o mérito do conflito”. Assim, não há a necessidade obrigatória de vinculação à formação efetivada pelo Conselho Nacional de Justiça, o que é salutar.
Em suma, o evento mostrou que muitos são os desafios futuros relativos à extrajudicialização, e que outras jornadas sobre o assunto são essenciais, para que as regras previstas no Novo Código de Processo Civil sejam, de fato, concretizadas. Mas o Direito de Família não foi objeto somente da comissão de trabalhos sobre mediação. No próximo texto, veremos os debates ocorridos na comissão de arbitragem, onde atuamos diretamente.














[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu da EPD, sendo coordenador dos últimos. Diretor do IBDFAM – Nacional e IBDFAM/SP. Advogado e consultor jurídico

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