quarta-feira, 18 de junho de 2014
quinta-feira, 12 de junho de 2014
RESUMO. INFORMATIVO 541 DO STJ.
RESUMO. INFORMATIVO 541
DO STJ.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. CUMULAÇÃO DA MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC COM A
INDENIZAÇÃO PELO RECONHECIMENTO DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ (ARTS. 17, VII, E 18, §
2º, DO CPC). RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). A
multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC tem caráter eminentemente
administrativo – punindo conduta que ofende a dignidade do tribunal e a função
pública do processo –, sendo possível sua cumulação com a sanção prevista nos
arts. 17, VII, e 18, § 2º, do CPC, de natureza reparatória. De fato, como bem anota a doutrina e demonstra a
jurisprudência, os embargos de declaração, em que pese a sua
imprescindibilidade como precioso instrumento para aprimoramento da prestação
jurisdicional, sobressaem como o recurso com mais propensão à procrastinação,
despertando a atenção do legislador. Nesse passo, extrai-se da leitura do art.
538, parágrafo único, do CPC que o legislador, previu, para o primeiro manejo,
a mesma multa contida no art. 18, caput, ampliando, todavia, as
hipóteses de incidência da reprimenda do art. 17, VII, pois a norma especial
(art. 538) não exige o “intuito” manifestamente protelatório, isto é, dispensa
a caracterização da culpa grave ou do dolo por parte do recorrente – exigida
pela regra geral (art. 18). Observa-se, assim, que o legislador não pretendeu
conferir tratamento mais benevolente ao litigante de má-fé que se utiliza do
expediente do manejo de aclaratórios com intuito procrastinatório, tampouco
afastou a regra processual geral, prevista no art. 18, § 2º, do CPC, que prevê
indenização à parte contrária, em caso de utilização de expediente com intuito
manifestamente protelatório. Nessa linha, como princípio de hermenêutica, não
compete ao intérprete distinguir onde o legislador, podendo, não o fez. Desse
modo, não se deve considerar a melhor interpretação a que determina que a norma
especial afasta, por si só, integralmente, a norma geral, inclusive naquilo em
que claramente não são incompatíveis. Assim, conforme a doutrina, as
disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações
particulares, por isso, ainda em casos em que se paire dúvida, deve-se, como
regra basilar de hermenêutica, interpretar restritamente as disposições
especiais que derrogam as gerais, pois não pretendem ir além do que o seu texto
prescreve. Com efeito, mostra-se possível a cumulação da multa prevista no art.
538, parágrafo único, do CPC com a condenação a indenizar prevista nos arts.
17, VII, e 18, § 2º, do CPC, em caso de manejo de embargos de declaração com o
intuito claramente protelatório. Precedentes do STJ: EDcl nos EDcl nos EDcl no
AgRg no REsp 314.173-MG, Segunda Turma, DJ 10/3/2003; REsp 544.688-SP, Quinta
Turma, julgado em 28/10/2003, DJ 24/11/2003. Precedentes do STF: RE 202.097
ED-EDv-AgR-ED, Tribunal Pleno, DJ 14/11/2003, AO 1407 QO-ED-ED, Segunda Turma,
DJe 14/8/2009. REsp
1.250.739-PA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/12/2013.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO DE
ALIMENTOS EM PROVEITO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C
DO CPC E RES. 8/2008-STJ). O Ministério Público tem legitimidade ativa
para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente,
independentemente do exercício do poder familiar dos pais, ou de o infante se
encontrar nas situações de risco descritas no art. 98 do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), ou de quaisquer outros questionamentos acerca da
existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca. De fato, o art. 127 da CF traz, em seu caput,
a identidade do MP, seu núcleo axiológico, sua vocação primeira, que é ser
“instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis”. Ademais, nos incisos I a VIII
do mesmo dispositivo, a CF indica, de forma meramente exemplificativa, as
funções institucionais mínimas do MP, trazendo, no inciso IX, cláusula de
abertura que permite à legislação infraconstitucional o incremento de outras
atribuições, desde que compatíveis com a vocação constitucional do MP. Diante
disso, já se deduz um vetor interpretativo invencível: a legislação
infraconstitucional que se propuser a disciplinar funções institucionais do MP
poderá apenas elastecer seu campo de atuação, mas nunca subtrair atribuições já
existentes no próprio texto constitucional ou mesmo sufocar ou criar embaraços
à realização de suas incumbências centrais, como a defesa dos “interesses
sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF) ou do respeito “aos
direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a
sua garantia” (art. 129, II, da CF). No ponto, não há dúvida de que a defesa
dos interesses de crianças e adolescentes, sobretudo no que concerne à sua
subsistência e integridade, insere-se nas atribuições centrais do MP, como
órgão que recebeu a incumbência constitucional de defesa dos interesses
individuais indisponíveis. Nesse particular, ao se examinar os principais
direitos da infância e juventude (art. 227, caput, da CF), percebe-se
haver, conforme entendimento doutrinário, duas linhas principiológicas básicas
bem identificadas: de um lado, vige o princípio da absoluta prioridade desses
direitos; e, de outro lado, a indisponibilidade é sua nota predominante, o que
torna o MP naturalmente legitimado à sua defesa. Além disso, é da própria letra
da CF que se extrai esse dever que transcende a pessoa do familiar envolvido,
mostrando-se eloquente que não é só da família, mas da sociedade e do Estado, o
dever de assegurar à criança e ao adolescente, “com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação” (art. 227, caput), donde se
extrai o interesse público e indisponível envolvido em ações direcionadas à
tutela de direitos de criança e adolescente, das quais a ação de alimentos é
apenas um exemplo. No mesmo sentido, a CF consagra como direitos sociais a
“alimentação” e “a proteção à maternidade e à infância” (art. 6º), o que
reforça entendimento doutrinário segundo o qual, em se tratando de interesses
indisponíveis de crianças ou adolescentes (ainda que individuais), e mesmo de
interesses coletivos ou difusos relacionados com a infância e a juventude, sua
defesa sempre convirá à coletividade como um todo. Além do mais, o STF (ADI
3.463, Tribunal Pleno, DJe 6/6/2012) acolheu expressamente entendimento segundo
o qual norma infraconstitucional que, por força do inciso IX do art. 129 da CF,
acresça atribuições ao MP local relacionadas à defesa da criança e do
adolescente, é consentânea com a vocação constitucional do Parquet. Na
mesma linha, é a jurisprudência do STJ em assegurar ao MP, dada a qualidade dos
interesses envolvidos, a defesa dos direitos da criança e do adolescente,
independentemente de se tratar de pessoa individualizada (AgRg no REsp
1.016.847-SC, Segunda Turma, DJe 7/10/2013; e EREsp 488.427-SP, Primeira Seção,
DJe 29/9/2008). Ademais, não há como diferenciar os interesses envolvidos para
que apenas alguns possam ser tutelados pela atuação do MP, atribuindo-lhe
legitimidade, por exemplo, em ações que busquem tratamento médico de criança e
subtraindo dele a legitimidade para ações de alimentos, haja vista que tanto o
direito à saúde quanto o direito à alimentação são garantidos diretamente pela
CF com prioridade absoluta (art. 227, caput), de modo que o MP detém
legitimidade para buscar, identicamente, a concretização, pela via judicial, de
ambos. Além disso, não haveria lógica em reconhecer ao MP legitimidade para
ajuizamento de ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos, ou
mesmo a legitimidade recursal em ações nas quais intervém – como reiteradamente
vem decidindo a jurisprudência do STJ (REsp 208.429-MG, Terceira Turma, DJ
1/10/2001; REsp 226.686-DF, Quarta Turma, DJ 10/4/2000) –, subtraindo-lhe essa
legitimação para o ajuizamento de ação unicamente de alimentos, o que contrasta
com o senso segundo o qual quem pode mais pode menos. De mais a mais, se
corretamente compreendida a ideologia jurídica sobre a qual o ECA, a CF e
demais diplomas internacionais foram erguidos, que é a doutrina da proteção
integral, não se afigura acertado inferir que o art. 201, III, do ECA – segundo
o qual compete ao MP promover e acompanhar as ações de alimentos e os
procedimentos de suspensão e destituição do poder familiar, nomeação e remoção
de tutores, curadores e guardiães, bem como oficiar em todos os demais
procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude – só tenha
aplicação nas hipóteses previstas no art. 98 do mesmo diploma, ou seja, quando
houver violação de direitos por parte do Estado, por falta, omissão ou abuso
dos pais ou em razão da conduta da criança ou adolescente, ou ainda quando não
houver exercício do poder familiar. Isso porque essa solução implicaria
ressurgimento do antigo paradigma superado pela doutrina da proteção
integral, vigente durante o Código de Menores, que é a doutrina do
menor em situação irregular. Nesse contexto, é decorrência lógica da doutrina
da proteção integral o princípio da intervenção precoce, expressamente
consagrado no art. 100, parágrafo único, VI, do ECA, tendo em vista que há que
se antecipar a atuação do Estado exatamente para que o infante não caia no que
o Código de Menores chamava situação irregular, como nas hipóteses de
maus-tratos, violação extrema de direitos por parte dos pais e demais
familiares. Além do mais, adotando-se a solução contrária, chegar-se-ia em um
círculo vicioso: só se franqueia ao MP a legitimidade ativa se houver ofensa ou
ameaça a direitos da criança ou do adolescente, conforme previsão do art. 98 do
ECA. Ocorre que é exatamente mediante a ação manejada pelo MP que se
investigaria a existência de ofensa ou ameaça a direitos. Vale dizer, sem
ofensa não há ação, mas sem ação não se descortina eventual ofensa. Por fim,
não se pode confundir a substituição processual do MP – em razão da qualidade
dos direitos envolvidos, mediante a qual se pleiteia, em nome próprio, direito
alheio –, com a representação processual da Defensoria Pública. Realmente, o
fato de existir Defensoria Pública relativamente eficiente na comarca não se
relaciona com a situação que, no mais das vezes, justifica a legitimidade do
MP, que é a omissão dos pais ou responsáveis na satisfação dos direitos mínimos
da criança e do adolescente, notadamente o direito à alimentação. É bem de ver
que – diferentemente da substituição processual do MP – a assistência
judiciária prestada pela Defensoria Pública não dispensa a manifestação de
vontade do assistido ou de quem lhe faça as vezes, além de se restringir, mesmo
no cenário da Justiça da Infância, aos necessitados, no termos do art. 141, §
1º, do ECA. Nessas situações, o ajuizamento da ação de alimentos continua ao
alvedrio dos responsáveis pela criança ou adolescente, ficando condicionada,
portanto, aos inúmeros interesses rasteiros que, frequentemente, subjazem ao
relacionamento desfeito dos pais. Ademais, sabe-se que, em não raras vezes, os
alimentos são pleiteados com o exclusivo propósito de atingir o ex-cônjuge, na
mesma frequência em que a pessoa detentora da guarda do filho se omite no
ajuizamento da demanda quando ainda remanescer esperança no restabelecimento da
relação. Enquanto isso, a criança aguarda a acomodação dos interesses dos pais,
que nem sempre coincidem com os seus. REsp
1.265.821-BA e REsp
1.327.471-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 14/5/2014.
DIREITO CIVIL.
INOPONIBILIDADE DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO CASO DE COPROPRIEDADE ANTERIOR
À ABERTURA DA SUCESSÃO. A viúva não pode opor o direito real de
habitação aos irmãos de seu falecido cônjuge na hipótese em que eles forem,
desde antes da abertura da sucessão, coproprietários do imóvel em que ela
residia com o marido. De
fato, o direito real de habitação (arts. 1.611, § 2º, do CC/1916 e 1.831 do
CC/2002) tem como essência a proteção do direito de moradia do cônjuge
supérstite, dando aplicação ao princípio da solidariedade familiar. Nesse
contexto, de um lado, vislumbrou-se que os filhos devem, em nome da
solidariedade familiar, garantir ao seu ascendente a manutenção do lar; de
outro lado, extraiu-se da ordem natural da vida que os filhos provavelmente
sobreviverão ao habitador, momento em que poderão exercer, na sua plenitude, os
poderes inerentes à propriedade que detêm. Ocorre que, no caso em que o cônjuge
sobrevivente residia em imóvel de copropriedade do cônjuge falecido com os
irmãos, adquirida muito antes do óbito, deixa de ter razoabilidade toda a
matriz sociológica e constitucional que justifica a concessão do direito real
de habitação ao cônjuge sobrevivente, pois não há elos de solidariedade entre
um cônjuge e os parentes do outro, com quem tem apenas vínculo de afinidade,
que se extingue, à exceção da linha reta, quando da dissolução do casamento.
Além do mais, do contrário, estar-se-ia admitindo o direito real de habitação
sobre imóvel de terceiros, em especial porque o condomínio formado pelos
familiares do falecido preexiste à abertura da sucessão. Precedente citado:
REsp 1.212.121-RJ, Quarta Turma, DJe 18/12/2013. REsp
1.184.492-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/4/2014.
DIREITO CIVIL E
PROCESSUAL CIVIL. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA QUITAÇÃO DADA EM
ESCRITURA PÚBLICA. A quitação dada em escritura pública gera presunção
relativa do pagamento, admitindo prova em contrário que evidencie a invalidade
do instrumento eivado de vício que o torne falso. Com efeito, nos termos do art. 215 do CC, a escritura
lavrada em cartório tem fé pública, o que significa dizer que é documento
dotado de presunção de veracidade. O que ocorre com a presunção legal do
referido dispositivo é a desnecessidade de se provar os fatos contidos na
escritura (à luz do que dispõe o art. 334, IV, do CPC) e também a inversão do
ônus da prova, em desfavor de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade.
Outro não é o motivo pelo qual os arts. 214 e 216 da Lei 6.015/1976 (Lei de
Registros Públicos) assim preveem: “As nulidades de pleno direito do registro,
uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta” e “O registro
poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso,
ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de
ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução”. Portanto, a quitação dada
em escritura pública não é uma “verdade indisputável”, na medida em que admite
a prova de que o pagamento não foi efetivamente realizado, evidenciando, ao
fim, a invalidade do instrumento em si, porque eivado de vício que o torna
falso. Assim, entende-se que a quitação dada em escritura pública presume o
pagamento, até que se prove o contrário. REsp
1.438.432-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/4/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DE ASSINATURA DIGITALIZADA
PARA INTERPOR RECURSO. Não se admite o recurso interposto mediante
aposição de assinatura digitalizada do advogado. De início, é importante ressaltar que a assinatura
digitalizada não se confunde com a assinatura eletrônica, a qual, nos termos do
art. 1º, § 2º, III, “a” e “b”, da Lei 11.419/2006, deve estar baseada em
certificado digital emitido por Autoridade Certificadora Credenciada, na forma
da lei específica ou mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme
disciplinado pelos órgãos específicos. Esse prévio cadastramento, seja perante
a autoridade certificadora, seja perante os órgãos do Poder Judiciário, visa
exatamente resguardar a segurança na identificação dos usuários e a
autenticidade das assinaturas feitas por meio eletrônico. Desse modo, a
assinatura digital passa a ter o mesmo valor da assinatura original, feita de
próprio punho pelo advogado, na peça processual. Diferente é a hipótese da
assinatura digitalizada, normalmente feita mediante o processo de escaneamento,
em que, conforme já consignado pelo STF, há “mera chancela eletrônica sem
qualquer regulamentação e cuja originalidade não é possível afirmar sem o
auxílio de perícia técnica” (AI 564.765-RJ, Primeira Turma, DJ 17/3/2006). Com
efeito, a reprodução de uma assinatura, por meio do escaneamento, sem qualquer
regulamentação, é arriscada na medida em que pode ser feita por qualquer pessoa
que tenha acesso ao documento original e inserida em outros documentos. Desse
modo, não há garantia alguma de autenticidade. Note-se que não se está
afastando definitivamente a possibilidade de utilização do método da
digitalização das assinaturas. Verifica-se, apenas, que ele carece de
regulamentação que lhe proporcione a segurança necessária à prática dos atos
processuais. Embora, na moderna ciência processual, seja consagrado o princípio
da instrumentalidade das formas, sua aplicação deve encontrar limites
exatamente no princípio da segurança jurídica. Não se trata de privilegiar a
forma pela forma, mas de conferir aos jurisdicionados, usuários das modernas
ferramentas eletrônicas, o mínimo de critérios para garantir a autenticidade e
integridade de sua identificação no momento da interposição de um recurso ou de
apresentação de outra peça processual. Posto isso, considera-se como
inexistente o recurso cuja assinatura para identificação do advogado foi obtida
por digitalização. REsp
1.442.887-BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/5/2014.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA DO CDC AOS CONTRATOS DE APLICAÇÃO FINANCEIRA EM FUNDOS
DE INVESTIMENTO. O CDC é aplicável aos contratos referentes a
aplicações em fundos de investimento firmados entre as instituições financeiras
e seus clientes, pessoas físicas e destinatários finais, que contrataram o
serviço da instituição financeira par investir economias amealhadas ao longo da
vida. Nessa situação, é
aplicável o disposto na Súmula 297 do STJ, segundo a qual “O Código de Defesa
do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Precedentes citados:
REsp 1.214.318-RJ, Terceira Turma, DJe de 18/9/2012; e REsp 1.164.235-RJ,
Terceira Turma, DJe de 29/2/2012. REsp
656.932-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 24/4/2014.
DIREITO CIVIL.
NÃO ACIONAMENTO DO MECANISMO STOP LOSS PREVISTO EM CONTRATO DE INVESTIMENTO. A
instituição financeira que, descumprindo o que foi oferecido a seu cliente,
deixa de acionar mecanismo denominado “stop loss” pactuado
em contrato de investimento incorre em infração contratual passível de gerar a
obrigação de indenizar o investidor pelos prejuízos causados. Com efeito, o risco faz parte da aplicação em fundos
de investimento, podendo a instituição financeira criar mecanismos ou oferecer
garantias próprias para reduzir ou afastar a possibilidade de prejuízos
decorrentes das variações observadas no mercado financeiro interno e externo.
Nessa linha intelectiva, ante a possibilidade de perdas no investimento, cabe à
instituição prestadora do serviço informar claramente o grau de risco da
respectiva aplicação e, se houver, as eventuais garantias concedidas
contratualmente, sendo relevantes as propagandas efetuadas e os prospectos
entregues ao público e ao contratante, os quais obrigam a contratada. Neste
contexto, o mecanismo stop loss, como o próprio nome indica, fixa o
ponto de encerramento de uma operação financeira com o propósito de “parar” ou
até de evitar determinada “perda”. Assim, a falta de observância do referido
pacto permite a responsabilização da instituição financeira pelos prejuízos
suportados pelo investidor. Na hipótese em foco, ainda que se interprete o
ajuste firmado, tão somente, como um regime de metas quanto ao limite de perdas,
não há como afastar a responsabilidade da contratada, tendo em vista a
ocorrência de grave defeito na publicidade e nas informações relacionadas aos
riscos dos investimentos. REsp
656.932-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 24/4/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA EM AÇÕES COLETIVAS EM
SENTIDO ESTRITO. A Defensoria Pública não possui legitimidade
extraordinária para ajuizar ação coletiva em favor de consumidores de
determinado plano de saúde particular que, em razão da mudança de faixa etária,
teriam sofrido reajustes abusivos em seus contratos. A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF, “é
instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma
do art. 5º, LXXIV”. Assim, a Defensoria Pública é vertida na prestação de
assistência jurídica ao necessitado que comprovar “insuficiência de recursos”
(CF, art. 5º, LXXIV), isto é, aquele que, sem prejuízo da sua subsistência, não
possuir meios de arcar com as despesas atinentes aos serviços jurídicos de que
precisa – contratação de advogado e despesas processuais. Verifica-se que o
legislador infraconstitucional, por meio da LC 80/1994 – responsável por
organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios
e prescrever normas gerais para sua organização nos Estados – também vincula a
atuação da instituição em comento à defesa em prol dos necessitados. Portanto,
diante das funções institucionais da Defensoria Pública, há, sob o aspecto
subjetivo, limitador constitucional ao exercício de sua finalidade específica,
devendo todos os demais normativos serem interpretados à luz desse parâmetro,
inclusive no tocante aos processos coletivos, restringindo, assim, a
legitimidade ativa dessa instituição para atender efetivamente as suas funções
institucionais conferidas pela CF. Diante disso, conforme entendimento
doutrinário, a Defensoria Pública tem pertinência subjetiva para ajuizar ações
coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos,
sendo que, no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla, bastando, para
tanto, que beneficie grupo de pessoas necessitadas, haja vista que o direito
tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas, e, mesmo que indiretamente
venham a ser alcançadas pessoas que tenham “suficiência” de recursos, isso, por
si só, não irá elidir essa legitimação. No entanto, em se tratando de
interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de
grupos determinados de lesados, a legitimação deverá ser restrita às pessoas
notadamente necessitadas. Posto isso, deve-se considerar que, ao optar por
contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de
consumidor que possa ser considerado necessitado, a ponto de ser patrocinado,
de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que, ao
demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada, acabou como
em condições de arcar com as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que
necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado.
Assim, o grupo em questão não é apto a conferir legitimidade ativa adequada à
Defensoria Pública, para fins de ajuizamento de ação civil. Precedente citado
do STF: ADI 558-MC, Tribunal Pleno, DJ 26/3/1993. REsp
1.192.577-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/5/2014.
terça-feira, 10 de junho de 2014
MULTIPARENTALIDADE. SENTENÇA DO TJDF. JUNHO DE 2014.
Autora: XXX
Réus: YYY e ZZZ
Ação: Declaratória de Paternidade
Processo nº: 2013.06.1.001874-5
Vistos, etc.
Trata-se de ação negatória e de investigação de paternidade, proposta por
XXX, representada por sua genitora KKK, em desfavor de YYY e ZZZ.
Afirma a autora que sua representante legal convive em união estável com
YYY há 17 anos, sendo este quem procedeu ao seu registro de
nascimento.
É relatado na inicial que YYY sempre foi alvo de chacotas quanto a real
paternidade da autora em razão das diferenças físicas entre ambos. No ano de
2012, a genitora da menor relatou que o verdadeiro genitor da criança é ZZZ, seu
ex-patrão.
Consta na exordial que a família da autora trabalhou e residiu na fazenda
do suposto pai biológico por 12 anos e que ZZZ sempre teve conhecimento da
paternidade, mas ameaçava demitir todos da família da autora se o fato fosse
revelado.
Designada audiência de conciliação (fl. 47), a ela compareceram os réus e
a representante legal da autora, ocasião em que decidiram pela realização do
exame de DNA. Nesta assentada, a genitora da autora requereu que após o
reconhecimento da paternidade, a menor passasse a se chamar XX Z.
Laudo de exame de DNA em fls. 52/55.
Contestação em fls. 60/79, na qual ZZZ refuta a existência de vínculo
afetivo e afirma o interesse meramente econômico na presente
demanda.
Réplica em fls. 85/126.
Designada audiência de instrução e julgamento, foram colhidos os
depoimentos das partes (fls. 150/153).
Alegações finais da autora em fls. 154/162 e dos réus em fls.
163/177.
Parecer do Ministério Público em fls. 178/185, pela declaração de
paternidade de ZZZ.
É o relatório.
DECIDO.
No presente feito, a autora busca que se declare que YYY não é seu pai
biológico e, em contrapartida, que ZZZ seja declarado como tal.
Na espécie, verifico que a menor possui 10 anos de idade, sendo sempre
cuidada e educada por seus pais registrais, KKK e YYY. Ambos são analfabetos e
trabalharam, por diversos anos, na fazenda do investigado ZZZ.
Do laudo de exame pericial não há qualquer dúvida de que XXX é filha
biológica de ZZZ (fl. 55).
DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA:
YYY afirma nutrir sentimentos de pai em relação à autora, e que a ama
como aos demais filhos que possui com KKK. Por seu turno, também alega que a
registrou por pensar ser sua filha biológica, apesar de já ser vasectomizado
quando a esposa ficou grávida. Além disso é importante assinalar que tanto YYY
como KKK são afrodescendentes, enquanto que XXX é branca. Ademais, a menor
nasceu em 19 de junho de 2003, tendo sido registrada somente em 11 de outubro de
2005, ou seja, já passados mais de dois anos de seu nascimento, a
demonstrar que YYY a registrou pelo afeto que nutria pela infante, uma vez que
já devia prever que não era sua filha biológica.
A paternidade socioafetiva está claramente demonstrada nos autos,
conforme se denota do depoimento pessoal de YYY (fl. 151):
“...que XXX tem 10 anos; que a menor reside consigo; que a menor o chama
de pai, que XXX considera o depoente como pai, KKK como mãe e OOO e AAA como
irmãos; que quando XXX nasceu o depoente trabalhava na fazenda do Sr. ZZZ; que é
analfabeto; que foi vasectomizado há 16 anos;...que mesmo diante do resultado do
exame de DNA onde ficou constatado que o depoente não é o pai biológico da
autora, seu sentimento por ela não mudou, pois gosta dela como
filha;...”
A socioafetividade também restou evidenciada no depoimento da autora de
fl. 153:
“... que mora com a mãe, com o pai, dois irmãos e o padrinho; que seus
irmãos se chamam OOO e AAA; que sua mãe se chama KKK; que seu pai se chama
YYY...”
Ou seja, a afetividade mantida entre a autora e YYY, apesar de não
possuírem o mesmo DNA, faz com que deva ser mantida a paternidade até então
estabelecida.
DA PATERNIDADE BIOLÓGICA:
Conforme destacado alhures, o exame pericial constatou a paternidade
biológica de ZZZ em relação à XXX.
Por seu turno, durante o processo, ZZZ sempre se mostrou avesso a esta
paternidade, afirmando, inclusive, que não nutre qualquer sentimento pela
infante, que possui outra família e que pretende seguir sua vida como
antigamente.
Não há dúvidas de que, embora ZZZ não mantenha relação de afeto com a
autora, é seu pai biológico! Contudo, o simples fato de ele alegar que não a
reconhece como filha, não lhe outorga o direito de ver afastada a declaração de
paternidade por ela almejada.
DA MULTIPARENTALIDADE:
Filiação e parentalidade são temas que não podem ser descritos
individualmente. Ambos estão interligados com o invisível cordão umbilical do
afeto e do melhor interesse da criança. Destarte, já podemos pensar em casos
específicos, onde o filho, apesar de poder ter somente carga genética de um
homem e uma mulher, possuir vários pais e/ou várias mães, preservando-se a
dignidade e individualidade de cada ser humano.
Segundo Ferry[1], a noção
de deveres dos pais com relação à prole só parece se impor ao conjunto da
sociedade a partir do século XVIII – e isso de forma muito variada conforme as
camadas sociais, uma vez que se estimava ainda no século XVII que a criança
devia tudo a seu pai, pois lhe devia a vida. E conclui: foi em consequência de
uma passagem de sociedade holística e hierarquizada para uma sociedade
individualista e igualitária que o peso afetivo aumentou nas relações
pessoais[2].
No marco da teoria da
integralidade dos direitos humanos, um princípio orientador é a norma mais
favorável à pessoa, mais conhecido como o princípio “pro hominis”. Em outras
palavras, se assumimos que cada ser humano é único e irrepetível, a identidade é
a condição de nossa particularidade, de nosso ser concreto no mundo. Assim, por
meio da identidade se protege a vida humana em sua realidade radical que é a
própria pessoa em si, indivisível, individual e digna[3].
O ser humano além de
único é complexo e contem uma multiplicidade de aspectos essencialmente
vinculados entre si, de caráter espiritual, psicológico ou somático, que o
definem e identificam, assim como existem aspectos de índole cultural,
ideológica, religiosa ou política, que também contribuem a delimitar a
personalidade de cada sujeito[4].
Assim, a parentalidade
socioafetiva deve ser amparada pelo Direito, uma vez que o afeto é um dos
elementos fundantes da família.
Nunca se pode esquecer a
obra “O Pequeno Príncipe” de Saint Exupery, que é apologia ao começo da vida. A
raposa quer ser “cativada” e define ser cativada como “criar laços”, assim como
bebês nascem com sede de apego – é só lhes oferecer oportunidade (Bowlby). E,
como boa entendedora do desenvolvimento psíquico, ela pede para ser olhada. Não
quer que falem com ela, que a toquem; primeiro, quer que a olhem, porque o apego
é mesmo pré-verbal e começa com o olhar (Lacan, 1949; Winnicott, 1971). Ela
também pede ritmo, e o ritmo é que manda entre o bebê e sua mãe. Um pouco mais
adiante, vem a fala decisiva, quando ela diz que “é o tempo que perdeste com a
rosa que faz a rosa tão importante”. Isto soa mais forte que o famigerado e
ainda não gasto, de logo adiante: “Tu te tornas eternamente responsável pela tua
rosa”. Porque o verdadeiro alimento psíquico é a perda de tempo, o brincar pelo
brincar. O inútil que constrói os espaços potencial, lúdico e útil para a
sobrevivência mental de quem realmente consegue cativar (vincular-se) sem a
utilitária intenção de (Winnincott, 1951; Pavlovsky, 1980)[5].
O direito ao
reconhecimento da MULTIPARENTALIDADE está embasado nos direitos da
personalidade, que se visualizam através da imagem que se tem, honra e também
privacidade da vida, direitos estes que se revestem essenciais à própria
condição humana. Por derradeiro, em atenção ao princípio da proteção integral da
criança e do adolescente, sempre sublinhado pelo princípio da dignidade da
pessoa humana, a MULTIPARENTALIDADE se desenha com cores que anunciam um novo
caminho social.
No dizer de Marisa
Herrera[6], o regime
filial está em constante mudança. O contexto sociocultural, os avanços
biomédicos em matéria de provas genéticas e as recentes mudanças legislativas,
em particular o desenvolvimento do direito à identidade como direito humano e o
reconhecimento do direito de contrair matrimônio aos pares homoafetivos – tem
posto em cheque o sistema filial introduzindo novas interrogações e sérios
questionamentos.
O Código Civil em seu
art. 1.593 define que o parentesco pode advir da consanguinidade ou de outra
origem.
De outra banda, a Lei
dos Registros Públicos em seu art. 57. § 8º[7] enteado ou a
enteada, havendo motivo ponderável, requerer ao juiz competente que, no registro
de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua
madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus
apelidos de família. Se a lei permite a inclusão do nome de quem não é pai, com
muito mais razão deve admitir-se a inclusão no registro de nascimento daquele
que efetivamente o é., assegura o direito de
o
No direito brasileiro há
apenas a possibilidade de adoção plena, diferentemente do direito argentino que
também prevê a adoção simples. Assim, quando o filho é adotado no Brasil, perde
os vínculos com a família biológica (salvo os impedimentos matrimoniais), ou
seja, não herda e tampouco pode pedir pensionamento alimentar. O acatamento da
MULTIPARENTALIDADE vem a subsidiar o melhor interesse da criança uma vez
que poderá ser mantido e cuidado por várias pessoas. Mantém-se todos os vínculos
de parentesco até o 4º grau[8] e o dever de
assistência se espraia para mais obrigados.
No caso sub
judice, destaco que não se mostra plausível afastar a paternidade
socioafetiva de YYY, com quem XXX manteve relacionamento filial por todos seus
10 anos de vida. Quem a criou e a manteve foi YYY, pessoa pobre, analfabeta e
agricultora.
Por outro lado, não se
pode deixar de enxergar a confortável situação financeira de ZZZ, que possui
alto padrão de vida. Deixar de estender à infante as benesses que esta
paternidade pode lhe oferecer, é não atentar para o melhor interesse da criança,
Princípio Constitucional e basilar do Estatuto da Criança e do
Adolescente!
Imprescindível que o
Direito acolha a realidade de cada pessoa, a vida como verdadeiramente se
apresenta para cada um. Mia Couto[9] esclarece
que o indivíduo é um ser anônimo, sem rosto e sem contorno existencial. A
história de cada um de nós é a de um indivíduo a caminho de ser pessoa. O que
nos faz ser pessoa não é o bilhete de identidade. O que nos faz pessoas é aquilo
que não cabe no bilhete de identidade. O que nos faz pessoas é o modo como
pensamos, como sonhamos, como somos outros, como somos diferentes. Estamos,
enfim, falando de cidadania, da possibilidade de sermos únicos e irrepetíveis,
da habilidade de sermos felizes.
Ainda que despida de
ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que
deve ser reconhecida e amparada judicialmente. Isso porque a maternidade (ou
paternidade, como no presente caso concreto) que nasce de uma decisão
espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos
advindos da filiação. Com fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação
socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da
personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na
formação da identidade do ser humano[10].
Diferentemente de tempos
sombrios, que de há pouco se avizinhavam, hoje é possível o reconhecimento da
parentalidade não sujeita apenas a laços sanguíneos. Vale lembrar que até a
Constituição Federal[11] de 1988,
havia no Brasil diversidade de tratamento para os filhos havidos ou não do
casamento. Até então prevalecia unicamente o aspecto da consanguinidade. Esta
era determinante na configuração da parentalidade. Contudo, com o avanço da
sociedade e da jurisprudência, o tratamento desigual dos filhos deixou sua marca
mas cicatrizou a ferida. Hoje todos os filhos merecem a mesma proteção. Como
exemplo temos o julgado do Superior Tribunal de Justiça REsp nº1.159.242/SP,
onde se discutiu o abandono paterno e foi fixada indenização pela falta de
cuidado.
Ademais, a importância
do cuidado não se delineia somente em relação ao outro, mas a nós mesmos. E é
através deste cuidado consigo, que as pessoas buscam alternativas para serem
felizes. E isto não é diferente do que ocorre na questão que estamos analisando,
quando uma pessoa busca o Judiciário para que gize a situação fática vivenciada.
Foucault[12] relembra
o princípio do cuidado de si, consagrado por Sócrates e que adquiriu
progressivamente as dimensões e formas de uma verdadeira “cultura de si”. Por
essa expressão é preciso compreender que o princípio do cuidado de si adquiriu
um alcance bastante geral: o preceito segundo o qual convém ocupar-se consigo
mesmo é em todo caso um imperativo que circula entre numerosas doutrinas
diferentes; ele também tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se
comportar, impregnou formas de viver; desenvolveu-se em procedimentos, em
práticas e em receitas que eram refletidas, desenvolvidas, aperfeiçoadas e
ensinadas; ele constitui assim uma prática social, dando lugar a relações
interindividuais, a trocas e comunicações e até mesmo a instituições; ele
proporcionou, enfim, um certo modo de conhecimento e de elaboração do
saber.
Importa ressaltar que
somos seres que necessitamos de dedicação e afeto a partir do momento que
nascemos até nossa morte. Somos seres faltantes, sempre desejando algo a nos
completar. A falta da figura paterna ou materna deixa marcas indeléveis na
alma.
Assim, melhor que
tenhamos mais de um pai ou mais de uma mãe, do que ficarmos à mercê de
navegarmos solitariamente num mundo sem espelhos, onde não tenhamos a
oportunidade de identificarnos e tampouco um porto seguro para ancorar nossos
sonhos. Ademais, Zannoni[13] esclarece
que o conceito de identidade filiatória como pura referência a seu pressuposto
biológico não é suficiente para definir, por si mesmo, a proteção dinâmica desta
identidade.
Assim, será que devemos
enxergar a parentalidade apenas em seu aspecto dual, ou será possível que ela se
mostre diversificada? É aceitável que a pessoa possa ter mais de um pai ou uma
mãe? É acertado impor a unicidade paterna e materna, ainda que a realidade grite
outra versão?
Todas as novas
possibilidades de concepção geneticamente assistidas contam com a participação
de mais pessoas no processo reprodutivo. Quer os doadores de material genético,
quer quem gesta em substituição e acaba por dar a luz, todos geram vínculos com
a criança que nasce com a sua interferência. Assim, não mais se pode dizer que
alguém só pode ter um pai ou uma mãe. É possível que pessoas tenham vários pais.
Identificada a pluriparentalidade ou MULTIPARENTALIDADE, é necessário
reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem
assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de
direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas
também em sede sucessória[14].
No caso em tela, entendo
que ocorreu adoção à brasileira, pois YYY a registrou como sendo sua filha
depois que a menor tinha mais de 2 anos, sendo que, assim como a genitora da
menor, ele é afrodescendente, e, além de tudo, vasectomizado, e XXX é branca!
YYY é analfabeto mas não é cego!
A jurisprudência
brasileira já se manifestou no sentido de que, se restar configurada a relação
afetiva entre o filho e o pai registral, nada mais pode ser
alterado.
Ocorre que muitas vezes
esta não é a melhor forma de equacionamento na vida deste filho. Entendo que,
nestes casos, se para o filho for importante manter vínculo com seu ascendente
genético, poderá constar o nome de dois pais, com as demais consequências
jurídicas daí advindas, notadamente em relação ao parentesco, nome, pensão
alimentícia, convivência, guarda e direito sucessório.
Nunca é demais dizer que
no direito argentino, há duas formas de adoção: a simples (revogável) e a plena
(irrevogável). Vale ressaltar algumas características da adoção simples
argentina: o adotado é considerado como filho biológico do adotante, mas não
cria vínculo de parentesco entre aquele e a família biológica do adotante, senão
os efeitos expressamente determinados em lei. Os filhos adotivos de um mesmo
adotante são considerados irmãos entre si. A adoção simples se dará sempre que o
juiz entender ser mais conveniente para o infante. Ademais, os direitos e
deveres que resultem do vínculo biológico do adotado não restam extintos pela
adoção, com exceção do poder familiar. Este tipo de adoção impõe ao adotado o
sobrenome do adotante, mas aquele poderá agregar o seu próprio a partir dos
dezoito anos. O adotado herda do adotante, e o adotante herda do adotado, mas o
adotando não herda os bens que o adotado recebeu a título gratuito dos pais
biológicos e tampouco a família biológica herda os bens que o adotado recebeu a
título gratuito do adotante. O adotado e seus descendentes herdam por
representação dos ascendentes dos adotantes, mas não são seus herdeiros
necessários. Já os descendentes do adotado herdam por representação do adotante
e são considerados herdeiros necessários. Depois da adoção simples é admissível
o reconhecimento do adotado por seus pais biológicos e o exercício da ação de
filiação.
É importante
trazer este exemplo argentino, pois muitos dos entendimentos que afastam a
MULTIPARENTALIDADE, se fundam na ideia de que não poderá
o filho suceder de mais de um pai ou de uma mãe. Como visto, não há que se falar
em impedimento de recebimento de herança, eis que tal fato poderá vir a trazer
benefícios para o infante.
Recentemente houve um
julgamento no Estado de Rondônia, no qual se buscava desconstituir a paternidade
registral e o reconhecimento da paternidade biológica.
Neste caso específico,
cuidava-se de adoção à brasileira, em que a criança havia sido registrada e
criada pelo ex-companheiro de sua mãe. Com o resultado do exame de DNA, esta
criança teria passado a conviver também com o genitor, mas considerava seu pai
aquele que a havia registrado. Tanto o pai registral quanto o genitor
mostravam-se aptos e tinham vontade de serem, efetivamente, pais da infante.
Assim, foi acolhida a tese de MULTIPARENTALIDADE, tendo sido mantido no registro
de nascimento da criança tanto o nome do pai registral, quanto de seu
genitor[15].
Os princípios do melhor
interesse da criança e do adolescente, da igualdade dos filhos, da afetividade e
da realidade, devem subsidiar as questões relacionadas à MULTIPARENTALIDADE. O
Direito deve observar e acompanhar as mudanças sociais. Tratar como
impossibilidade jurídica do pedido sob o argumento singelo de que uma pessoa só
pode ter um pai e uma mãe, não traduz e não acolhe a realidade de determinado
caso concreto. O Direito nasce da vida, e deve se render a seus fatos, sob pena
de estarmos visualizando apenas um lado de um mundo multifacetado.
Há necessidade de
refletirmos sobre a importância de que a realidade fática de cada pessoa seja
acolhida e respeitada. É preciso que a dignidade da pessoa humana seja
considerada e não ultrajada.
Outro julgado no TJSP,
também decidiu pela MULTIPARENTALIDADE:
Maternidade
Socioafetiva: - Preservação da maternidade biológica. Respeito à memória da mãe
biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família. Enteado criado
como filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no
art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse de estado de filho, fruto de longa
e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua
manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que
se trata de parentes. A formação da família moderna não consangüínea tem sua
base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
solidariedade. Recurso provido. (AP. Civ. TJSP, 0006422-26.2011.8.26.0286, rel.
Dês. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, 1ª Câmara de Direito Privado,
12.08.2012)
Nos estados de
Pernambuco e Paraná também restou estabelecida a MULTIPARENTALIDADE, onde se
buscava o reconhecimento da filiação socioafetiva, através de adoção unilateral.
Como no Brasil a adoção subtrai qualquer parentesco do adotado com a família
biológica, houve entendimento de que atenderia ao melhor interesse da criança, a
mantença da família biológica, com a consequente MULTIPARENTALIDADE. No primeiro
caso, a madrasta tinha a intenção de adotar a criança, mas a mãe não queria que
ela perdesse o seu nome no registro de nascimento. A sentença determinou a
mantença do nome dos pais biológicos, sendo acrescido o nome da companheira do
genitor também como mãe da menor de 4 anos de idade[16].
No segundo caso, o
magistrado reconheceu a paternidade socioafetiva de um adolescente de 16 anos de
idade, e determinou o acréscimo do nome do padrasto em sua certidão de
nascimento. O juiz entendeu que o menor considerava tanto o genitor como seu
padrasto seus pais, devendo a realidade fática ser agasalhada pelo mundo
jurídico. Na espécie, apesar de conviver com a genitora e o padrasto, continuava
tendo contato regularmente com seu genitor, possuindo laços de afeto com os
dois. Assim, o menor passou a ter dois pais tanto fática como juridicamente,
obtendo daí todas as consequências jurídicas desta filiação, como por exemplo,
ser dependente em plano de saúde, ter direitos previdenciários, alimentícios e
sucessórios[17].
De se ver que a
MULTIPARENTALIDADE, se afigura modelada a este caso concreto. Temos flagrante
paternidade socioafetiva estabelecida entre o pai registral e a infante, bem
como a evidenciada paternidade biológica de ZZZ, que poderá agasalhar o melhor
interesse da autora, na medida em que poderá proporcionar a ela bons colégios,
faculdade, saúde, lazer, e, quem sabe, uma outra família que poderá
amá-la.
A MULTIPARENTALIDADE
traz consigo diversas consequências jurídicas. Conforme ressalta Belmiro Pedro
Welter[18], não
reconhecer as paternidades genética e socioafetiva, ao mesmo tempo, com a
concessão de TODOS os efeitos jurídicos, é negar a existência tridimensional do
ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana, na medida em que a
filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a biológica, pelo que se deve
manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, já
que ambas fazem parte da trajetória da vida humana.
Direito ao
parentesco: Ao se admitir a MULTIPARENTALIDADE, também deve-se assegurar o
parentesco daí advindo. Assim, exemplificativamente, se possuir dois pais e duas
mães, terá oito avós e tantos tios quanto irmãos estes pais/mães possuírem, e
assim por diante. Também os impedimentos matrimoniais no que diz com o
parentesco deverá ser observado em todos esses casos. Como o Código Civil
brasileiro considera parentes as pessoas unidas por laços de sangue até o 4º
grau, este novo parentesco também deverá se estender ao quarto grau, para todos
os efeitos, quer alimentar quanto sucessório.
Direito ao nome:
O nome faz parte de um dos direitos da personalidade. É através dele que
somos conhecidos e reconhecidos pela vida afora. Assim, de suma importância que
possamos delinear a amplitude da possibilidade de modificá-lo, quer seja pela
inclusão ou exclusão de determinado patronímico.O nome de família materno,
paterno, da madrasta, do padrasto, ou socioafetivo e o avoengo poderão ser
incluídos no nome civil. Tal pretensão é admissível, mesmo que o interessado
ainda não tenha atingido a maioridade, uma vez que o art. 56 da Lei n. 6.015 não
trata de alterações pela via judicial, mas administrativa, em que a pessoa pode
pleitear junto ao oficial do Registro Civil, “pessoalmente ou por procurador
bastante”, que se averbe a mencionada alteração. Portanto admite-se alteração de
nome pleiteada por menor, conforme julgou a 4a. Câmara da 1a.
Seção Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo[19].Da mesma
forma que se admite a inclusão do sobrenome do padrasto, também é possível que
seja retirado do assento de nascimento o patronímico do genitor, nos casos, por
exemplo, de abandono afetivo. Contudo, a retirada do sobrenome não excluiria o
direito sucessório e tampouco o alimentar. Caso contrário, sua desídia em
relação ao filho traria como consequência a sua dispensa com qualquer obrigação
em relação a ele.
Direito de
convivência e guarda: Havendo vários pais/mães, necessário será a definição
de convivência e guarda, a fim de assegurar o melhor interesse da criança.
Assim, caso esta família não conviva sob o mesmo teto, importante que todos os
que façam parte desta MULTIPARENTALIDADE tenham dias de convivência definidos,
judicialmente ou não. Quanto à guarda, o ideal é que ela seja compartilhada,
podendo todos os envolvidos dialogar sobre os destinos deste filho. Em não sendo
isto possível, a guarda poderá ser determinada a favor da dupla com quem resida
o infante. Ainda não havendo acordo, caberá ao Judiciário decidir no caso
concreto.Neste caso específico, a guarda deverá ficar com YYY e KKK, posto que é
com eles que a infante reside, devendo a convivência entre ZZZ e XXX se dar de
forma livre.
Direito a alimentos:
A pensão alimentícia está embasada, dentre outros, no princípio da
solidariedade familiar. Assim, se a pessoa possuir mais de um pai ou mais de uma
mãe, natural que o dever ao pensionamento alimentar seja estendido a todos. E
esta obrigação não se limitará aos pais, mas incluirá também todos os avós. De
se ver que o menor poderá ser muito melhor assistido, tendo em vista o número de
pessoas que estarão obrigadas com seu sustento e cuidado. Na espécie, verifico
que ZZZ possui uma outra filha quase da mesma idade da requerente e que aquela
menor estuda do Colégio Galois (um dos mais caros de Brasília!), faz curso
de inglês e possui plano de saúde. De outra banda, ZZZ possui uma fazenda de mil
hectares com mais de vinte empregados fixos (com salário médio cada um de dois
salários a dois salários mínimos e meio). Além disso, possui uma camionete
Hilux, duas Stradas, um Uno, um Caminhão, um I30, um Volvo, além de uma casa no
Lago Norte.
A Lei 8.560/92, em seu
art. 7º, autoriza a fixação da verba alimentar, mesmo que não haja pedido
expresso:
Art. 7° Sempre que na
sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os
alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles
necessite.
Assim, atenta às
necessidades da criança e às possibilidades financeiras de ZZZ, FIXO pensão
alimentícia a ser paga por ele desde o dia da citação, notadamente dia 22 de
julho de 2013, fls. 45/46, no valor de cinco salários mínimos
mensais.
Direito ao
reconhecimento genético: O direito ao reconhecimento genético está
intimamente relacionado com o princípio da dignidade humana. Todos temos o
direito de saber de onde viemos, por quem fomos gerados. Além da curiosidade
natural, gravita em torno deste direito a necessidade de sabermos quem pode vir
a ser nossos irmãos e pais biológicos, até mesmo para evitar relacionamento
sexual com estas pessoas. Ademais, há casos em que somente parentes
consanguíneos podem ajudar no caso de transplante.
Direito à herança:
Admitida a MULTIPARENTALIDADE, todos os efeitos daí advindos são estendidos.
É dizer, como o direito sucessório é assegurado aos filhos, ele terá direito de
receber herança de tantos pais/mães quantos tiver. O princípio do melhor
interesse da criança deve subsidiar todas as relações jurídicas.
Entendo que, ao se
atentar para o princípio do melhor interesse da criança, bem como ao princípio
da realidade e da dignidade da pessoa humana, não há como afastar a
possibilidade de que uma pessoa possa ter mais de um pai e de uma mãe. Pois como
afirma Roudinesco[20], para a
psicanálise, a família, seja qual for sua evolução, e sejam quais forem as
estruturas às quais se liga, será sempre uma história de família, uma cena de
família, semelhante àquela dos Labdácias, dos reis shakesperianos ou dos irmãos
Karamazov.
O direito deve espelhar
e proteger a vida da pessoa na sua inteireza. Se no caso concreto ela possuir
duas mães, dois pais, ou seja lá a composição que sua família tenha, não cabe ao
Direito e tampouco ao Judiciário impor limites a esta entidade
familiar.
Hannah Arendt[21] já dizia
que a pluralidade é a condição da ação humana porque somos todos iguais, isto é,
humanos, de um modo tal que ninguém jamais é igual a qualquer outro que viveu,
vive ou viverá. Ou seja, somos únicos!
Engessar arranjos
familiares tendo como fundamento o dogma da unicidade de paternidade e
maternidade, é apenas fazer uma leitura linear da vida. É preciso que nossos
horizontes sejam alargados, que nossa visão seja aprofundada, e que nossos
braços sejam fontes de acolhimento.
Aceitar a formação das
famílias como elas efetivamente se apresentam, é lhes dar dignidade. Ressalta
Schreiber[22] que a
dignidade não consiste em um conceito de aplicação matemática. A própria
percepção do que é ou não essencial ao ser humano varia conforme a cultura e a
história de cada povo, e também de acordo com as concepções de vida de cada
indivíduo.
Ortega e Gasset afirma
que o homem é ele e suas circunstâncias. Ou seja, cada um de nós possui sua
própria realidade, onde há a possibilidade de que, observada a complexidade da
vida, tenhamos mais de um pai ou mãe.
Assim, se a vida se
mostra plúrima, com diversos caminhos, neste sentido deve caminhar o Direito, a
fim de que possa acompanhar o desenvolvimento da sociedade e aceitar a vida de
cada pessoa, respeitando sua família na forma que ela se desenhou.
Luc Ferry[23] alerta
que o único laço social que nos últimos dois séculos se aprofundou, intensificou
e enriqueceu foi o que une as gerações no seio da família. Frequentemente
decomposta, situada fora do casamento ou sem dúvida recomposta, no entanto menos
hipócrita: esse é o paradoxo da família moderna. É nela, e talvez apenas aí, que
subsistem e até se aprofundam formas de solidariedade de que o restante da
sociedade, dominado quase exclusivamente pelos imperativos da competição e da
concorrência, quase não tem mais conhecimento. É diante dos nossos próximos,
daqueles que amamos e, sem dúvida por extensão, diante dos demais humanos que
espontaneamente nos disponibilizamos “sair de nós mesmos”, a recuperar a
transcendência e o sentido de uma sociedade que mobiliza o tempo todo tendências
contrárias. E esse dado pode parecer trivial, mas não é: longe de ser óbvio, é
fruto de uma história singular. Em vez de essa nova fase do individualismo
apenas construir mais um desdobramento egoísta, a esfera do privado torna-se o
grande negócio público de amanhã. Em vez de singulares e isolados, os problemas
do indivíduo tendem ao universal, de forma que o que ingenuamente acreditamos
pertencer à lógica individual é eminentemente público e coletivo.
O moderno enfoque da
proteção da família desloca-se de sua instituição como um todo para perceber e
valorar cada um de seus integrantes. Todos temos direitos à identidade pessoal.
Se nossa realidade mostra-se diversa da grande maioria das famílias, este motivo
não é o bastante para que não tenhamos direitos.
A dignidade da pessoa
humana deve ser o princípio e o fim do Direito. O ser humano deve ser sempre o
que de mais relevante cabe ao Direito tutelar. Se o deixarmos ao desabrigo,
estaremos sendo cúmplices de rasgos na alma. O não fazer, o se omitir, também é
uma forma cruel de abolir direitos.
A MULTIPARENTALIDADE
hoje é uma realidade em muitas famílias. A ciência do Direito deve recebê-la e
aceitá-la como evolução social. Famílias, em toda sua diversidade,
caleidoscópicas, multifacetadas, são verdades que se impõe. Destarte, a
MULTIPARENTALIDADE deve ser incluída e acatada no ordenamento jurídico como um
novo perfil familiar, sempre respeitando-se a dignidade de cada integrante desta
família.
Isto posto JULGO
PROCEDENTE o pedido para DECLARAR que YYY não é o
pai biológico de XXX, mas além de ser seu pai registral é também seu PAI
AFETIVO, bem como para DECLARAR que ZZZ é o pai biológico de
XXX. Destarte, DECLARO que tanto YYY quanto ZZZ são pais de
XXX, e como consequência passará a se chamar XXX Z, devendo constar
em seu registro de nascimento a dupla paternidade. Estabeleço a
GUARDA em favor de YYY e KKK, com a convivência livre a favor de
ZZZ.
FIXO os alimentos
devidos por ZZZ no importe de cinco salários mínimos mensais, a serem
pagos todo o dia 05 de cada mês, tendo como marco inicial a data da citação,
especificamente dia 22 de julho de 2013.
CONDENO ZZZ no
pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil
reais), nos termos do art. 20,§ 4º do CPC.
Transitada em julgado,
expeça-se mandado de averbação, dê-se baixa e arquive-se.
Sobradinho/DF, 06 de
junho de 2014.
sábado, 7 de junho de 2014
V FÓRUM DE DIREITO NOTARIAL E DE REGISTRO
Família Socioafetiva é discutida no V Fórum de Direito Notarial e de Registro, no STJ
Fonte: Site da Anoreg.
Sexta, 06 Junho 2014 10:39

(Flávio Murilo Tartuce, Leonardo Munari e Rodrigo Toscano de Brito)
No dia 23 de maio a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) realizou, em parceria com a Escola Nacional de Notários e Registradores (ENNOR), o V Fórum de Direito Notarial e de Registro no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília-DF.
O tema “A família Socioafetiva e os direitos fundamentais da criança" foi também discutido durante o encontro. Os palestrantes que abordaram a temática foram o professor de Direito Civil na FADISP e da EPD, Flávio Murilo Tartuce e o professor de Direito Civil da UFPB, Rodrigo Toscano de Brito. O diretor da ARPEN-BR, Leonardo Munari, mediou os debates.
O professor Flávio Tartuce comentou sobre a multiparentalidade e como o processo ocorre na sociedade brasileira. De acordo com Tartuce o vinculo socioafetivo, em alguns casos, é muito mais significativo que o sanguíneo. “É o caso concreto que vai determinar se prevalece a relação socioafetiva ou biológica e até a possibilidade de permanecerem os dois”, declarou. O professor ainda acredita que questões relacionadas a multiparentalidade poderiam ser resolvidas extrajudicialmente. “O registrador tem condições de avaliar a documentação e fazer essa inclusão sem ação judicial, principalmente se houver concordância do pai biológico e do pai socioafetivo e do próprio enteado ou enteada”, afirmou.
Em seguida, Rodrigo Toscano de Brito ressaltou que é necessário compreender a estrutura da parentalidade socioafetiva e os vínculos envolvidos neste processo. “É possível se falar numa família também fundada no afeto e não só na que consta na biologia, formalmente aceita pela sociedade, mas também existe uma família constituída a partir das relações afetivas, dos relacionamentos que são fundados ao longo do tempo e que cria laços fortes”, explicou. Brito também acredita que notários e registradores podem colaborar com o processo da multiparentalidade, já que são dotados de experiência e lidam diariamente com registros de nascimentos. “Considero absolutamente possível e isso é uma declaração que pode ser feita por uma pessoa perante um notário perante a fé pública notarial e também surtir seus efeitos no registro civil de pessoas naturais”, afirmou.
Cerca de 300 pessoas participaram do Fórum, que também debateu temas como: “Direito de Propriedade em face da função social: a regularização fundiária e a usucapião administrativa”, “O Consumidor e o Registro”, “Mediação, a Conciliação e a Arbitragem e suas aplicabilidades", “O princípio da eficiência na Administração Tributária e o direito notarial e de registro”.
O Encontro foi realizado das 9 às 18 horas, tendo sido encerrado com um coquetel e com a entrega dos certificados aos presentes
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