Fonte: Migalhas.
TJ/RJ nega recurso a três ex-participantes de reality show
O desembargador Alexandre Freitas Câmara, da 2ª câmara Cível do TJ/RJ, negou recurso a três ex-participantes de um reality show.
Alexandre Mirabelle Zago, Luisa de Sá e Benevides Rebuzzi e Gabriela Aguiar participaram do programa "Ídolos" da Rede Record de Televisão e, após serem eliminados, entraram com ação na Justiça para impedir a exibição das cenas que entendem ser constrangedoras e pedindo ainda a rescisão do contrato. Eles apontaram uma cláusula do documento assinado com a emissora em que haveria violação aos princípios gerais do Direito brasileiro, como a boa-fé e a dignidade humana.
"O participante entende que poderá revelar e que outras partes poderão revelar informações sobre ele de natureza pessoal, particular, vergonhosa e não favorável. Entende que a contribuição ao programa poderá ser explorada de forma pejorativa, vergonhosa e/ou de forma desfavorável", salientou o desembargador.
O magistrado, no entanto, lembra que os autores da ação sabiam exatamente onde estavam se inscrevendo ao se candidatarem a participantes do reality show e à exposição a que se submeteriam, além de terem lido contrato antes da assinatura. Segundo ele, agora, os candidatos devem arcar com as consequências. "Quem se inscreve em um reality show sabe, exatamente, o que lhe espera", concluiu.
Processo : 0015710-75.2011.8.19.0000
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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Processo : 0015710 – 75.2011.8.19.0000
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0015710 – 75.2011.8.19.0000
AGRAVANTES: ALEXANDRE MIRABELLE ZAGO E OUTROS
AGRAVADO: REDE RECORD DE TELEVISÃO
RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
Direito constitucional. Direito de imagem. Direito civil.Participantes de reality show que, eliminados da competição,pretendem impedir a exibição de cenas que consideram ser constrangedoras. Sinceridade das declarações de vontade emitidas quando da inscrição dos recorrentes no programa de televisão. Exposição que era previamente conhecida dos recorrentes, que a ela se submeteram. Tutela antecipada indeferida em primeiro grau. Recurso desprovido liminarmente.
Trata-se de agravo contra decisão que indeferiu a tutela antecipada postulada pelos agravantes, em causa na qual pretendem rescindir contrato que celebraram com a agravada. Por força do referido contrato, inscreveram-se para participar de programa de televisão, de natureza competitiva, chamado “Ídolos”, tendo sido eliminados da competição. Afirmam os postulantes que durante a gravação das cenas em que foram eliminados foram assacados com afirmações desonrosas, violadoras de sua dignidade. Sustentam, ainda, que há no contrato cláusula nula, por violar os princípios gerais do direito civil e a dignidade da pessoa humana.
O juízo de primeiro grau indeferiu a tutela antecipada por entender não haver nos autos elementos suficientes para a formação de convencimento acerca da matéria debatida nos autos.
No agravo, afirmam os recorrentes que sua pretensão principal é a de desconstituição do contrato celebrado, e que – uma vez obtida tal desconstituição – não seria mais possível à agravada valer-se da imagem dos agravantes, o que justifica a antecipação de tutela postulada. Pedem, então, a reforma da decisão agravada.
Não tendo ainda havido a citação da ré, não há que se cogitar de contrarrazões.
Este o relatório do essencial. Passa-se à decisão.
Os agravantes inscreveram-se para participar de um programa televisivo desses que têm sido chamados de reality shows. Uma vez inscritos, passam a disputar uma competição para cujos vencedores são oferecidos vultosos prêmios. Ocorre que, tendo sido eliminados os agravantes, não querem agora submeter-se a ver sua imagem exposta em rede nacional de televisão. Para isso, postulam a desconstituição do contrato que celebraram, apontando cláusulas (especialmente a 9ª) que violariam princípios gerais do direito brasileiro, como a boa-fé e a dignidade da pessoa humana.
Da cláusula impugnada extrai-se o seguinte trecho, destacado pelos recorrentes:
“(…) o participante entende que poderá revelar e que outras partes poderão revelar informações sobre ele de natureza pessoal, particular, vergonhosa e não favorável. Entende que a contribuição ao programa poderá ser explorada de forma pejorativa, vergonhosa e/ou de forma desfavorável (…)”.
Sobre o tema, vale trazer à colação ensinamento do eminente constitucionalista, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Virgílio Afonso da Silva (“Direitos fundamentais e relações entre particulares”, in Revista DireitoGV, vol. 1, n. 1, maio 2005, pp. 176 – 177):
“(…) aqueles que participam dos chamados reality shows, tão em voga nas emissoras de televisão no Brasil e no mundo, o fazem com base no exercício de sua autonomia da vontade. Esse exercício acarreta, sem dúvida, restrições a direitos fundamentais, especialmente ao de privacidade. A desigualdade material entre, por exemplo, a Rede Globo, uma das maiores empresas de comunicação do mundo, e os participantes de seu reality show é inegável. Isso não significa, contudo, que haja uma necessidade de intervir nessa relação para proteger direitos fundamentais restringidos: a desigualdade material não interfere, necessariamente, na autenticidade das vontades.
“Com isso, quero salientar que o recurso a desigualdades (fática e material), ainda que possa ser usado como elemento da argumentação jurídica nesse âmbito, deve ser encarado com extrema reserva.Parece-me que o decisivo é a sinceridade no exercício da autonomia privada, que não necessariamente terá alguma relação com desigualdades externas a ela”.
Ora, não pode haver dúvida de que os agravantes sabiam, exatamente, no que estavam se inscrevendo ao lançar-se como candidatos do reality show. Além disso, manifestaram sinceramente suas vontades, tanto que não buscam a anulação do negócio jurídico por vício de consentimento, mas sua “rescisão”. E quem se inscreve em um reality show sabe, exatamente, o que lhe espera. A exposição a que seriam submetidos era conhecida, e a ela sinceramente se submeteram. Devem, pois, arcar agora com as consequências de seus atos.
Assim sendo, não se vislumbra a presença de elementos que permitam a formação de um juízo de probabilidade em favor dos recorrentes que permitisse a afirmação de ser provável que tenham eles razão em suas demandas.
Diante do exposto, é de se ter por manifestamente improcedente o agravo de instrumento, ao qual se nega seguimento liminarmente, na forma do art. 557 do CPC.
Rio de Janeiro, 11 de abril de 2011.
Des. Alexandre Freitas Câmara
Relator
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