TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS
Número do processo:
1.0480.05.076516-7/002(1)
Relator:
D. VIÇOSO RODRIGUES
Relator do Acordão:
FABIO MAIA VIANI
Data do Julgamento:
19/02/2008
Data da Publicação:
13/03/2008
Inteiro Teor:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EMBARGOS À EXECUÇÃO JULGADOS IMPROCEDENTES - APELAÇÃO - EFEITO SUSPENSIVO - PENHORA - IMÓVEL DO FIADOR - BEM DE FAMÍLIA - DIREITO À MORADIA - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA E IGUALDADE - IRRENUNCIABILIDADE. A partir da Emenda Constitucional nº. 26/2000, a moradia foi elevada à condição de direito fundamental, razão pela qual a regra da impenhorabilidade do bem de família foi estendida ao imóvel do fiador, caso este seja destinado à sua moradia e à de sua família. No processo de execução, o princípio da dignidade humana deve ser considerado, razão pela qual o devedor, principalmente o subsidiário, não pode ser levado à condição de penúria e desabrigo para que o crédito seja satisfeito. Em respeito ao princípio da igualdade, deve ser assegurado tanto ao devedor fiador quanto ao devedor principal do contrato de locação o direito à impenhorabilidade do bem de família. Por tratar-se de norma de ordem pública, com status de direito social, a impenhorabilidade não poderá ser afastada por renúncia do devedor, em detrimento da família.
V.V.
AGRAVO DE INSTRUMENTO - APELAÇÃO INTERPOSTA CONTRA EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA - ART. 520, V DO CPC - RECEBIMENTO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO. O recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedentes os embargos à execução, por se enquadrar na exceção prevista pelo inciso V do art. 520 do Código de Processo Civil, deve ser recebido apenas no efeito devolutivo.
AGRAVO N° 1.0480.05.076516-7/002 - COMARCA DE PATOS DE MINAS - AGRAVANTE(S): MARCOS GOMES DE DEUS E SUA MULHER - AGRAVADO(A)(S): NICEIAS RODRIGUES CORDEIRO E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. D. VIÇOSO RODRIGUES - RELATOR PARA O ACÓRDÃO: EXMO SR. DES. FABIO MAIA VIANI
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O RELATOR.
Belo Horizonte, 19 de fevereiro de 2008.
DES. D. VIÇOSO RODRIGUES - Relator vencido.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Assistiu ao julgamento, pelos agravados, o Dr. Josias Alves.
O SR. DES. D. VIÇOSO RODRIGUES:
VOTO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por MARCOS GOMES DE DEUS E OUTRA contra decisão proferida pelo Juízo da Vara de Execuções da Comarca de Patos de Minas-MG que, nos autos dos EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA ajuizado em desfavor de NICÉIA RODRIGUES CORDEIRO E OUTROS, recebeu a apelação interposta pelos agravantes, em face da sentença que julgou improcedente seus pedidos, apenas no efeito devolutivo, com base no art. 520, inciso V, CPC.
Sustentam, os agravantes, a necessidade de reforma da decisão atacada, ao fundamento de que a regra do art. 520, V, CPC, não é absoluta, haja vista que o art. 558 do mesmo codéx permite que seja conferido efeito suspensivo à apelação, nos casos que possam resultar em lesão grave ou de difícil reparação.
Argumenta que o Juízo a quo determinou o prosseguimento da execução, cujo imóvel penhorado é o único bem do casal agravante, onde inclusive residem, ferindo o direito à moradia .
Dessa forma, pugnam pela reforma da decisão interlocutória para determinar o recebimento do recurso de apelação no efeito suspensivo.
Os agravados foram intimados para apresentarem resposta ao recurso, mas quedaram-se inertes.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Primeiramente, ressalto que o objetivo visado pelo ora recorrente é atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento aviado contra sentença proferida em Embargos à Execução de Sentença que foram julgados improcedentes.
O Código de Processo Civil, em seu art. 520, V, dispõe, in verbis:
"A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
(...)
V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes."
Verifica-se, portanto, que a pretensão almejada pelo ora recorrente colide frontalmente com o texto legal citado, fato que caracteriza a manifesta improcedência do recurso.
Esta é a lição de Luiz Guilherme Marinoni, que leciona:
"Também deve ser considerado manifestamente improcedente o recurso deduzido contra texto expresso de lei ou fato incontroverso."
(MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento - 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2004, p. 626).
Não obstante o art.588, CPC, permitir que se atribua efeito suspensivo à apelação que, por força de lei, tenha apenas efeito devolutivo, faz-se necessário que o agravante demonstre o risco de lesão grave e de difícil reparação, caso o recurso não seja recebido no duplo efeito.
In casu, não vislumbro os requisitos que justifiquem o recebimento da apelação interposta no efeito suspensivo. É que.
Cinge-se a controvérsia na possibilidade de constrição judicial do bem de família de propriedade do fiador de contrato de locação, tendo em vista a exceção esculpida no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, acrescentado pela Lei 8.245/91.
Tomando por base o disposto no art. 6º da Constituição da República, com redação determinada pela Emenda n.º 26/2000, entendem os agravantes que as exceções legais à regra da impenhorabilidade do bem de família não podem prevalecer quando confrontadas com direito fundamental, de índole, garantido pelo Texto Constitucional.
Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a matéria, não acolheu o entendimento adotado no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 352.940-4 de relatoria do Ministro Carlos Veloso que defendia a impossibilidade de penhora do bem de família do fiador por afrontar direito fundamental de moradia deste.
O pleno do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário de n.º 407.688-8 entendeu que a garantia do direito de moradia não impede a aplicação das exceções prevista pelo texto do art. 3º da Lei 8.009/90.
Neste sentido:
"EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução.
Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido."
(STF - RE 407.688-8 - Pleno - Rel. Min. Cezar Peluso - Data do Julgamento - 08/02/2006).
Os próprios agravantes afirmam que figuraram como fiadores em contrato de locação de imóvel urbano, razão pela qual a eles não beneficia a regra da impenhorabilidade do bem de família, haja vista a exceção prevista pelo art. 3º, VII da Lei 8.009/90.
Esclareço que embora já tenha me filiado à tese que admitia a desconstituição de penhora incidente sobre bem de família de propriedade de fiadores em contrato de locação, em razão da modificação de entendimento do STF, órgão jurisdicional responsável pela guarda e interpretação do texto constitucional, curvo-me a nova orientação adotada.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo.
Custas pelo agravante.
O SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI:
VOTO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito ativo, interposto por Marcos Gomes de Deus e Altina Boaventura Gomes contra decisão proferida pelo juiz de direito da Vara de Execuções Criminais, Infância e Juventude e Precatórias da comarca de Patos de Minas (reproduzida à f. 74-TJ), o qual, nos autos dos embargos à execução opostos a execução que lhes movem Nicéia Rodrigues Cordeiro e Miralda Rodrigues Cordeiro, recebeu a apelação interposta pelos agravantes apenas no efeito devolutivo, com fundamento no art. 520, V do CPC.
Em síntese, os recorrentes alegam que, prosseguindo a execução, o único imóvel no qual reside o casal sofrerá os efeitos da penhora (f. 28-TJ), resultando em ofensa ao direito constitucional de moradia.
Arrematam requerendo a concessão de efeito ativo e, a final, o provimento do agravo para reformar a decisão recorrida, com a atribuição de efeito suspensivo à apelação.
Às f. 92-93-TJ foi deferida a formação do agravo e indeferido o efeito ativo pleiteado.
Conquanto intimados as agravadas não apresentaram contra-razões, consoante se depreende da certidão de f. 96 - TJ.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Compulsando os autos verifica-se que o patrimônio dos agravantes sofreu atos constritivos, em razão de figurarem como fiadores em contrato de locação.
Em razão disso, os agravantes opuseram embargos à execução (f.16-25-TJ), ao argumento de que a penhora é insubsistente, ante a impenhorabilidade do imóvel em questão, vez que constitui bem de família.
O juiz de primeiro grau julgou improcedentes os embargos (f. 47-51-TJ), o que levou à interposição do recurso de apelação pelos recorrentes (f. 52-73-TJ). Com fundamento no art. 520, V do CPC, o magistrado recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo.
Os agravantes pugnam pela aplicação do art. 588, parágrafo único, do CPC, que permite que se atribua efeito suspensivo à apelação em casos que possam resultar lesão grave e de difícil reparação.
O eminente relator deste recurso não aplicou a regra da impenhorabilidade do bem de família no caso dos agravantes, que figuram como fiadores, conforme o art. 3º, VII da Lei nº. 8.009/90.
Manifesto minha divergência, pelas razões seguintes.
Por razões ético-sociais e até mesmo humanitárias, houve por bem o legislador brasileiro prever algumas hipóteses em que, embora disponíveis, certos bens pertencentes ao patrimônio do devedor não são passíveis de penhora.
Assim, a Lei 8.009/90, ao dispor sobre bem de família, vedou a penhora não apenas do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, mas também definiu como impenhoráveis os móveis que guarneçam a residência. Desse modo, desde que não constituam adornos suntuosos, são impenhoráveis os bens necessários à regular utilização da moradia.
Todavia, o mesmo diploma normativo, Lei 8.009/90, retira, no seu art. 3º, a garantia de impenhorabilidade dos citados bens em algumas situações específicas. É o caso dos objetos que garantem obrigação decorrente de fiança prestada em contrato de locação, conforme inciso acrescentado ao art. 3º pela Lei 8.245/91, senão vejamos:
'Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Acrescentado pela Lei nº 8.245, de 18/10/91)'
Com base em tal dispositivo legal, o entendimento que tem prevalecido nos tribunais é de que, em se tratando de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, deve-se afastar a impenhorabilidade dos bens de família prevista pelo art. 1º da Lei 8.009/90.
Conforme decidiu recentemente o STF, no RE 407688/SP, da relatoria do Ministro Cézar Peluso, o bem de família pertencente ao fiador em contrato de locação é passível de ser penhorado, ao fundamento de que não existe violação ao direito social à moradia, previsto no art. 6o da CF, porquanto este não se confunde com o direito à propriedade imobiliária. Ademais, a possibilidade de penhora do bem de família do fiador estimula e facilita o acesso à habitação arrendada, porquanto afasta a necessidade de garantias mais onerosas.
Conquanto o próprio STF tenha decidido, conforme já ressaltado, pela aplicação do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, penso que a solução deva se dar em sentido oposto.
Em primeiro lugar, verifica-se que a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, incluiu a moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6º da CF/88, o qual constitui norma ordem pública. Ora, ao proceder de tal maneira, o constituinte nada mais fez do que reconhecer o óbvio: a moradia como direito fundamental da pessoa humana para uma vida digna em sociedade.
Com espeque na alteração realizada pela Emenda Constitucional nº 26 e no próprio escopo da Lei 8.009/90, resta claro que as exceções previstas no art. 3º dessa lei não podem ser tidas como irrefutáveis, sob pena de dar cabo, em alguns casos, à função social que exerce o bem de família, o que não pode ser admitido. Na esteira de tal entendimento, já se pronunciou o STJ:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO.
Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000). Recurso desprovido.
(STJ, 5a Turma, REsp nº 699837/RS, Relator: Ministro Félix Fischer, data do julgamento: 2/8/2005)
Ademais, a prevalecer o entendimento segundo o qual o direito à moradia não se confunde com o direito à propriedade imobiliária, o que se verá é o insensato desalojamento de inúmeras famílias ao singelo argumento de que subsiste o direito à moradia arrendada, como se a ordem econômica excludente sob a qual vivemos não trouxesse agruras bastantes à classe média. Em outras palavras, com efeito, facilita-se a moradia do locatário e subtrai-a do fiador.
Não se olvida que a penhorabilidade do bem de família do fiador, além de afrontar o direito à moradia, fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Isso devido ao fato de que não há razão para estabelecer tratamento desigual entre o locatário e o seu fiador, sobretudo porque a obrigação do fiador é acessória à do locatário, e, assim, não há justificativa para prever a impenhorabilidade do bem de família em relação a este e vedá-la em relação àquele.
Por derradeiro, insubsistente é o argumento de que a possibilidade de penhora do bem de família do fiador estimula e facilita o acesso à habitação arrendada. É que, diante tal possibilidade, poucos se aventurarão a prestar fiança, o que dificultará sobremaneira o cumprimento de tal requisito por parte do locatário, que terá a penosa tarefa de conseguir um fiador.
Destarte, entende-se que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 não deve ser aplicada ao caso sob julgamento.
Ultrapassada a questão da impenhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação, deve-se mencionar que os agravantes demonstraram que o bem que consta no auto de penhora (f. 28-TJ) é a única propriedade do casal, conforme documentos de f. 30-46-TJ.
Dentre tais documentos encontram-se diversas certidões negativas de propriedade de imóveis, sendo que o único registro de propriedade do casal (f. 45-TJ), descreve exatamente o imóvel penhorado.
Caso não seja atribuído efeito suspensivo à apelação interposta pelos recorrentes, o bem de família destes poderá ser alienado o que, sem dúvida, configura perigo de dano grave ou de incerta reparação. Aplicável, portanto, a regrado art. 558, parágrafo único, do CPC.
Com tais fundamentos, DOU PROVIMENTO ao agravo para atribuir efeito suspensivo à apelação interposta nos embargos à execução (autos nº. 1.0480.05.076516-7/001), em razão da presença de perigo de dano grave ou de difícil reparação ao direito de moradia dos recorrentes.
Custas recursais, ao final, pela parte sucumbente.
O SR. DES. FABIO MAIA VIANI:
VOTO
Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto por Marcos Gomes de Deus e Altina Boaventura Gomes da decisão que, nos autos dos embargos à execução opostos a Niceias Rodrigues Cordeiro e Miralda Rodrigues Cordeiro, recebeu a apelação apenas no efeito devolutivo (fl. 74-TJ).
Segundo os agravantes, caso o recurso não seja recebido em ambos os efeitos, o único imóvel de propriedade do casal sofrerá atos expropriatórios.
A persistir a decisão agravada, restará frustrado o direito à moradia.
Pugnam, com o provimento do agravo, pelo recebimento da apelação também no efeito devolutivo.
O eminente desembargador relator deferiu a formação do agravo e indeferiu a tutela antecipada recursal, ao fundamento de que, para a concessão do excepcional efeito suspensivo à apelação, "é imprescindível que o apelante requeira e demonstre, com relevante fundamentação, que, não sendo atribuído tal efeito, poderá sofrer lesão grave e de difícil reparação, o que não ocorreu" (fls. 92-93-TJ).
Conquanto intimadas, as agravadas não apresentaram resposta ao recurso (fl. 96-TJ).
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Os agravantes interpuseram apelação (fls. 52-73-TJ) da sentença que julgou improcedentes os embargos à execução por eles interpostos (fls. 47-51-TJ).
O juiz da causa recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo, nos termos do art. 520, V, do CPC (fl. 74-TJ).
Entretanto, como já explicitado pelo eminente relator, pode o juiz da causa, a requerimento do recorrente, nos casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, conceder efeito suspensivo à apelação (CPC, art. 558, parágrafo único).
Os agravantes requereram expressamente o recebimento da apelação em ambos os efeitos (fls. 53-55-TJ), ao fundamento de que o imóvel penhorado trata-se do único bem do casal e é destinado à sua moradia.
O relator, citando recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, entende que a impenhorabilidade do bem de família não beneficia aos fiadores, nos termos do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90.
Não comungo, contudo, dessa orientação, pelas razões que passo a expor.
O art. 1º da Lei nº. 8.009/90 estabelece que o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável, motivo pelo qual não responderá por qualquer tipo de dívida, salvo nas hipóteses previstas no art. 3º, incisos I a VI, da referida lei.
Ocorre, porém, que a Lei nº. 8.245, de 18/10/91, acrescentou o inciso VII ao art. 3º da Lei 8.009, cujo teor é o seguinte:
"Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação."
Vê-se, assim, que o bem de família do fiador em contrato de locação teria sido excluído da impenhorabilidade.
Em estrita observância a essa norma, a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que é possível a penhora de bem de família pertencente ao fiador em contrato locatício nas ações de execução que tiverem início após a vigência do citado dispositivo.
Confira-se: REsp 173601/DF, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, julgado em 8/9/1998, DJ 13/10/1998, p. 207; REsp 645734/DF, Rel. Ministro José Arnaldo Da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/10/2004, DJ 29/11/2004, p. 393; REsp 439861/MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 20/8/2002, DJ 19/12/2002, p. 495.
E, como bem observou o relator, inclusive o plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 407.688-8/SP, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, em 8/2/2006, manifestou entendimento nesse sentido.
Não obstante, mantenho a orientação adotada por julgamento anterior do tribunal máximo, no qual ficou consignado que o art. 6º da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 26/2000, ao estampar o direito à moradia como direito fundamental de segunda geração (direito social), não recepcionou o inciso VII do art. 3º da Lei nº. 8.009/90 (redação dada pela Lei nº. 8.254/91).
Ademais, reconhecer o direito à moradia do locatário e suprir o mesmo direito ao fiador fere o princípio da isonomia.
É o que se constata na ementa transcrita abaixo:
"CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE.
Lei nº. 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora 'por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação': sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000.
Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito.
Recurso extraordinário conhecido e provido."
(RE 352940/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Decisão monocrática de 25/4/2005, DJ 9/5/2005, p. 106)
Tal orientação inclusive chegou a ser adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO.
FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO.
I - Inadmitem-se as preliminares argüidas em contra-razões à míngua do necessário prequestionamento, porquanto não foram objeto de discussão pelo e. Tribunal a quo (Súmula nº 282 do Pretório Excelso).
II - Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000).
Recurso provido."
(REsp 745161/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/8/2005, DJ 26/9/2005, p. 455)
Vale ainda ressaltar que o julgamento do RE 407.688-8/SP pelo plenário do STF, citado pelo nobre relator, não foi unânime, ficando vencidos os Ministros Eros Grau, Carlos Brito e Celso de Mello.
Por outro lado, se o devedor principal do contrato de locação tem assegurado o direito à impenhorabilidade do bem de família, afigura-se completamente desarrazoado que o fiador - via de regra, devedor subsidiário - seja obrigado a suportar a constrição por uma dívida que sequer se beneficiou.
Assim se manifestou o Ministro Celso de Mello, no julgamento supra citado:
"A 'ratio' subjacente a esse entendimento prende-se ao fato de que o bem de família do devedor principal - que é o locatário - não pode ser penhorado, muito embora o fiador - que se qualifica como garante meramente subsidiário (CC, art. 827) - possa sofrer a penhora de seu único imóvel residencial, daí resultando um paradoxo absolutamente inaceitável, pois, presente tal contexto, falecer-lhe-á a possibilidade de, em regresso, uma vez paga, por ele, a obrigação principal, fazer incidir essa mesma constrição judicial sobre o imóvel residencial eventualmente pertencente ao inquilino."
O certo é que não resta dúvida de que a ressalva trazida pela Lei nº. 8.245/1991 (inciso VII do art. 3º da Lei 8009/90) fere o princípio isonômico, exatamente por tratar desigualmente situações iguais.
Há que se acrescentar ainda que, ao criar o instituto da impenhorabilidade do bem de família, o legislador quis proteger a dignidade da pessoa humana com vistas a impedir situações de penúria e desabrigo.
Nesse sentido, a lição de Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2000, 28ª ed., p.12), no que tange ao princípio do respeito à dignidade humana:
"É aceito pela melhor doutrina e prevalece na jurisprudência o entendimento de que 'a execução não deve levar o executado a uma situação incompatível com a dignidade da pessoa humana'. Não pode a execução ser utilizada como instrumento para causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e sua família, gerando situações incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, institui o código a impenhorabilidade de certos bens como alimentos, salários, instrumentos de trabalho, pensões, seguro de vida (art. 649)."
Logo, o art. 3º, inciso VII da lei 8.009/90 não apenas ofende o art. 6º da Carta Magna, como também afronta o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88) e da igualdade (art. 5º, caput, CF/88).
Confira-se manifestação do Ministro Eros Grau no julgamento do RE nº. 407.688/SP:
"A impenhorabilidade do imóvel residencial instrumenta a proteção do indivíduo e sua família quanto a necessidades materiais, de sorte a prover sua subsistência. Aí, enquanto o instrumento a garantir a subsistência individual e familiar - a dignidade humana, pois - a propriedade consiste em um direito individual e cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo. A essa propriedade, aliás, não é imputável função social; apenas os abusos cometidos no seu exercício encontram limitação, adequada, nas disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal."
A impenhorabilidade do bem de família do fiador trata-se, aliás, de entendimento já consolidado pelos membros desta câmara, mesmo após o julgamento do RE 407.688-8 pelo pleno do STF realizado em 8/2/2006:
"LOCAÇÃO - FIADOR - PENHORA - BEM DE FAMÍLIA -IMPOSSIBILIDADE.
Porque possibilita ser penhorado o bem familiar do fiador de locação, privilegiando o locador, o inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90 afronta o art. 6º da Constituição Federal, que releva a função social da moradia, não o interesse particular."
(AC 2.0000.00.509140-5/000 - Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes - j. em 23/6/2006)
"EXECUÇÃO DE SENTENÇA - EMBARGOS À PENHORA - BEM DE FAMÍLIA - IMÓVEL RESIDENCIAL -EXCEÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 3º, VII, DA LEI 8009/90 - NÃO APLICAÇÃO - DIREITO À MORADIA - GARANTIA CONSTITUCIONAL - INSUSBSISTÊNCIA DA PENHORA RECONHECIDA.
É impenhorável o imóvel residencial do casal ou entidade familiar, e, para os efeitos dessa restrição, considera-se como residência "um único imóvel utilizado pelo casal ou entidade familiar para moradia permanente", ainda que de fiador."
(AC nº. 1.0439.06.055886-3/001 - Rel. Des. Unias Silva - j. em 21/8/2007)
"EMBARGOS À EXECUÇÃO - FIANÇA - BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR - IMPENHORABILIDADE - EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII, DA LEI 8.009/90 - CONFLITO COM O DIREITO À MORADIA -- ÚNICO IMÓVEL RESIDENCIAL - NULIDADE DA PENHORA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - TUTELA DECLARATÓRIA - FIXAÇÃO DE ACORDO COM O ART. 20, § 4º DO CPC.
- A Lei 8.009/90, ao dispor sobre bem de família, vedou a penhora do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar e dos móveis que guarneçam a residência e não constituam adornos suntuosos, estabelecendo, todavia, algumas exceções em seu art. 3º.
- No que se refere à exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90 - penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação -, o que se observa é que tal disposição, além de afrontar o direito à moradia, garantido no art. 6º, caput, da CF/88, fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade, uma vez que não há razão para estabelecer tratamento desigual entre o locatário e o seu fiador.
- Em se tratando de tutela de natureza declaratória, os honorários advocatícios devem ser fixados conforme o § 4º do art. 20 do CPC, levando-se em consideração o grau de zelo do causídico, o tempo da demanda e o local em que tramitou, razão pela qual se deve alterar a fixação levada a efeito pela juíza de primeiro grau."
(AC nº. 1.0024.04.384005-7/001 - Rel. Des. Elpídio Donizetti - j. em 17/4/2007)
"A partir da Emenda Constitucional nº 26/2000, a moradia foi elevada à condição de direito fundamental, razão pela qual a regra da impenhorabilidade do bem de família foi estendida ao imóvel do fiador. Dessa forma, no processo de execução, o princípio da dignidade humana deve ser respeitado, razão pela qual o devedor não poderá ser levado à condição de penúria e desabrigo para satisfação do crédito.
Nesse diapasão, em respeito ao princípio da igualdade, deve-se assegurar tanto ao fiador quanto ao devedor principal do contrato de locação o direito à impenhorabilidade do bem de família."
(AC nº. 1.0701.06.152278-8/001 - Rel. Des. Fábio Maia Viani - j. em 16/10/2007)
De resto, nem se diga que o fiador, ao assinar o contrato de locação por vontade própria, renuncia ao direito de moradia.
Assim também, mutatis mutandis, já se manifestou esta câmara, quando do julgamento da apelação nº. 1.0118.05.001922-3/001, em que figurei como relator do acórdão, em 4/12/2007:
"Argumenta-se que a hipótese dos autos se amolda às exceções permissivas de constrição de bem de família (Lei 8.009/90, art. 3º, V). O devedor obteve financiamento para fomentar atividade agrícola, oferecendo, em garantia hipotecária, o seu único imóvel residencial. Pessoa livre e capaz para dispor de seus bens, hipotecou, sem qualquer oposição, o imóvel objeto da ação executiva.
Entretanto, por tratar-se de norma de ordem pública, com status de direito social (CF, art. 6º), a impenhorabilidade não poderá ser afastada por renúncia do devedor, em detrimento da família.
O sentido da norma consiste na proteção da entidade familiar e sua dignidade (art. 1º, III, da CF/88), sujeita às intempéries econômicas, mas imune à expropriação da moradia, pretendida pelo credor.
Com já decidiu, a propósito, o Superior Tribunal de Justiça:
'PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. EMBARGOS. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. SÚMULA N. 211-STJ. BEM DE FAMÍLIA. ÚNICO BEM. RENÚNCIA INCABÍVEL. PROTEÇÃO LEGAL. NORMA DE ORDEM PÚBLICA. LEI N. 8.009/90.
I. 'Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo' - Súmula n. 211-STJ.
II. A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia ao privilégio pelo devedor, constituindo princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada, que se tem por viciada ex vi legis.'
(REsp 805713 / DF Recurso Especial 2005/0210993-5; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 16.04.2007).
Em similar sentido:
'Processo civil. Recurso especial. Ação de embargos do devedor à execução. Bem de família. Móveis. Oferta em penhora pelo devedor. Renúncia tácita à impenhorabilidade prevista na Lei nº. 8009/90. Inadmissibilidade. Ônus de sucumbência. Fundamento não atacado.
- Não renuncia à impenhorabilidade prevista na Lei nº. 8009/90 o devedor que oferta em penhora o bem de família que possui.
- Se a proteção do bem visa atender à família, e não apenas ao devedor, deve-se concluir que este não poderá, por ato processual individual e isolado, renunciar à proteção, outorgada por lei em norma de ordem pública, a toda a entidade familiar.
- É inadmissível o recurso especial na parte em que restou deficientemente fundamentado.'
(REsp 526460 / RS, Recurso Especial 2003/0028652-1 ministra Nancy Andrighi; Segunda Seção; DJ 18.10.2004)
'PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. IMÓVEL OCUPADO POR EX-COMPANHEIRA E PELO FILHO DO DEVEDOR. IMPENHORABILIDADE. RENÚNCIA AO FAVOR LEGAL. INVALIDADE. PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA. LEI N. 8.009/90.
I. A proteção conferida à entidade familiar pela Lei n. 8.009/90 se estende à situação em que o imóvel constritado se acha ocupado pela ex-companheira e pelo filho do executado, sendo destituída de validade cláusula contratual em que ele abre mão do favor legal, que, por se cuidar de norma de ordem pública, é sempre preponderante.
II. Tampouco importa em renúncia ao benefício a indicação anterior do bem à penhora.'
(REsp 507686 / SP, Recurso Especial 2003/0016693-6; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 22.03.2004)
Andou bem, portanto, a sentença ao desconstituir a penhora incidente sobre o bem de família."
Nesse sentido, aliás, é voto do Ministro Carlos Britto, quando do julgamento do RE nº. 407.688/SP:
"A Constituição usa o substantivo 'moradia' em três oportunidades: a primeira, no artigo 6º, para dizer que a moradia é direito social; a segunda, no inciso IV do artigo 7º, para dizer, em alto e bom som, que a moradia se inclui entre as 'necessidades vitais básicas' do trabalhador e de sua família; e, na terceira vez, a Constituição usa o termo 'moradia' como política pública, inserindo-a no rol das competências materiais concomitantes do Estado, da União, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 23, inciso IX).
A partir dessas qualificações constitucionais, sobretudo aquela que faz da moradia uma necessidade essencial, vital básica do trabalhador e de sua família, entendo que esse direito à moradia se torna indisponível, é não-potestativo, não pode sofrer penhora por efeito de um contrato de fiação. Ele não pode, mediante um contrato de fiação, decair."
Torna-se necessário, no entanto, para usufruir dessa proteção, que a parte executada demonstre que o imóvel sobre o qual recai a constrição é, de fato, bem de família. Somente, dessa forma, é que o devedor fará jus ao benefício garantido constitucionalmente.
No caso dos autos, os agravantes realizaram a devida comprovação por meio dos documentos de fls. 30-46-TJ.
Com essas considerações, tenho como relevante a fundamentação do recurso de apelação, sendo manifesto o perigo de lesão grave e de difícil reparação.
De modo que DOU PROVIMENTO ao agravo para, presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, determinar o recebimento da apelação em ambos os efeitos.
Custas pelos agravados.
Número do processo:
1.0480.05.076516-7/002(1)
Relator:
D. VIÇOSO RODRIGUES
Relator do Acordão:
FABIO MAIA VIANI
Data do Julgamento:
19/02/2008
Data da Publicação:
13/03/2008
Inteiro Teor:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EMBARGOS À EXECUÇÃO JULGADOS IMPROCEDENTES - APELAÇÃO - EFEITO SUSPENSIVO - PENHORA - IMÓVEL DO FIADOR - BEM DE FAMÍLIA - DIREITO À MORADIA - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA E IGUALDADE - IRRENUNCIABILIDADE. A partir da Emenda Constitucional nº. 26/2000, a moradia foi elevada à condição de direito fundamental, razão pela qual a regra da impenhorabilidade do bem de família foi estendida ao imóvel do fiador, caso este seja destinado à sua moradia e à de sua família. No processo de execução, o princípio da dignidade humana deve ser considerado, razão pela qual o devedor, principalmente o subsidiário, não pode ser levado à condição de penúria e desabrigo para que o crédito seja satisfeito. Em respeito ao princípio da igualdade, deve ser assegurado tanto ao devedor fiador quanto ao devedor principal do contrato de locação o direito à impenhorabilidade do bem de família. Por tratar-se de norma de ordem pública, com status de direito social, a impenhorabilidade não poderá ser afastada por renúncia do devedor, em detrimento da família.
V.V.
AGRAVO DE INSTRUMENTO - APELAÇÃO INTERPOSTA CONTRA EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA - ART. 520, V DO CPC - RECEBIMENTO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO. O recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedentes os embargos à execução, por se enquadrar na exceção prevista pelo inciso V do art. 520 do Código de Processo Civil, deve ser recebido apenas no efeito devolutivo.
AGRAVO N° 1.0480.05.076516-7/002 - COMARCA DE PATOS DE MINAS - AGRAVANTE(S): MARCOS GOMES DE DEUS E SUA MULHER - AGRAVADO(A)(S): NICEIAS RODRIGUES CORDEIRO E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. D. VIÇOSO RODRIGUES - RELATOR PARA O ACÓRDÃO: EXMO SR. DES. FABIO MAIA VIANI
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O RELATOR.
Belo Horizonte, 19 de fevereiro de 2008.
DES. D. VIÇOSO RODRIGUES - Relator vencido.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Assistiu ao julgamento, pelos agravados, o Dr. Josias Alves.
O SR. DES. D. VIÇOSO RODRIGUES:
VOTO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por MARCOS GOMES DE DEUS E OUTRA contra decisão proferida pelo Juízo da Vara de Execuções da Comarca de Patos de Minas-MG que, nos autos dos EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA ajuizado em desfavor de NICÉIA RODRIGUES CORDEIRO E OUTROS, recebeu a apelação interposta pelos agravantes, em face da sentença que julgou improcedente seus pedidos, apenas no efeito devolutivo, com base no art. 520, inciso V, CPC.
Sustentam, os agravantes, a necessidade de reforma da decisão atacada, ao fundamento de que a regra do art. 520, V, CPC, não é absoluta, haja vista que o art. 558 do mesmo codéx permite que seja conferido efeito suspensivo à apelação, nos casos que possam resultar em lesão grave ou de difícil reparação.
Argumenta que o Juízo a quo determinou o prosseguimento da execução, cujo imóvel penhorado é o único bem do casal agravante, onde inclusive residem, ferindo o direito à moradia .
Dessa forma, pugnam pela reforma da decisão interlocutória para determinar o recebimento do recurso de apelação no efeito suspensivo.
Os agravados foram intimados para apresentarem resposta ao recurso, mas quedaram-se inertes.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Primeiramente, ressalto que o objetivo visado pelo ora recorrente é atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento aviado contra sentença proferida em Embargos à Execução de Sentença que foram julgados improcedentes.
O Código de Processo Civil, em seu art. 520, V, dispõe, in verbis:
"A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
(...)
V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes."
Verifica-se, portanto, que a pretensão almejada pelo ora recorrente colide frontalmente com o texto legal citado, fato que caracteriza a manifesta improcedência do recurso.
Esta é a lição de Luiz Guilherme Marinoni, que leciona:
"Também deve ser considerado manifestamente improcedente o recurso deduzido contra texto expresso de lei ou fato incontroverso."
(MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento - 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2004, p. 626).
Não obstante o art.588, CPC, permitir que se atribua efeito suspensivo à apelação que, por força de lei, tenha apenas efeito devolutivo, faz-se necessário que o agravante demonstre o risco de lesão grave e de difícil reparação, caso o recurso não seja recebido no duplo efeito.
In casu, não vislumbro os requisitos que justifiquem o recebimento da apelação interposta no efeito suspensivo. É que.
Cinge-se a controvérsia na possibilidade de constrição judicial do bem de família de propriedade do fiador de contrato de locação, tendo em vista a exceção esculpida no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, acrescentado pela Lei 8.245/91.
Tomando por base o disposto no art. 6º da Constituição da República, com redação determinada pela Emenda n.º 26/2000, entendem os agravantes que as exceções legais à regra da impenhorabilidade do bem de família não podem prevalecer quando confrontadas com direito fundamental, de índole, garantido pelo Texto Constitucional.
Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a matéria, não acolheu o entendimento adotado no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 352.940-4 de relatoria do Ministro Carlos Veloso que defendia a impossibilidade de penhora do bem de família do fiador por afrontar direito fundamental de moradia deste.
O pleno do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário de n.º 407.688-8 entendeu que a garantia do direito de moradia não impede a aplicação das exceções prevista pelo texto do art. 3º da Lei 8.009/90.
Neste sentido:
"EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução.
Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido."
(STF - RE 407.688-8 - Pleno - Rel. Min. Cezar Peluso - Data do Julgamento - 08/02/2006).
Os próprios agravantes afirmam que figuraram como fiadores em contrato de locação de imóvel urbano, razão pela qual a eles não beneficia a regra da impenhorabilidade do bem de família, haja vista a exceção prevista pelo art. 3º, VII da Lei 8.009/90.
Esclareço que embora já tenha me filiado à tese que admitia a desconstituição de penhora incidente sobre bem de família de propriedade de fiadores em contrato de locação, em razão da modificação de entendimento do STF, órgão jurisdicional responsável pela guarda e interpretação do texto constitucional, curvo-me a nova orientação adotada.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo.
Custas pelo agravante.
O SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI:
VOTO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito ativo, interposto por Marcos Gomes de Deus e Altina Boaventura Gomes contra decisão proferida pelo juiz de direito da Vara de Execuções Criminais, Infância e Juventude e Precatórias da comarca de Patos de Minas (reproduzida à f. 74-TJ), o qual, nos autos dos embargos à execução opostos a execução que lhes movem Nicéia Rodrigues Cordeiro e Miralda Rodrigues Cordeiro, recebeu a apelação interposta pelos agravantes apenas no efeito devolutivo, com fundamento no art. 520, V do CPC.
Em síntese, os recorrentes alegam que, prosseguindo a execução, o único imóvel no qual reside o casal sofrerá os efeitos da penhora (f. 28-TJ), resultando em ofensa ao direito constitucional de moradia.
Arrematam requerendo a concessão de efeito ativo e, a final, o provimento do agravo para reformar a decisão recorrida, com a atribuição de efeito suspensivo à apelação.
Às f. 92-93-TJ foi deferida a formação do agravo e indeferido o efeito ativo pleiteado.
Conquanto intimados as agravadas não apresentaram contra-razões, consoante se depreende da certidão de f. 96 - TJ.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Compulsando os autos verifica-se que o patrimônio dos agravantes sofreu atos constritivos, em razão de figurarem como fiadores em contrato de locação.
Em razão disso, os agravantes opuseram embargos à execução (f.16-25-TJ), ao argumento de que a penhora é insubsistente, ante a impenhorabilidade do imóvel em questão, vez que constitui bem de família.
O juiz de primeiro grau julgou improcedentes os embargos (f. 47-51-TJ), o que levou à interposição do recurso de apelação pelos recorrentes (f. 52-73-TJ). Com fundamento no art. 520, V do CPC, o magistrado recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo.
Os agravantes pugnam pela aplicação do art. 588, parágrafo único, do CPC, que permite que se atribua efeito suspensivo à apelação em casos que possam resultar lesão grave e de difícil reparação.
O eminente relator deste recurso não aplicou a regra da impenhorabilidade do bem de família no caso dos agravantes, que figuram como fiadores, conforme o art. 3º, VII da Lei nº. 8.009/90.
Manifesto minha divergência, pelas razões seguintes.
Por razões ético-sociais e até mesmo humanitárias, houve por bem o legislador brasileiro prever algumas hipóteses em que, embora disponíveis, certos bens pertencentes ao patrimônio do devedor não são passíveis de penhora.
Assim, a Lei 8.009/90, ao dispor sobre bem de família, vedou a penhora não apenas do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, mas também definiu como impenhoráveis os móveis que guarneçam a residência. Desse modo, desde que não constituam adornos suntuosos, são impenhoráveis os bens necessários à regular utilização da moradia.
Todavia, o mesmo diploma normativo, Lei 8.009/90, retira, no seu art. 3º, a garantia de impenhorabilidade dos citados bens em algumas situações específicas. É o caso dos objetos que garantem obrigação decorrente de fiança prestada em contrato de locação, conforme inciso acrescentado ao art. 3º pela Lei 8.245/91, senão vejamos:
'Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Acrescentado pela Lei nº 8.245, de 18/10/91)'
Com base em tal dispositivo legal, o entendimento que tem prevalecido nos tribunais é de que, em se tratando de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, deve-se afastar a impenhorabilidade dos bens de família prevista pelo art. 1º da Lei 8.009/90.
Conforme decidiu recentemente o STF, no RE 407688/SP, da relatoria do Ministro Cézar Peluso, o bem de família pertencente ao fiador em contrato de locação é passível de ser penhorado, ao fundamento de que não existe violação ao direito social à moradia, previsto no art. 6o da CF, porquanto este não se confunde com o direito à propriedade imobiliária. Ademais, a possibilidade de penhora do bem de família do fiador estimula e facilita o acesso à habitação arrendada, porquanto afasta a necessidade de garantias mais onerosas.
Conquanto o próprio STF tenha decidido, conforme já ressaltado, pela aplicação do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, penso que a solução deva se dar em sentido oposto.
Em primeiro lugar, verifica-se que a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, incluiu a moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6º da CF/88, o qual constitui norma ordem pública. Ora, ao proceder de tal maneira, o constituinte nada mais fez do que reconhecer o óbvio: a moradia como direito fundamental da pessoa humana para uma vida digna em sociedade.
Com espeque na alteração realizada pela Emenda Constitucional nº 26 e no próprio escopo da Lei 8.009/90, resta claro que as exceções previstas no art. 3º dessa lei não podem ser tidas como irrefutáveis, sob pena de dar cabo, em alguns casos, à função social que exerce o bem de família, o que não pode ser admitido. Na esteira de tal entendimento, já se pronunciou o STJ:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO.
Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000). Recurso desprovido.
(STJ, 5a Turma, REsp nº 699837/RS, Relator: Ministro Félix Fischer, data do julgamento: 2/8/2005)
Ademais, a prevalecer o entendimento segundo o qual o direito à moradia não se confunde com o direito à propriedade imobiliária, o que se verá é o insensato desalojamento de inúmeras famílias ao singelo argumento de que subsiste o direito à moradia arrendada, como se a ordem econômica excludente sob a qual vivemos não trouxesse agruras bastantes à classe média. Em outras palavras, com efeito, facilita-se a moradia do locatário e subtrai-a do fiador.
Não se olvida que a penhorabilidade do bem de família do fiador, além de afrontar o direito à moradia, fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Isso devido ao fato de que não há razão para estabelecer tratamento desigual entre o locatário e o seu fiador, sobretudo porque a obrigação do fiador é acessória à do locatário, e, assim, não há justificativa para prever a impenhorabilidade do bem de família em relação a este e vedá-la em relação àquele.
Por derradeiro, insubsistente é o argumento de que a possibilidade de penhora do bem de família do fiador estimula e facilita o acesso à habitação arrendada. É que, diante tal possibilidade, poucos se aventurarão a prestar fiança, o que dificultará sobremaneira o cumprimento de tal requisito por parte do locatário, que terá a penosa tarefa de conseguir um fiador.
Destarte, entende-se que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 não deve ser aplicada ao caso sob julgamento.
Ultrapassada a questão da impenhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação, deve-se mencionar que os agravantes demonstraram que o bem que consta no auto de penhora (f. 28-TJ) é a única propriedade do casal, conforme documentos de f. 30-46-TJ.
Dentre tais documentos encontram-se diversas certidões negativas de propriedade de imóveis, sendo que o único registro de propriedade do casal (f. 45-TJ), descreve exatamente o imóvel penhorado.
Caso não seja atribuído efeito suspensivo à apelação interposta pelos recorrentes, o bem de família destes poderá ser alienado o que, sem dúvida, configura perigo de dano grave ou de incerta reparação. Aplicável, portanto, a regrado art. 558, parágrafo único, do CPC.
Com tais fundamentos, DOU PROVIMENTO ao agravo para atribuir efeito suspensivo à apelação interposta nos embargos à execução (autos nº. 1.0480.05.076516-7/001), em razão da presença de perigo de dano grave ou de difícil reparação ao direito de moradia dos recorrentes.
Custas recursais, ao final, pela parte sucumbente.
O SR. DES. FABIO MAIA VIANI:
VOTO
Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto por Marcos Gomes de Deus e Altina Boaventura Gomes da decisão que, nos autos dos embargos à execução opostos a Niceias Rodrigues Cordeiro e Miralda Rodrigues Cordeiro, recebeu a apelação apenas no efeito devolutivo (fl. 74-TJ).
Segundo os agravantes, caso o recurso não seja recebido em ambos os efeitos, o único imóvel de propriedade do casal sofrerá atos expropriatórios.
A persistir a decisão agravada, restará frustrado o direito à moradia.
Pugnam, com o provimento do agravo, pelo recebimento da apelação também no efeito devolutivo.
O eminente desembargador relator deferiu a formação do agravo e indeferiu a tutela antecipada recursal, ao fundamento de que, para a concessão do excepcional efeito suspensivo à apelação, "é imprescindível que o apelante requeira e demonstre, com relevante fundamentação, que, não sendo atribuído tal efeito, poderá sofrer lesão grave e de difícil reparação, o que não ocorreu" (fls. 92-93-TJ).
Conquanto intimadas, as agravadas não apresentaram resposta ao recurso (fl. 96-TJ).
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Os agravantes interpuseram apelação (fls. 52-73-TJ) da sentença que julgou improcedentes os embargos à execução por eles interpostos (fls. 47-51-TJ).
O juiz da causa recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo, nos termos do art. 520, V, do CPC (fl. 74-TJ).
Entretanto, como já explicitado pelo eminente relator, pode o juiz da causa, a requerimento do recorrente, nos casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, conceder efeito suspensivo à apelação (CPC, art. 558, parágrafo único).
Os agravantes requereram expressamente o recebimento da apelação em ambos os efeitos (fls. 53-55-TJ), ao fundamento de que o imóvel penhorado trata-se do único bem do casal e é destinado à sua moradia.
O relator, citando recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, entende que a impenhorabilidade do bem de família não beneficia aos fiadores, nos termos do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90.
Não comungo, contudo, dessa orientação, pelas razões que passo a expor.
O art. 1º da Lei nº. 8.009/90 estabelece que o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável, motivo pelo qual não responderá por qualquer tipo de dívida, salvo nas hipóteses previstas no art. 3º, incisos I a VI, da referida lei.
Ocorre, porém, que a Lei nº. 8.245, de 18/10/91, acrescentou o inciso VII ao art. 3º da Lei 8.009, cujo teor é o seguinte:
"Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação."
Vê-se, assim, que o bem de família do fiador em contrato de locação teria sido excluído da impenhorabilidade.
Em estrita observância a essa norma, a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que é possível a penhora de bem de família pertencente ao fiador em contrato locatício nas ações de execução que tiverem início após a vigência do citado dispositivo.
Confira-se: REsp 173601/DF, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, julgado em 8/9/1998, DJ 13/10/1998, p. 207; REsp 645734/DF, Rel. Ministro José Arnaldo Da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/10/2004, DJ 29/11/2004, p. 393; REsp 439861/MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 20/8/2002, DJ 19/12/2002, p. 495.
E, como bem observou o relator, inclusive o plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 407.688-8/SP, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, em 8/2/2006, manifestou entendimento nesse sentido.
Não obstante, mantenho a orientação adotada por julgamento anterior do tribunal máximo, no qual ficou consignado que o art. 6º da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 26/2000, ao estampar o direito à moradia como direito fundamental de segunda geração (direito social), não recepcionou o inciso VII do art. 3º da Lei nº. 8.009/90 (redação dada pela Lei nº. 8.254/91).
Ademais, reconhecer o direito à moradia do locatário e suprir o mesmo direito ao fiador fere o princípio da isonomia.
É o que se constata na ementa transcrita abaixo:
"CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE.
Lei nº. 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora 'por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação': sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000.
Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito.
Recurso extraordinário conhecido e provido."
(RE 352940/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Decisão monocrática de 25/4/2005, DJ 9/5/2005, p. 106)
Tal orientação inclusive chegou a ser adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO.
FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO.
I - Inadmitem-se as preliminares argüidas em contra-razões à míngua do necessário prequestionamento, porquanto não foram objeto de discussão pelo e. Tribunal a quo (Súmula nº 282 do Pretório Excelso).
II - Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000).
Recurso provido."
(REsp 745161/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/8/2005, DJ 26/9/2005, p. 455)
Vale ainda ressaltar que o julgamento do RE 407.688-8/SP pelo plenário do STF, citado pelo nobre relator, não foi unânime, ficando vencidos os Ministros Eros Grau, Carlos Brito e Celso de Mello.
Por outro lado, se o devedor principal do contrato de locação tem assegurado o direito à impenhorabilidade do bem de família, afigura-se completamente desarrazoado que o fiador - via de regra, devedor subsidiário - seja obrigado a suportar a constrição por uma dívida que sequer se beneficiou.
Assim se manifestou o Ministro Celso de Mello, no julgamento supra citado:
"A 'ratio' subjacente a esse entendimento prende-se ao fato de que o bem de família do devedor principal - que é o locatário - não pode ser penhorado, muito embora o fiador - que se qualifica como garante meramente subsidiário (CC, art. 827) - possa sofrer a penhora de seu único imóvel residencial, daí resultando um paradoxo absolutamente inaceitável, pois, presente tal contexto, falecer-lhe-á a possibilidade de, em regresso, uma vez paga, por ele, a obrigação principal, fazer incidir essa mesma constrição judicial sobre o imóvel residencial eventualmente pertencente ao inquilino."
O certo é que não resta dúvida de que a ressalva trazida pela Lei nº. 8.245/1991 (inciso VII do art. 3º da Lei 8009/90) fere o princípio isonômico, exatamente por tratar desigualmente situações iguais.
Há que se acrescentar ainda que, ao criar o instituto da impenhorabilidade do bem de família, o legislador quis proteger a dignidade da pessoa humana com vistas a impedir situações de penúria e desabrigo.
Nesse sentido, a lição de Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2000, 28ª ed., p.12), no que tange ao princípio do respeito à dignidade humana:
"É aceito pela melhor doutrina e prevalece na jurisprudência o entendimento de que 'a execução não deve levar o executado a uma situação incompatível com a dignidade da pessoa humana'. Não pode a execução ser utilizada como instrumento para causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e sua família, gerando situações incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, institui o código a impenhorabilidade de certos bens como alimentos, salários, instrumentos de trabalho, pensões, seguro de vida (art. 649)."
Logo, o art. 3º, inciso VII da lei 8.009/90 não apenas ofende o art. 6º da Carta Magna, como também afronta o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88) e da igualdade (art. 5º, caput, CF/88).
Confira-se manifestação do Ministro Eros Grau no julgamento do RE nº. 407.688/SP:
"A impenhorabilidade do imóvel residencial instrumenta a proteção do indivíduo e sua família quanto a necessidades materiais, de sorte a prover sua subsistência. Aí, enquanto o instrumento a garantir a subsistência individual e familiar - a dignidade humana, pois - a propriedade consiste em um direito individual e cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo. A essa propriedade, aliás, não é imputável função social; apenas os abusos cometidos no seu exercício encontram limitação, adequada, nas disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal."
A impenhorabilidade do bem de família do fiador trata-se, aliás, de entendimento já consolidado pelos membros desta câmara, mesmo após o julgamento do RE 407.688-8 pelo pleno do STF realizado em 8/2/2006:
"LOCAÇÃO - FIADOR - PENHORA - BEM DE FAMÍLIA -IMPOSSIBILIDADE.
Porque possibilita ser penhorado o bem familiar do fiador de locação, privilegiando o locador, o inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90 afronta o art. 6º da Constituição Federal, que releva a função social da moradia, não o interesse particular."
(AC 2.0000.00.509140-5/000 - Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes - j. em 23/6/2006)
"EXECUÇÃO DE SENTENÇA - EMBARGOS À PENHORA - BEM DE FAMÍLIA - IMÓVEL RESIDENCIAL -EXCEÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 3º, VII, DA LEI 8009/90 - NÃO APLICAÇÃO - DIREITO À MORADIA - GARANTIA CONSTITUCIONAL - INSUSBSISTÊNCIA DA PENHORA RECONHECIDA.
É impenhorável o imóvel residencial do casal ou entidade familiar, e, para os efeitos dessa restrição, considera-se como residência "um único imóvel utilizado pelo casal ou entidade familiar para moradia permanente", ainda que de fiador."
(AC nº. 1.0439.06.055886-3/001 - Rel. Des. Unias Silva - j. em 21/8/2007)
"EMBARGOS À EXECUÇÃO - FIANÇA - BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR - IMPENHORABILIDADE - EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII, DA LEI 8.009/90 - CONFLITO COM O DIREITO À MORADIA -- ÚNICO IMÓVEL RESIDENCIAL - NULIDADE DA PENHORA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - TUTELA DECLARATÓRIA - FIXAÇÃO DE ACORDO COM O ART. 20, § 4º DO CPC.
- A Lei 8.009/90, ao dispor sobre bem de família, vedou a penhora do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar e dos móveis que guarneçam a residência e não constituam adornos suntuosos, estabelecendo, todavia, algumas exceções em seu art. 3º.
- No que se refere à exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90 - penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação -, o que se observa é que tal disposição, além de afrontar o direito à moradia, garantido no art. 6º, caput, da CF/88, fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade, uma vez que não há razão para estabelecer tratamento desigual entre o locatário e o seu fiador.
- Em se tratando de tutela de natureza declaratória, os honorários advocatícios devem ser fixados conforme o § 4º do art. 20 do CPC, levando-se em consideração o grau de zelo do causídico, o tempo da demanda e o local em que tramitou, razão pela qual se deve alterar a fixação levada a efeito pela juíza de primeiro grau."
(AC nº. 1.0024.04.384005-7/001 - Rel. Des. Elpídio Donizetti - j. em 17/4/2007)
"A partir da Emenda Constitucional nº 26/2000, a moradia foi elevada à condição de direito fundamental, razão pela qual a regra da impenhorabilidade do bem de família foi estendida ao imóvel do fiador. Dessa forma, no processo de execução, o princípio da dignidade humana deve ser respeitado, razão pela qual o devedor não poderá ser levado à condição de penúria e desabrigo para satisfação do crédito.
Nesse diapasão, em respeito ao princípio da igualdade, deve-se assegurar tanto ao fiador quanto ao devedor principal do contrato de locação o direito à impenhorabilidade do bem de família."
(AC nº. 1.0701.06.152278-8/001 - Rel. Des. Fábio Maia Viani - j. em 16/10/2007)
De resto, nem se diga que o fiador, ao assinar o contrato de locação por vontade própria, renuncia ao direito de moradia.
Assim também, mutatis mutandis, já se manifestou esta câmara, quando do julgamento da apelação nº. 1.0118.05.001922-3/001, em que figurei como relator do acórdão, em 4/12/2007:
"Argumenta-se que a hipótese dos autos se amolda às exceções permissivas de constrição de bem de família (Lei 8.009/90, art. 3º, V). O devedor obteve financiamento para fomentar atividade agrícola, oferecendo, em garantia hipotecária, o seu único imóvel residencial. Pessoa livre e capaz para dispor de seus bens, hipotecou, sem qualquer oposição, o imóvel objeto da ação executiva.
Entretanto, por tratar-se de norma de ordem pública, com status de direito social (CF, art. 6º), a impenhorabilidade não poderá ser afastada por renúncia do devedor, em detrimento da família.
O sentido da norma consiste na proteção da entidade familiar e sua dignidade (art. 1º, III, da CF/88), sujeita às intempéries econômicas, mas imune à expropriação da moradia, pretendida pelo credor.
Com já decidiu, a propósito, o Superior Tribunal de Justiça:
'PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. EMBARGOS. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. SÚMULA N. 211-STJ. BEM DE FAMÍLIA. ÚNICO BEM. RENÚNCIA INCABÍVEL. PROTEÇÃO LEGAL. NORMA DE ORDEM PÚBLICA. LEI N. 8.009/90.
I. 'Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo' - Súmula n. 211-STJ.
II. A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia ao privilégio pelo devedor, constituindo princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada, que se tem por viciada ex vi legis.'
(REsp 805713 / DF Recurso Especial 2005/0210993-5; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 16.04.2007).
Em similar sentido:
'Processo civil. Recurso especial. Ação de embargos do devedor à execução. Bem de família. Móveis. Oferta em penhora pelo devedor. Renúncia tácita à impenhorabilidade prevista na Lei nº. 8009/90. Inadmissibilidade. Ônus de sucumbência. Fundamento não atacado.
- Não renuncia à impenhorabilidade prevista na Lei nº. 8009/90 o devedor que oferta em penhora o bem de família que possui.
- Se a proteção do bem visa atender à família, e não apenas ao devedor, deve-se concluir que este não poderá, por ato processual individual e isolado, renunciar à proteção, outorgada por lei em norma de ordem pública, a toda a entidade familiar.
- É inadmissível o recurso especial na parte em que restou deficientemente fundamentado.'
(REsp 526460 / RS, Recurso Especial 2003/0028652-1 ministra Nancy Andrighi; Segunda Seção; DJ 18.10.2004)
'PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. IMÓVEL OCUPADO POR EX-COMPANHEIRA E PELO FILHO DO DEVEDOR. IMPENHORABILIDADE. RENÚNCIA AO FAVOR LEGAL. INVALIDADE. PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA. LEI N. 8.009/90.
I. A proteção conferida à entidade familiar pela Lei n. 8.009/90 se estende à situação em que o imóvel constritado se acha ocupado pela ex-companheira e pelo filho do executado, sendo destituída de validade cláusula contratual em que ele abre mão do favor legal, que, por se cuidar de norma de ordem pública, é sempre preponderante.
II. Tampouco importa em renúncia ao benefício a indicação anterior do bem à penhora.'
(REsp 507686 / SP, Recurso Especial 2003/0016693-6; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 22.03.2004)
Andou bem, portanto, a sentença ao desconstituir a penhora incidente sobre o bem de família."
Nesse sentido, aliás, é voto do Ministro Carlos Britto, quando do julgamento do RE nº. 407.688/SP:
"A Constituição usa o substantivo 'moradia' em três oportunidades: a primeira, no artigo 6º, para dizer que a moradia é direito social; a segunda, no inciso IV do artigo 7º, para dizer, em alto e bom som, que a moradia se inclui entre as 'necessidades vitais básicas' do trabalhador e de sua família; e, na terceira vez, a Constituição usa o termo 'moradia' como política pública, inserindo-a no rol das competências materiais concomitantes do Estado, da União, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 23, inciso IX).
A partir dessas qualificações constitucionais, sobretudo aquela que faz da moradia uma necessidade essencial, vital básica do trabalhador e de sua família, entendo que esse direito à moradia se torna indisponível, é não-potestativo, não pode sofrer penhora por efeito de um contrato de fiação. Ele não pode, mediante um contrato de fiação, decair."
Torna-se necessário, no entanto, para usufruir dessa proteção, que a parte executada demonstre que o imóvel sobre o qual recai a constrição é, de fato, bem de família. Somente, dessa forma, é que o devedor fará jus ao benefício garantido constitucionalmente.
No caso dos autos, os agravantes realizaram a devida comprovação por meio dos documentos de fls. 30-46-TJ.
Com essas considerações, tenho como relevante a fundamentação do recurso de apelação, sendo manifesto o perigo de lesão grave e de difícil reparação.
De modo que DOU PROVIMENTO ao agravo para, presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, determinar o recebimento da apelação em ambos os efeitos.
Custas pelos agravados.
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