terça-feira, 11 de setembro de 2012

ARTIGO DE JOÃO HORA NETO SOBRE A "SAIDINHA DE BANCO".

Prezados Amigos do Blog. 

Sugiro a leitura do artigo de João Hora Neto, professor da Universidade Federal de Sergipe e Juiz de Direito, tratando da responsabilidade civil decorrente do crime de "saidinha" de banco. 

O texto está no meu site: www.flaviotartuce.adv.br, na seção ARTIGOS DE CONVIDADOS. 

Boa leitura e boas reflexões!

Abraços do Professor Flávio Tartuce

terça-feira, 4 de setembro de 2012

RESUMO. INFORMATIVO 502 DO STJ.


RESUMO. INFORMATIVO 502 DO STJ.

AMBIENTAL. RESTRIÇÃO À ATIVIDADE ECONÔMICA. MADEIREIRA EXPLORADORA DE MOGNO. A edição de norma que suspende o transporte, a comercialização e a exportação de madeira, bem como as autorizações para exploração e desmatamento têm efeito sobre a madeira já derrubada, sob pena de esvaziar o comando normativo do ato protetivo. O Min. Relator asseverou que, caso a Instrução Normativa n. 3/1998 do Ibama – que restringiu a exploração de mogno – não pudesse ter o alcance por ela definido, deveria ser reconhecida sua parcial ilegalidade e inconstitucionalidade, pois o transporte, a comercialização e a exportação pressupõem logicamente que a madeira já esteja derrubada. Pelo contrário, a referida instrução normativa embasou-se no art. 14, b, da Lei n. 4.771/1965 e nos arts. 225, § 1º, V e VII, da CF. Ademais, os atos da Administração tendentes a proteger o ambiente, tal como a restrição à atividade econômica desenvolvida pela madeireira, devem ser plenamente aceitos, dada a previsão do art. 170, VI, da CF. REsp 1.183.279-PA, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/8/2012.

LOTERIA. BILHETE. TÍTULO AO PORTADOR. TITULARIEDADE DO PRÊMIO. Os concursos lotéricos constituem modalidade de jogo de azar, sendo seus prêmios pagos apenas aos portadores dos respectivos bilhetes, pois são considerados títulos ao portador e, como tais, a obrigação deve ser cumprida a quem apresente o título, liberando-se, assim, a CEF, devedora, do compromisso assumido. Contudo, é preciso consignar que o possuidor do bilhete de loteria – a despeito do caráter de título ao portador – não é, necessariamente, o titular do direito ao prêmio. Portanto, é possível a discussão quanto à propriedade do direito representado pelo título ao portador. Dessa forma, o caráter não nominativo e de literalidade do bilhete de loteria importa, apenas, ao sacado, no caso, a CEF, para finalidade específica de resgate do prêmio sorteado. REsp 1.202.238-SC, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 14/8/2012.

RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. MOMENTO OPORTUNO. A jurisprudência deste Superior Tribunal tem-se firmado no sentido de que a pretensão ao exercício do direito de retenção por benfeitorias deve ser exercida no momento da contestação, no processo de conhecimento.In casu, houve primeiramente uma ação declaratória de invalidade de compromisso de compra e venda de imóvel, a qual foi julgada parcialmente procedente para que o autor devolvesse o valor recebido e a ré restituísse o imóvel, fazendo ela jus ao direito de retenção até que fosse reembolsada. Ocorre que a recorrente ingressou com ação direta de retenção de benfeitorias com pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Conforme ressaltou a Min. Relatora, após a reforma do CPC pela Lei n. 10.444/2002, os embargos de retenção por benfeitorias só são admissíveis em execuções extrajudiciais de obrigações de dar coisa certa. Assim, em se tratando de título judicial, a arguição deve ser feita na contestação do processo de conhecimento, sob pena de preclusão. Destacou-se, contudo, que essa obrigatoriedade é válida apenas nas ações cuja sentença tenha, de imediato, acentuada carga executiva (ações possessórias e de despejo). Dessa forma, nas ações que não tenham essa carga, a ausência de discussão da matéria no processo de conhecimento não impediria o pedido de retenção quando da execução do julgado. Porém, no caso, a ação inicial não tinha natureza possessória, mas pedia cumulativamente a restituição do imóvel controvertido, devendo esse direito ser executado mediante o procedimento previsto para o cumprimento de obrigação de fazer disposto no art. 461-A do CPC. E sempre que a execução de uma sentença proferida em processo de conhecimento for promovida pela sistemática do referido artigo, a sentença estará dotada de acentuada carga executiva. Assim, visto que, nesses casos, a lei veda a oposição de embargos de retenção, uma vez que é imprescindível seja o pedido de retenção formulado na contestação, torna-se inviável que a mesma pretensão seja exercida por ação autônoma, pois pretender-se-ia o mesmo resultado, porém por via transversa. Precedentes citados: REsp 424.300-MA, DJ 4/12/2006; REsp 232.859-MS, DJ 20/8/2001, e AgRg no REsp 652.394-RJ, DJe 6/10/2010. REsp 1.278.094-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/8/2012.

RESPONSABILIDADE CIVIL. GESTOR DO FUNDO DERIVATIVO. A responsabilidade civil não pode ser imputada ao gestor do fundo derivativo (recorrente); pois, ainda que o CDC seja aplicável à relação jurídica estabelecida entre ele e o investidor (Súm. n. 297-STJ), não se pode falar em ofensa ao direito à informação (CDC, art. 8º), em publicidade enganosa (CDC, art. 37, § 1º) ou em defeito na prestação do serviço por parte do gestor de negócios (CDC, art. 14, § 1º, II). In casu, o recorrido é investidor habitual e experiente (analista financeiro), tendo ciência dos riscos e oscilações de investimento dessa natureza. Ademais, não se pode alegar defeito na prestação do serviço pelo gestor de negócios porque, embora remunerado pelo investidor (consumidor) para providenciar as aplicações mais rentáveis, não assumiu obrigação de resultado, vinculando-se a lucro certo, mas obrigação de meio, de bem gerir o investimento, visando à tentativa máxima de obtenção de lucro. Por outro lado, os fundos derivativos são investimentos agressivos, com alto risco, podendo proporcionar ganhos relevantes, mas também perdas substanciais. Dessarte, sendo a perda do investimento um risco que pode, razoavelmente, ser esperado pelo investidor desse tipo de fundo, não se pode alegar defeito no serviço, sem que haja culpa por parte do gestor do fundo. Também, não há como presumir má gestão do fundo, gestão fraudulenta ou propaganda enganosa, mormente quando as instituições financeiras são fiscalizadas pelo Bacen, inexistindo indícios de que tenham descumprido normas e obrigações estipuladas. Os prejuízos havidos devem ser atribuídos à desvalorização cambial efetivada pelo Governo Federal em janeiro de 1999, bem assim ao alto grau de risco ínsito às aplicações em fundos de investimento derivativo. Assim, concluiu-se que a desvalorização da moeda naquela época é evento equiparável a caso fortuito e força maior, que foge ao alcance do recorrente. Precedentes citados: REsp 1.003.893-RJ, DJe 8/9/2010; REsp 343.617-GO, DJ 16/9/2002, e RMS 15.154-PE, DJ 2/12/2002. REsp 799.241-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/8/2012.

COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA DA CONSTRUTORA. PAGAMENTO DE ALUGUÉIS. RECIPROCIDADE DE CLÁUSULAS ENTRE FORNECEDOR E CONSUMIDOR. A Turma firmou o entendimento de que, no caso de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel ainda que motivada por culpa da construtora – que o entregara fora do prazo e com defeitos –, é devido pelo adquirente (consumidor) o pagamento de aluguéis referente ao período em que ocupou o bem. Segundo afirmou o Min. Relator, a retribuição pelo uso do imóvel está amparada em imperativo legal que veda o enriquecimento sem causa. Embora o descumprimento contratual da construtora acarrete a ela penalidades e perdas e danos a serem compensados, o comprador não está isento de ressarcir os benefícios auferidos durante o período em que usufruiu do imóvel. Decidiu-se, em seguida, ser extensível à construtora a multa moratória prevista – exclusivamente – em desfavor do adquirente no instrumento contratual avençado. Em observância aos princípios gerais do direito, ou pela principiologia adotada no CDC, ou por imperativo de equidade, sustentou-se que deve haver reciprocidade entre as penalidades impostas tanto ao consumidor quanto ao fornecedor. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir em desfavor do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Por fim, consignou-se que não cabe à construtora, vencida na demanda, ressarcir o adquirente dos gastos com o laudo de vistoria confeccionado extrajudicialmente, pois não se trata de despesa “endoprocessual”, ou em razão do processo, afastada, assim, a regra da sucumbência, consoante interpretação sistemática dos arts. 20, § 2º, e 19 do CPC. REsp 955.134-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/8/2012.

INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. PRESCRIÇÃO.  O prazo prescricional das ações de indenização por abandono afetivo começa a fluir com a maioridade do interessado. Isso porque não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes até a cessação dos deveres inerentes ao pátrio poder (poder familiar). No caso, os fatos narrados pelo autor ocorreram ainda na vigência do CC/1916, assim como a sua maioridade e a prescrição da pretensão de ressarcimento por abandono afetivo. Nesse contexto, mesmo tendo ocorrido o reconhecimento da paternidade na vigência do CC/2002, apesar de ser um ato de efeitos ex tunc, este não gera efeitos em relação a pretensões já prescritas. Precedentes citados: REsp 430.839-MG, DJ de 23/9/2002, e AgRg no Ag 1. 247.622-SP, DJe de 16/8/2010. REsp 1.298.576-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/8/2012.

DANO MORAL. REPREENSÃO EM ESCOLA. LEGITIMIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. Trata-se de ação de indenização proposta pelos pais da vítima – uma adolescente já falecida ao tempo da propositura da presente demanda – em conjunto com o seu ex-namorado à época dos fatos, contra diretora escolar que supostamente teria repreendido, de forma excessiva, o casal de namorados que trocavam carícias no pátio do colégio – mesmo após advertência anterior pelo mesmo motivo. Consta ainda que, em razão dos fatos narrados, foi determinado o desligamento do casal de estudantes do estabelecimento de ensino. Acolhida a pretensão nas instâncias ordinárias, a diretora do estabelecimento comercial foi condenada ao pagamento de danos morais sofridos pelo casal. Nas preliminares, a Turma entendeu que, de acordo com a jurisprudência do STJ, os pais podem ajuizar ação de indenização de danos morais sofridos pela filha falecida, em razão da proteção dada à imagem de quem falece. Quanto à legitimidade passiva, o Min. Relator asseverou que, nos casos em que uma pessoa física age em nome de uma pessoa jurídica, ocorrendo evento danoso, cabe ao interessado escolher entre ajuizar a ação reparatória contra a pessoa jurídica em conjunto com a pessoa física que atuou como órgão social, ou, ainda, separadamente, preferindo acionar uma ou outra. Assim, se a diretoria da escola era exercida de forma unipessoal por uma das sócias administradoras da sociedade educacional, ela é parte legítima para responder por danos eventualmente causados no exercício de suas funções. No mérito, não obstante a diretora tenha agido com rigidez para com os alunos, aparentou cuidado que não extrapolou o limite do razoável, sobretudo porque não utilizou expressões incompatíveis com o contexto educacional. Assim, no caso, os danos morais foram fixados em valor exacerbado e restou configurada a exceção que autoriza a alteração pelo STJ do valor da condenação por danos morais. Precedentes citados: AgRg no EREsp 978.651-SP, DJe 10/2/2011, e REsp 268.660-RJ, DJ 19/2/2001. REsp 705.870-MA, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 21/8/2012.

REDE LFG/ANANHANGUERA. PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO CIVIL, NEGOCIAL E IMOBILIÁRIO.

Prezados Amigos do Blog. 

Estão abertas as incrições para o curso de pós-graduação lato sensu em Direito Civil, Negocial e Imobliário que coordeno na Rede LFG/ANHANGUERA em conjunto com o Professor André Borges de Carvalho Barros. 

Haverá nova entrada em 13.09.2012, iniciando-se pelo módulo Direito Civil. Teoria Geral do Negócio Jurídico. 

O curso ocorre às quintas-feiras quinzenais, das 18.30 às 22.30 hs, havendo também disponibilização de aulas online

Trata-se, portanto, de um curso inovador misto, telepresencial e pela internet, transmitido para todas as unidades do LFG.  

São alguns dos professores do curso: Gustavo Tepedino, Rodolfo Pamplona Filho, Pablo Stolze, Bruno Miragem, Cristiano Chaves de Farias, Mário Luiz Delgado, João Ricardo Brandão Aguirre,  Fernando Sartori, Gabriele Tusa, Gustavo Rene Nicolau, Christiano Cassettari, Marcos Jorge Catalan, Daniel Amorim Assumpção Neves, Marco Aurélio Bezerra de Melo, Rodrigo Toscano de Brito, William Santos Ferreira, Fernanda Tartuce, além dos próprios coordenadores. 

Demais informações:  http://www.lfg.com.br. 

Abraços. 

Professor Flávio Tartuce

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

INTERESSANTE ARTIGO SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS TABAGISTAS.

Artigo sobre a responsabilidade civil das empresas tabagistas.

Dois pesos e duas medidas

Clarissa Menezes Homsi

A Aliança de Controle do Tabagismo promoveu dois estudos, em 20081 e em 20112, em que analisa decisões judiciais em ações contra as duas maiores empresas de cigarro em atividade no Brasil que, juntas, detêm 90% do mercado nacional. O que se observou foi a utilização, pelo Judiciário, de dois pesos e duas medidas na maioria das sentenças e acórdãos examinados. Estes, infelizmente, têm pendido favoravelmente para as empresas.

A impressão que se têm é que as decisões teriam sido tomadas de antemão: pela irresponsabilidade das duas empresas. Os argumentos utilizados dependerão do caso em análise.

Dois exemplos demonstram essa situação:

Artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor

A responsabilidade objetiva prevista no CDC se fundamenta em seu artigo 12. Essa norma tem por finalidade proteger o consumidor e responsabilizar o fornecedor por danos sofridos. Sua interpretação deve ser a mais benéfica ao consumidor. Entretanto, nos casos analisados, esse dispositivo será ou não aplicável na relação entre fumante e empresas de cigarros a depender do resultado almejado, qual seja, evitar a condenação da indústria.

O Judiciário entende que os danos causados pelo tabagismo são hipótese que se subsume ao artigo 12 do CDC, mas tão somente nos casos em que é possível fazer incidir o prazo prescricional de cinco anos do artigo 27 do CDC para extinguir a ação. Para ilustrar cita-se trecho de voto do Ministro Sidney Bennet no RE 782.433-MG:

"Moléstias que tenham o tabagismo como causa exclusiva ou agravante, são 'danos causados por fato do produto ou do serviço prestado', cuja ação de indenização de dano moral é subordinada ao prazo de cinco anos nos termos do art. 27 do Cód. De Defesa do Consumidor (lei 8078/1990)"

Já em casos em que não é possível aplicar-se a prescrição, exclui-se a aplicação do artigo 12, conforme voto do Ministro Luis Felipe Salomão no RE 113.804-RS: "(N)ão parece possível que o cigarro seja considerado um produto defeituoso, nos termos do que imaginara o Diploma Consumerista, no § 1º do art. 12".

Há ainda decisões que aplicam o artigo 12 aos casos de vítimas do tabagismo, mas para fazer incidir seu parágrafo 3º que exclui a responsabilidade por culpa exclusiva da vítima3.

Aplicação retroativa do CDC

O Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado retroativamente apenas e tão somente a benefício do consumidor, e nunca para prejudicá-lo.

Surpreendentemente, entretanto, quando o violador é alguma das duas empresas de cigarros que atuam no Brasil o cenário se inverte.

No RE 782.433-MG, a Ministra Nancy Andrighi, em voto vencido, alerta para esse fato ao criticar o voto relator que fez retroagir o CDC para aplicar a prescrição a caso cuja ação foi proposta antes de sua vigência:

"Consta do acórdão (...) que (o requerente) tomou conhecimento dos prejuízos e do seu causador (...) nos idos de 1989, portanto, há aproximadamente 14 (quatorze) meses antes da propositura da ação.(...) A lei 8.078/90 foi publicada no Diário Oficial da União em 12/9/1990, com uma vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias, cujo término deu-se em 11/3/1991, data da efetiva entrada em vigor do CDC. Portanto, o conhecimento do dano e de sua autoria se deu de 01 (um) a 02 (dois) anos antes do CDC entrar em vigor, quando então vigia o CC/16, (...). Dessa forma, a despeito de se tratar de norma especial, para que se possa concluir pela incidência, na espécie, do prazo prescricional de 05 (cinco) anos previsto no art. 27 do CDC, ter-se-á que admitir a aplicação retroativa deste diploma legal, ainda que, como fez o juiz de primeiro grau, se conte o prazo tão somente da entrada em vigor da lei.”

Já o Ministro Massami Uyeda, no RE 851.924-RS, ao decidir sobre valoração da prova, negou a retroatividade do CDC, o que beneficiaria o consumidor vítima do tabagismo: as disposições de proteção ao consumo não se fazem presentes porque os fatos ocorreram antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor

Algo de muito estranho parece ocorrer quando os réus são uma das duas empresas de tabaco em atuação no Brasil. Os princípios do ordenamento jurídico nacional invertem-se e a interpretação lhes é invariavelmente favorável, independente do caso.

Se a prova do nexo causal é contundente, apela-se para o livre arbítrio, para a licitude da atividade ou, até, para a responsabilidade dos pais. Se se impede o consumidor de produzir prova, a decisão fundamenta-se, justamente, na ausência de prova contundente do nexo causal. As evidências científicas tão bem demonstradas e aceitas durante as últimas décadas não são acatadas para confirmar o nexo causal. Antes ao contrário, são utilizadas para favorecer o argumento das duas empresas de que os males do tabagismo seriam conhecidos – pelo consumidor, nunca por elas – há tempos.

Aqui se abre parênteses para citar a histórica sentença Kessler4, proferida em ação movida pelo Governo Federal Norte-americano contra nove transnacionais do tabaco, entre elas empresas das quais as duas brasileiras são subsidiárias, em que se reconheceu que os réus buscaram proteger-se contra litígios e regulamentações por meio de (1) supressão e ocultação de pesquisas científicas, (2) destruição de documentos e (3) uso de instrumentos legais e de confidencialidade para evitar que outros documentos viessem a público. Essas estratégias utilizadas em nível global, Brasil incluso, e reconhecidas na decisão judicial revelam a clara ausência de boa-fé dessas empresas.

As crescentes dificuldades em se recorrer aos tribunais superiores enfrentadas pelos litigantes em geral não afetam essas duas empresas que, mesmo em situações restritas ao reexame de provas, garantem a ida de seus recursos àquelas instâncias para reverter as fundamentadas e comprovadas decisões condenatórias de primeiro e segundo graus de jurisdição.

Os seguintes questionamentos são inevitáveis: não haveria nenhuma situação em que essas empresas deveriam indenizar as vítimas do tabagismo? O Código de Defesa do Consumidor não se aplica a elas? Elas não respondem pelos ônus impostos por seus produtos? Os princípios constitucionais não devem ser utilizados na interpretação da lei quando tais empresas são parte em ações judiciais?

O ordenamento jurídico brasileiro claramente prioriza os direitos fundamentais. O artigo 5º da Constituição dá o tom para a interpretação das normas nacionais, e a defesa do consumidor é princípio da mais alta relevância (inciso XXXII). Não é preciso ser jurista para intuir que as leis são feitas, e devem ser interpretadas, para protegê-lo e defendê-lo.

O Código de Defesa do Consumidor, como não poderia deixar de ser, deve ser interpretado sempre a favor do consumidor, e não contra este. O Código é de defesa do consumidor e não de defesa do fornecedor. Há uma clara opção do legislador nesse caso.

As previsões quanto à responsabilidade civil têm evoluído a ponto de hoje a regra ser a responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, adotando-se a teoria do risco da atividade. Nesse sentido são os dispositivos do parágrafo único do artigo 927 e do artigo 931 do Código Civil/2002.

Um terceiro aspecto que se soma aos anteriores é o conceito de Diálogo das Fontes introduzido pela Professora Cláudia Lima Marques5. O ordenamento jurídico é uno, não se pode segregá-lo, e deve ser interpretado como um sistema, de forma que as normas dialogam para obter-se um resultado que atenda aos princípios priorizados pela Constituição, quais sejam, os direitos fundamentais, entre eles, a defesa do consumidor, garantindo que as empresas assumam os riscos e ônus de sua atividade e produto.

A simplicidade desse raciocínio, contudo, não tem encontrado ressonância na maior parte do Judiciário quando se trata de ações indenizatórias contra as duas maiores empresas de cigarro em atividade no Brasil.

É chegada a hora de o Poder Judiciário questionar-se sobre o porquê de não se conseguir condenar definitivamente, em nenhum caso, uma indústria que reconhecidamente mata 130 mil brasileiros por ano.­­­­­­­­­
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1A Indústria do Tabaco no Poder Judiciário: Pesquisa sobre ações judiciais indenizatórias promovidas contra a indústria do tabaco: Um retrato da posição do Poder Judiciário quanto à relação Fumante – Indústria do Tabaco, coordenação Clarissa Menezes Homsi, Aliança de Controle do Tabagismo, 2008 - clique aqui.
2SALAZAR, Andrea Lazzarini; GROU, Karina Bozola. Ações Indenizatórias Contra a Indústria do Tabaco: Estudo de Casos e Jurisprudência, Supervisão ACT, 2011 - clique aqui.
3Fernanda Nunes Barbosa e Mônica Andreis, O argumento da culpa da vítima como excludente da responsabilidade civil da indústria do cigarro: proposta de reflexão, in Revista de Direito do Consumidor - RDC, Ano 21, Vol.82, abr/jun, 2012, pg. 61-83.
4O Veredito Final: trechos do processo Estados Unidos x Philip Morris, publicação preparada por Mike Freibert, J.D., em edição de Kerry Cork, J.D. e Maggie Mahoney J.D. tradução Renata Galhanone. Edição Aliança de Controle do Tabagismo, 2008 - clique aqui.
5Cláudia Lima Marques et al, Manual de Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, 2ª tiragem, 2008, p. 87 e ss

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*Clarissa Menezes Homsi é advogada, coordenadora jurídica da ACTbr - Aliança de Controle do Tabagismo

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

ESCRITURA PÚBLICA DE TUPÃ RECONHECE POLIAMORISMO


ESCRITURA RECONHECE UNIÃO AFETIVA A TRÊS. 

21/08/2012

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM 


Foi divulgada essa semana uma Escritura Pública de União Poliafetiva que, de acordo com a tabeliã de notas e protestos da cidade de Tupã, interior de São Paulo, Cláudia do Nascimento Domingues,  pode ser considerada a primeira que trata sobre uniões poliafetivas no Brasil. Ela, tabeliã responsável pelo caso, explica que os três indivíduos: duas mulheres e um homem, viviam em união estável e desejavam declarar essa situação publicamente para a garantia de seus direitos. Os três procuraram diversos tabeliães que se recusaram a lavrar a declaração de convivência pública.  “Quando eles entraram em contato comigo, eu fui averiguar se existia algum impedimento legal e verifiquei que não havia. Eu não poderia me recusar a lavrar a declaração. O tabelião tem a função pública de dar garantia jurídica ao conhecimento de fato”, afirma.

Ela conta também que se sentiu bastante a vontade para tornar pública essa união envolvendo três pessoas, já que havia um desejo comum entre as partes, se tratava de pessoas capazes, sem envolvimento de nenhum menor e sem litígio. “Internamente não havia dúvida de que as três pessoas consideravam viver como entidade familiar e desejavam garantir alguns direitos. Minha dúvida é com as questões externas à relação. Não há legislação que trate sobre o assunto. A aceitação envolve a maturação do direito. 

Nesse caso, foi preciso atribuir o direito a partir de um fato concreto. Será que haverá algum questionamento?” reflete.
Para a vice- presidente do Instituto Brasileiro de Família, IBDFAM, Maria Berenice Dias, é preciso reconhecer os diversos tipos de relacionamentos que fazem parte da nossa sociedade atual.  “Temos que respeitar a natureza privada dos relacionamentos e aprender a viver nessa sociedade plural reconhecendo os diferentes desejos”, explica.

Maria Berenice não vê problemas em se assegurar direitos e obrigações a uma relação contínua e duradoura, só por que ela envolve a união de três pessoas. “O princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural. O código civil proíbe apenas casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso.  Essas pessoas trabalham, contribuem e, por isso, devem ter seus direitos garantidos. A justiça não pode chancelar a injustiça”, completa.

A escritura

“Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos  ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade.” A frase retirada da Escritura Pública Declaratória de União Poliafetiva resume bem o desejo das partes em tornar pública uma relação que consideram familiar e de união estável. A partir dessa premissa, a escritura trata sobre os direitos e deveres dos conviventes, sobre as relações patrimoniais bem como dispõe sobre a dissolução da união poliafetiva e sobre os efeitos jurídicos desse tipo de união. 

A partir da união estável, a escritura estabelece um regime patrimonial de comunhão parcial, análogo ao regime da comunhão parcial de bens estabelecido nos artigos 1.658 a 1.666 do Código Civil Brasileiro.  Nesse caso, eles decidiram que um dos conviventes exercerá a administração dos bens. Dentre os direitos e deveres dos conviventes está a assistência material e emocional eventualmente para o bem estar individual e comum; o dever da lealdade e manutenção da harmonia na convivência entre os três.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

ENTREVISTA. PAULO LÔBO. O AFETO NOS TRIBUNAIS.

Entrevista com o jurista Paulo Lôbo: decisões consagram afetividade como valor jurídico

Fonte: Boletim Eletrônico do IBDFAM.

Decisões recentes da Justiça como a que concedeu a guarda de um enteado à madrasta ou a que autorizou a inclusão do nome de outra que criou o enteado desde os dois anos na certidão de nascimento, juntamente com o da mãe biológica, apontam para o atendimento do princípio jurídico da afetividade. Também a parentalidade homoafetiva, com o reconhecimento de dois pais ou duas mães no registro civil de nascimento, é exemplo do que o jurista Paulo Lobo indica como consagração do entendimento da igualdade jurídica entre a filiação biológica e a afetiva. Confira a entrevista.

Estamos vendo, de fato, a consagração do princípio da afetividade no Brasil? Essa é uma realidade mais visível no país ou pode ser traduzida como tendência do direito ocidental atual?

A partir das grandes transformações do Direito de Família, nas últimas quatro décadas, o afeto migrou para o direito e neste se converteu em princípio jurídico da afetividade. O direito não pode obrigar uma pessoa a ter afeto real em relação a seu familiar ou parente, mas pode exigir deveres jurídicos correspondentes, cujo inadimplemento leva a sanções. Para o pai separado, por exemplo, além dos alimentos, há deveres (e direitos) de convivência com o filho, ou de contribuir para sua formação, que não se esgota na escola. O Brasil é, atualmente, um dos países de ponta nessa matéria.

Do ponto de vista da filiação, quais são as repercussões mais evidentes para o Direito de Família destas decisões e de sua divulgação pela mídia?

O princípio jurídico da afetividade oferece fundamento à construção brasileira doutrinária e jurisprudencial da socioafetividade nas relações de filiação. Consagrou-se o entendimento da igualdade jurídica entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva (doação, posse de estado de filho, inseminação artificial heteróloga), porque ambas são verdades reais, não podendo uma desconstituir a outra.

Estas novas orientações quanto à filiação atendem ao melhor interesse da criança?

O melhor interesse da criança é o farol que ilumina qualquer decisão. No passado recente, a criança não era protagonista considerada pelo direito, que se voltava a resolver conflitos de seus pais e parentes, como se fosse invisível.

Esse "movimento" pelo reconhecimento dos vínculos afetivos se relaciona com a atuação do IBDFAM em seus 15 anos de atividade?   

Certamente. O Ibdfam contribuiu decisivamente para a consolidação dessas novas categorias, mediante debates de ideias, congressos, produção de trabalhos e sugestões legislativas, propiciando ambiente favorável para convencimento de nosso poder judiciário desse caminho virtuoso.

sábado, 18 de agosto de 2012

REPORTAGEM DO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO SOBRE A DECISÃO DO TJSP SOBRE MULTIPARENTALIDADE.

FOLHA DE SÃO PAULO. CADERNO COTIDIANO.
SÃO PAULO, SÁBADO, 18 DE AGOSTO DE 2012.

MINHAS DUAS MÃES.

Em decisão inédita, Justiça inclui nome de madrasta na certidão de nascimento de jovem sem excluir o da mãe, que morreu três dias após o parto
 
FILIPE COUTINHO
JOHANNA NUBLAT
NÁDIA GUERLENDA
DE BRASÍLIA

Com duas mães e um pai. Foi assim que Augusto Guardia, 19, cresceu. Agora, é desse jeito que estará escrito em sua certidão de nascimento.
Nesta semana, o Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou acrescentar na certidão o nome da advogada Vivian Medina Guardia, 37, que casou com o pai de Augusto quando ele tinha dois anos.
Para especialistas, a decisão é histórica -é a primeira vez que um tribunal tem esse entendimento. O ineditismo está no fato de o nome da mãe biológica, morta três dias após o parto, ter sido mantido.
Ou seja, agora Augusto tem, legalmente, duas mães, um pai e seis avós.
"Sempre tratei minha madrasta, ou mãe socioafetiva, como minha mãe mesmo. Quando eu era criança, eu falava que tinha duas mães: uma no céu e uma na terra", diz o estudante de direito de Itu (SP).
Desde a morte de Eloísa Guardia, as três famílias (do pai, da mãe biológica e da mãe afetiva) se uniram, fazendo questão de criar o menino com fotos e histórias dela. Por isso, a opção de manter todos os laços na certidão.
"Para mim, era muito simples entrar com o processo de adoção, mas não era justo com a família dela", conta Vivian. Pela lei, na adoção, o nome da mãe biológica é substituído pelo da adotiva.
"Perdi minha mãe seis meses depois de casar. A avó materna de Augusto me socorria em tudo o que eu precisava. Formamos essa nova família. Hoje [ontem], quando dei a notícia da decisão, ela disse 'agora você consta no papel, e é minha filha também'."
A decisão do TJ-SP reverteu a sentença da primeira instância, que reconheceu a situação, mas argumentou não haver espaço na lei para a inscrição de duas mães.
Para Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), a decisão transporta para o direito uma situação real. "Se ele tem duas mães, não tem por que não ter os dois registros e os direitos."
O advogado e professor Flávio Tartuce, diretor do instituto em São Paulo, diz que a decisão supera "a escolha de Sofia" -em referência ao livro em que uma mãe tem de escolher qual dos dois filhos salvar.
"A jurisprudência escolhia um ou outro. Agora não, são os dois: o pai biológico e o afetivo." Ele diz que o reconhecimento da "multiparentalidade" terá efeitos em todas as esferas, mas principalmente em questões de herança e pensão.
Na única outra decisão semelhante de que se tem notícia, na primeira instância de Rondônia, isso ocorreu. Em março, uma juíza incluiu o pai biológico na certidão, ao lado do pai afetivo, e determinou que ele pagasse pensão.
Cotidiano