Artigo de Jones Figueirêdo Alves. Casamento por interesse.
CASAMENTO POR INTERESSE.
Jones Figueirêdo Alves.
Por pressuposto, o casamento (como
instituição ou contrato oneroso) não tem vício redibitório (art. 441, Código
Civil), não tem defeitos ocultos, que o tornem inadequado à vida
coexistencial do casal. A utilidade do casamento, ou seja, a aptidão ao uso a
que se destina o casamento é o amor que unifica o casal no seu projeto de
vida. Bem é dizer, então, que o interesse do casamento é a realização
comum.
Consabido que o casal é o começo da história humana (Gn.
1,26.28.31) e que o princípio da mútua pertença implica na sua razão de
existência, tenha-se a tudo isso paradigmático o vínculo que une homem e
mulher com o termo amor (Mt. 19, 4s). Na visão paulina, o de
"quererem-se entre si, como parte um do outro". Quem ama sua mulher ama a si
mesmo (Ef. 5,28).
É neste espaço relacional que o casal se reconhece
como entidade, a construir a família a partir da eficácia da união. Em menos
palavras, na complementaridade um do outro. O casamento perfeito simbolizado
na Estrela de David, que é formada por duas estrelas, entrelaçadas
entre si mas guardando suas próprias individualidades. Um Casal
Entidade, como símbolo ou protótipo de união idealizada de comunhão de vida,
o de vida a sempre.
A relação do casal a ser estabelecida deve ter o
ânimo de definitividade. Não deverá ser precária ou provisória. Como
o interesse do casamento é o amor que determina a união, desse modo, o par
sobreviverá uno, a cada dia novo. E com este Casal Entidade, a própria união
("lato sensu") por ele formada. Afinal, somente assim, dignos do Amor do
outro, o celebrarão vida a sempre, para que a felicidade os consagrem
permanentes perante a vida e o próprio Amor que os unem.
O casal,
portanto, é o duo paritário, em amor, direitos e deveres. Afinal, o êxito do
casal impõe e compromete o homem e a mulher à conjugação de uma ordem
dialogada e permanente de vida a dois. Assim, Deus viu tudo quanto havia
feito e achou que estava muito bom (Gn. 1,31).
Pois bem. E quando o
defeito oculto é imperceptível à diligência ordinária do contraente, induzido
a erro por pressupor que o interesse do outro ao casamento seria o do amor e
não motivado por interesse financeiro? A constatação superveniente de tal
fato produz efeitos jurídicos? Claro que sim. O casamento contraído sob a
égide do mero interesse patrimonial caracteriza erro essencial de
pessoa, suscetível, portanto, de ser anulado (art. 1.557 do Cóigo
Civil).
O caso da novela "Amor à Vida", onde o vilão Thales (Ricardo
Tozzi) diz amar a orfã milionária Nicole (Marina Ruy Barbosa) que, em
estado terminal de um câncer raro, admite com ele casar-se, de
imediato, repete como obra de arte os fatos da vida.
Na vida real,
Volmir (35), agricultor de Planalto (RS), "humilde e ingênuo", em expectativa
de receber vultosa indenização, conheceu Odete (45) em encontro promovido
pelo pai dela. Óbvio, daí, que ao encontro premeditado, seguiu-se imediato
namoro e união livre, com diretivas de casamento que, também por óbvio,
realizou-se rapidamente; certo também que a tanto, celebrou-se, logo ao
primeiro mes de namoro, pacto nupcial onde o regime patrimonial eleito foi o
da comunhão universal de bens. Sucedeu, porém, que, um mês depois, Volmir
não recebeu o pagamento da esperada indenização e Odete, por
óbvio frustrada, abandonou a casa.
Acórdão da 8ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
constitui, agora, o capítulo final
da novela real. É o do Processo nº 70052968930/2013, datado de 2 de maio
passado, com provimento ao recurso de apelação onde Volmir pretendeu a
anulação de seu casamento, indicando que foi induzido a erro a contrair
núpcias com Odete, com ele casada por mero interesse econômico.
A
decisão do relator, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, acompanhada à
unanimidade de seus pares, é paradigmática, a dizer suficientemente
evidenciado que "o casamento foi realizado a partir de premissa do amor
desinteressado que se fragilizou rapidamente e se revelou como puro interesse
patrimonial, o que configura erro essencial quanto à pessoa da apelada." Vale
a pena transcrição do acórdão: "Apelação Cível. Anulação de casamento.
Alegação de erro essencial. Sentença reformada pela especificidade do caso.
Doutrina. Precedentes jurisprudenciais. - O apelante, pessoa de pouca
instrução, se viu rapidamente envolvido e, concomitantemente ao momento que
conheceu a recorrida, já firmou pacto antenupcial de comunhão universal de
bens e, em 30 dias, se casaram. Os fatos que dão causa ao
pedido (ingenuidade do varão, ignorância acerca das consequencias da
escolha do regime de comunhão universal de bens e alegação de que a
mulher pretendia, apenas, aquinhoar seu patrimonio), no caso dos autos,
são suficientes para caracterizar hipótese de erro essencial (art.
.1557 do CCB - erro quanto à honra e boa fama)."
Efetivamente, este
casal é um casal sazonal, onde as esperanças transmudam-se em ilusões, em
prazos curtos. Como disse Sinead O´Connor (cantora irlandesa): "Desculpe por
não ser uma mulher mais normal" - dirigindo-se ao marido Barry Herridge, no
momento da separação de ambos. Um casamento de apenas dezoito dias, embora
não tenha sido contraído por razões economicas.
Mas não é só. A
decisão gaúcha faz demonstrar também factível a possibilidade material de
vicio de consentimento em estipulações do pacto antenupcial de bens. Isto
porque, como contrato de definição do regime patrimonial, é anulável o
negócio jurídico quando as declarações de vontade emanarem de erro
substancial (artigo 138, Código Civil); constituindo o erro sustancial o erro
de fato por recair sobre circunstancia de fato, ou mais precisamente, "sobre
as qualidades essenciais da pessoa ou da coisa".
Como visto, os Thales
e Odetes, vilões de novela e da vida, por certo, não ficam incólumes, ao fim
e ao cabo dos casamentos de interesses. Afinal, o casamento, "antes
obrigatório, agora uma opção cultural" (Andrew Cherlin, 2008), será sempre
uma instituição fundada pela idéia de infinitude dos casais que a formam; não
tem prazo de validade.
Por inequívoco, a fenomenologia do casal, em todos os
tempos, indica que o único interesse do casamento deverá ser, sempre, o da
celebração da vida feita a dois, unidos por
amor.
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JONES
FIGUEIRÊDO ALVES - o autor do artigo é desembargador decano do
Tribunal de
Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Assessorou
a Comissão Especial de Reforma do Código Civil na Câmara Federal. Autor de
obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia
Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
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