NOVA REVOLUÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIAS
Rodrigo da Cunha Pereira*
O
casamento por amor fez uma grande revolução nas relações de família. A partir
daí deixaram de ser preponderantemente núcleos econômicos e reprodutivos. Já
que o amor às vezes acaba, surge o divórcio. O afeto tornou-se um valor
jurídico e em consequência surgiram diversas configurações de famílias
conjugais e parentais, para além do casamento: uniões estáveis hetero e
homoafetivas, multiparentalidade, famílias monoparentais, simultâneas, mosaico etc.
Outra
grande revolução, que em breve se tornará comum, está na constituição de novos modelos
de famílias parentais, isto é, filhos de pais que não são fruto de uma relação
conjugal ou sexual. Isto só tornou-se possível porque passou-se a distinguir,
no campo jurídico, parentalidade de conjugalidade. Até pouco tempo atrás, uma
mulher que tivesse uma relação extra-conjugal, além de ser considerada culpada
pelo fim do casamento, perdia a guarda de seu filho. Já não é mais assim. O
Direito já entendeu que não há culpados, mas sim responsáveis pelo fim da
conjugalidade. A mulher, embora não tenha sido uma boa esposa, pode ser uma
ótima mãe, e vice versa. Foi na esteira desse raciocínio jurídico que as
funções conjugais começaram a ficar separadas e diferenciadas das funções
parentais. Instalando-se, uma nova lógica jurídica.
Com a
distinção entre essas duas funções na constituição de famílias, é que se tem
feito hoje contrato de geração de filhos, assim como já se fazia antes
contratos de união estável e pactos antenupciais para regulamentar aspectos
patrimoniais dos casamentos. O primeiro sinal dessas novas gerações de famílias
parentais foram as conhecidas “produções independentes”. Com a liberação dos
costumes sexuais a partir da década de sessenta, mulheres que queriam ter filhos,
independentemente de terem um parceiro fixo, assumiam a maternidade, até mesmo sem
que seu parceiro soubesse. São as denominadas hoje de famílias monoparentais,
reconhecidas pelo Estado a partir da Constituição da República de 1988.
A
partir da década de oitenta, com o desenvolvimento da engenharia genética, quem
não pudesse ter filhos, e não quisesse adotar, já poderia recorrer às técnicas
de inseminações artificiais, útero de substituição, busca de material genético
em bancos de sêmen e óvulos, independentemente de ter parceiro ou não. Ficou
mais fácil ter filhos, e cada vez mais desatrelado de uma relação conjugal ou
sexual.
Uma
nova categoria de famílias está surgindo, facilitada pela internet. Tais
pessoas não estão interessadas em um novo amor ou em constituir uma família
conjugal, mas apenas uma parceria de paternidade. Se isto era feito nas décadas
anteriores, com dificuldades e limitações da criança não conhecer o doador do
material genético, agora fez-se um upgrade
nestas famílias parentais. Pelas redes sociais e sites de “paternidade compartilhada”,
já tem sido comum homens e mulheres encontrarem alguém para compartilhar a
paternidade/maternidade, sem estabelecerem uma relação amorosa ou sexual. Este
novo modelo de filiação se apresenta como uma alternativa à adoção, inseminações
artificiais nas quais não se sabe quem é o doador do material genético e
barriga de aluguel em que se terceiriza a gravidez. A internet, na verdade,
apenas facilitou e ampliou essas facilidades de parcerias de paternidade. No
Brasil já se materializava essa idéia, em pequena escala é claro, através de
contratos de geração de filhos. A diferença das famílias comuns, é que ao invés
de se escolher um parceiro para estabelecer uma relação amorosa ou conjugal,
escolhe-se um parceiro apenas para compartilhar a paternidade/maternidade
através da combinação de um ato reprodutivo. Isto dá um nó na teoria
psicanalítica, que tem como uma de suas bases de sustentação o Complexo de
Édipo e o interdito proibitório do incesto, pois fica uma pergunta no ar: como
será essa paternidade e maternidade, cujos pais não ocupam lugar de desejo no
outro genitor?
Estas
novas configurações familiares podem causar uma grande estranheza. Não faltará quem
pense que isto é o fim da família, como se falou em 1977 com a introdução do
divórcio no Brasil, e que nossa sociedade está sendo invadida por pais errantes
e mães desvairadas. No início deste século quando os tribunais começaram a
reconhecer e legitimar as famílias entre pessoas do mesmo sexo, não faltou também
quem falasse na desordem da família. Nesta nova modalidade de paternidades
compartilhadas, certamente, os filhos terão pais muito mais responsáveis e
comprometidos com a sua criação e educação do que os muitos filhos de famílias
constituídas nos moldes tradicionais, que muitas vezes os abandonam, ou não se
responsabilizam por eles. Enfim, estamos diante de um novo marco revolucionário
na história da família. [Assim como foi revolucionário o casamento por amor,
que destituiu a lógica essencialmente patrimonialista nas relações de família].
Advogado,
Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM,
Doutor (UFPR) e Mestre (UFMG) em Direito Civil e autor de vários artigos e
livros em Direito de Família e Psicanálise.
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