segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

TEXTO DE FERNANDO GABURRI SOBRE O CADASTRO POSITIVO.

CADASTRO POSITIVO DE CONSUMIDORES: UMA HISTÓRIA PARA CONTAR

Este texto foi elaborado em 31.12.2010.

Fernando Gaburri é Procurador Chefe da Procuradoria de Defesa do Consumidor do Município de Natal/RN, professor assistente de Direito Civil da UERN, Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP e autor de obras e artigos jurídicos.

1. Tramitação legal.

Tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 263/2004 (numeração do Senado Federal), que objetivava inserir dispositivo no Código do Consumidor que criaria o Cadastro Positivo de Consumidores.
De acordo com os poderes que lhe atribui a Constituição Federal, em 30.12.2010, o Presidente da República vetou integralmente, por contrariar ao interesse público, o Projeto de Lei aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
Contudo, no mesmo dia, o Presidente expediu uma Medida Provisória (MP n. 518/2010), que tem força de lei, criando justamente o chamado Cadastro Positivo de Consumidores, e que foi publicada em 31.12.2010 – último dia de seu mandato.

2. Mecanismo de funcionamento

Inspirado em países europeus, onde o consumidor só consegue concessão de crédito se estiver cadastrado em algum serviço denominado de credit bureau, o sistema brasileiro funciona da seguinte maneira: os consumidores que adquirem produtos e serviços mediante concessão de crédito podem autorizar por escrito sua inscrição no Cadastro, de modo que cada anotação positiva, que lá permanecerá por um prazo máximo de 15 anos, deverá ser objetiva (que descreve um fato, isenta de qualquer opinião), clara (que possibilita a imediata compreensão), verdadeira (exata e completa) e de fácil compreensão (com linguagem simples), na medida necessária e suficiente para que os fornecedores de produtos e serviços mediante concessão de crédito possam avaliar sua situação econômica.

3. Quem alimentará o banco de dados?

Atendidos esses requisitos, as fontes (fornecedores que concedem crédito ou vendem a prazo) poderão alimentar os bancos de dados com informações para a formação do histórico de crédito do consumidor cadastrado.
O banco de dados que conterá o histórico do consumidor poderá colecionar informações sobre financiamentos bancários do consumidor, sobre serviços de água, luz e telefone fixo, que são prestados de maneira continuada.
A MP vedou a inserção de informações por empresas de telefonia móvel, já que são elas as campeãs de reclamações de consumidores, além do que suas faturas e anotações costumam vir com erros em relação ao valor devido e à pessoa do consumidor.

4. Para que serve o Cadastro Positivo de consumidor?

Sua finalidade é o aumento na concessão de crédito e a diminuição das taxas de juros para os bons pagadores, já que o fornecedor, de posse de tais informações, poderá avaliar melhor os riscos em cada operação envolvendo financiamento ou concessão de crédito.
O cadastro é facultativo para o consumidor, que poderá consultá-lo, cancelá-lo, impugnar anotações, etc. Mas se não autorizar sua inscrição, gerará uma má impressão para os fornecedores, uma espécie de presunção de ser ele um mau pagador. E se concordar com seu cadastro o consumidor levará algum tempo para “construir a sua história”, antes do que não será visto como um bom pagador pelos fornecedores.
Deste modo parece-nos que haverá uma inversão de valores, uma presunção de culpa, porque o consumidor é que deverá provar ao fornecedor que é um bom pagador, demonstrando que além de nada dever, tem um histórico que está de acordo com seus interesses.
Um outro problema diz respeito ao consumidor que costuma pagar à vista, o que não lhe permitirá ter anotações positivas. Este consumidor não terá “história para contar” ao banco de dados de bom pagador. Assim, se algum dia precisar de um financiamento, ou mesmo comprar a crédito, certamente não receberá os mesmos “benefícios” concedidos ao “bom pagador” cadastrado.
Enfim, com a vigência da MP n. 518/2010, não basta apenas ter o nome limpo nos cadastros negativos de proteção ao crédito, é preciso igualmente ter “história para contar” ao cadastro positivo.

5. A Medida Provisória infringe os direitos da personalidade do consumidor?

Esse tipo de anotação devassa a intimidade do consumidor, e ofende seus direitos de personalidade. Se mal utilizado, o cadastro positivo poderá servir de importante ferramenta aos departamentos de telemarketing, que diariamente atormentam e abusam da paciência do consumidor.
A MP prevê que os bancos de dados, o fornecedor que o alimenta com informações, e os fornecedores que os consultam, são responsáveis solidários (podem ser demandados judicialmente isolada ou conjuntamente), e independentemente de comprovação de culpa (responsabilidade objetiva), pelos danos materiais e morais causados ao consumidor cadastrado.
Um outro efeito negativo da MP, que poderá ser observado a curto ou a médio prazo, é o do superendividamento do consumidor que, não preparado para lidar com crédito e taxa de juros, possivelmente gastará mais do que pode, atraído pelas “facilidades” que lhe serão oferecidas por ser um bom pagador.
Acreditamos que a Constituição, o Código Civil e o Código do Consumidor estejam sofrendo violações, já que alguns direitos da personalidade do consumidor, como privacidade e intimidade, bem como os objetivos da política nacional de consumo, serão prejudicados com a edição da MP, que já está em vigência a partir de 31.12.2010, mesmo com todas as críticas e opiniões contrárias dos especialistas em direito do consumidor e dos órgãos de defesa do consumidor.

6. O que podem fazer os órgãos de proteção e defesa do consumidor?
Com a MP aumenta a importância da participação ativa dos órgãos de proteção e defesa do consumidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que nas suas respectivas áreas de atuação, poderão, e deverão, fiscalizar e aplicar as sanções cabíveis em caso de utilização indevida dos bancos de dados contendo informações pessoais do consumidor.
A MP prevê ainda que o consumidor, caso assim solicite aos gestores de bancos de dados, obterá texto contendo rol de seus direitos definidos na legislação pertinentes com à sua relação com os bancos de dados, bem como contendo a lista de órgãos governamentais de proteção e defesa de seus direitos aos quais poderá socorrer-se, se considerar que esses direitos foram desrespeitados.

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