terça-feira, 11 de janeiro de 2011

ARTIGO DE JOSÉ FERNANDO SIMÃO SOBRE A MUDANÇA DO NOME DA LICC.

LICC OU LINDB? A triste mudança e mediocridade legislativa.
Uma homenagem ao Marcelo, marmelo, martelo .

José Fernando Simão.
Professor Doutor da Faculdade de Direito da USP.
Professor do Curso FMB.
Advogado e Consultor Jurídico em São Paulo.

Dedico este texto ao irmão Flávio Tartuce e o felicito pela nova fase de sua carreira como professor de cursos preparatórios.

Início de ano e caixa postal cheia de e-mails. Uma alegria receber a felicitação dos amigos pelo ano que se inicia.

Para minha surpresa, vejo um e-mail enviado pelo sempre atualizado e amigo de longa data Professor Flávio Tartuce intitulado: “NOME DA LICC ALTERADO!!!!! Feliz 2011!” O conteúdo da mensagem eletrônica era sucinto como todas as mensagens do destinatário: a simples cópia do texto da Lei 12.376 de 30 de dezembro de 2010.

De maneira singela dispõe a lei:

Art. 1o Esta Lei altera a ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, ampliando o seu campo de aplicação.

Art. 2o A ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.”

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

“Esta lei altera a ementa do Decreto-lei 4.657 de 4 de setembro de 1942, ampliando seu campo de aplicação.” Este é o texto do artigo 1º da Lei 12.376/10.

A grande pergunta que se faz é a seguinte: será que a mudança do nome da LICC amplia seu campo de atuação?

É fato incontroverso que a Lei de Introdução ao Código Civil não é nem nunca foi uma regra para ser aplicada apenas às relações civis e que seu conteúdo de lei geral é mais amplo do que o nome indicava.

Daí, dizer-se que a LICC é a considerada lex legum.

Perfeitas as observações de Pablo Stolze Gagliano ao dizer que “o fato é que o referido Decreto-Lei, originariamente intitulado de ‘Lei de Introdução ao Código Civil’, sempre teve um alcance normativo muito mais vasto e profundo, na medida em que não apenas traçava diretrizes fundamentais para o Direito Civil propriamente dito, como também para diversos outros ramos da dogmática jurídica, incluindo-se o próprio Direito Constitucional’ (http://pablostolze.ning.com/).

A grande pergunta é a seguinte: porque mudar o nome da lei de introdução se o seu conteúdo não foi alterado?

Navegando na internet achei a seguinte consideração: “Pessoal, o final de 2010 assistiu uma mudança no mínimo inusitada na LICC. Uma lei mudou o seu nome, mas não seu conteúdo, que permanece o mesmo desde 1942!!!! E não culpem o Titirica, porque ele ainda não exercia seu mandato. vejam o texto abaixo”.
(http://pt-br.facebook.com/note.php?note_id=172884712747368)

Perfeita a colocação. A mudança do nome das coisas não significa mudança de sua essência.

Ainda navegando, li no blog do Professor Marcelo Hugo da Rocha uma colocação irônica e perfeita: “O objetivo? Para ampliar o seu campo de aplicação. Ora, alguém tinha dúvida de que a antiga LICC se aplicava a todas as normas de direito brasileiro?? Bem, talvez LULA imaginou em deixar uma herança jurídica para o nosso direito. Quem vai saber, até porque o novo CPC ficou para Dilma assinar”. (http://marcelohugodarocha.blogspot.com/2011/01/licc-lindb-lula-cpc-stf-etc.html)

Para aqueles que gostaram da mudança, pois esta dá clareza ao campo de aplicação da LICC, pois é bom para esclarecer os alunos (como se lei servisse para dar aulas..), deixo uma lembrança de minha infância que poderia ser alguma valia ao legislador brasileiro.

Ruth Rocha criou uma história fantástica a respeito das coisas e seu nome . A personagem Marcelo (título destas linhas) vivia fazendo perguntas a todo mundo e certo dia cismou com o nome das coisas...

“Mamãe, por que é que eu chamo Marcelo? E por que não escolheram martelo? Por que é que não escolheram marmelo?” Os pais responderam: “Porque marmelo é nome de fruta, menino!”

Daí, retorquiu Marcelo com uma indagação genial: “E a fruta não podia chamar Marcelo e eu chamar marmelo?”

Eu, em 2011, respondo ao Marcelo: claro que você poderia chamar marmelo, mas por uma questão de convenção lingüística, o fruto recebeu, antes de você, o nome de marmelo.

A lei que disciplina a aplicação de normas no direito brasileiro, desde 1916, quando da edição do Código Civil revogado, recebeu um nome do legislador: Lei de Introdução ao Código Civil. Poderia ter recebido outro nome? É claro: “lei de introdução às normas jurídicas”, “lei geral sobre aplicação de leis”, “Lex legum”, “lindeb”, ou qualquer outro tal como “Lei Sbrubbles” (a grafia com dois “b” decorre simplesmente de meu apreço pela duplicação de consoantes).

Se conhecesse Marcelo, o legislador brasileiro jamais teria alterado o nome da LICC. Isto porque, Marcelo, em sua obsessão por mudar o nome das coisas, resolveu que “as coisas deveriam ter nomes mais apropriados”. Realmente, travesseiro deveria chamar “cabeceiro”, colher, “mexedor”, leite, suco de vaca e assim por diante.

Marcelo via na mudança uma forma de dar lógica e tornar mais claro o idioma. Até que, certo dia, em uma situação de emergência, gritou para seus pais: “Embrasou a moradeira do latildo! Embrasou a moradeira do latildo!”. Evidentemente não se podia compreender o que Marcelo queria dizer e, então, quando os pais descobriram o significado daquilo era tarde demais: a casa do cão da família havia queimado e estava irremediavelmente destruída.

A LICC, com seu novo nome e velha roupa, agora é LINDB! Mudou-se algo que assim era chamado há quase 100 anos. Centenas ou milhares de obras precisarão de atualização para, apenas, se atender a um capricho do legislador e para dar um novo nome a um velho diploma.

Ao legislador brasileiro, que certamente tem poucas questões com as quais se preocupar, pois as reformas políticas e tributárias são coisas absolutamente desnecessárias (estou sendo irônico), sugiro que, dando sequência à política de mudança de nomes, altere o nome dos seguintes institutos:

a) o direito real de USO (art. 1412 do CC) passaria a se chamar USUFRUTO LIMITADO, pois como sabe, o titular do direito de uso pode receber os frutos do bem, ainda que de maneira limitada e de acordo com suas necessidades e de sua família (art. 1412, § º do CC).

b) contrato ESTIMATÓRIO (arts. 534 a 537 do CC) passaria a se chamar VENDA EM CONSIGNAÇÃO, pois é o nome que recebe na praxe comercial;

c) CONSIGNAÇÃO poderia se chamar DEPÓSITO PARA EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO, pois é isto que realmente significa.

Pergunto: se o legislador medíocre perde tempo para mudar o nome da LICC, melhor não seria a mudança do próprio conteúdo da norma? É acho que precisaremos de muito esforço para explicar o que é esta tal de LINDB.

Eu já fiz uma opção. Se for perguntado por um aluno: “Professor, o que é a ‘Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro’? Responderei: é o novo nome da velha lei de introdução ao Código Civil!

Um comentário:

Unknown disse...

A propósito desse tema (sentido dos nomes) sempre citam também a passagem de Romeu e Julieta: "O que há num simples nome? O que chamamos de rosa, sob outra designação, igual perfume teria". LICC ou LINDB, o perfume vai continuar o mesmo....