sábado, 1 de agosto de 2020

RESUMO. INFORMATIVO 674 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO N. 674 DO STJ.
SEGUNDA SEÇÃO
PROCESSO
CC 150.252-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Carta precatória. Inquirição de testemunha. Degravação de depoimento. Art. 460 do CPC/2015. Competência do juízo deprecante.
DESTAQUE
Na vigência do CPC/2015, o juízo deprecante é o competente para a degravação de depoimento colhido por carta precatória.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, frisa-se que o cumprimento de carta precatória é composto por diversos atos, os quais possuem suficiente autonomia para que não sejam considerados um ato único, mas sim como vários procedimentos isolados, aos quais é possível a aplicação de norma processual superveniente.
Sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, a jurisprudência da Segunda Seção se consolidou no sentido de que cabia ao juízo deprecado a realização da degravação, pois o ato integrava a diligência a ser realizada e o Código, conquanto permitisse a colheita do depoimento por outro meio idôneo, previa sua degravação quando o juiz assim determinasse, de ofício ou por requerimento das partes, ou quando houvesse recurso da sentença.
O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao permitir, no § 1º do artigo 453, a oitiva de testemunha que residir em comarca diversa por meio de videoconferência, o que dispensa, inclusive, a utilização de carta precatória, ao menos em parte. Além disso, a gravação passou a ser um método convencional, ficando a degravação prevista apenas para hipóteses excepcionais em que, em autos físicos, for interposto recurso, sendo impossível o envio da documentação eletrônica.
Observa-se que o artigo 460 do CPC/2015 não mais prevê, como fazia o artigo 417, § 1º, do CPC/1973, a degravação "noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da parte". Isso não significa que essas hipóteses são vedadas, mas demonstra o intuito do novo Código de incentivar a utilização da mídia eletrônica, tornando a degravação uma situação excepcional.
Nesse contexto, como a gravação passou a ser um método convencional e a degravação está prevista somente "quando for impossível o envio de sua documentação eletrônica", parece que o juízo deprecado pode realizar a colheita da prova por gravação sem realizar a transcrição, pois se supõe que o envio da mídia eletrônica já é suficiente para se entender o ato como completo, estando regularmente cumprida a carta precatória.
Assim, à luz do disposto no artigo 460 do CPC/2015, compete ao juízo deprecante realizar ou autorizar que as partes realizem a degravação caso se mostre necessária.
PROCESSO
REsp 1.869.046-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 26/06/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL
TEMA
Responsabilidade civil objetiva do Estado. Falecimento de advogado nas dependências do fórum. Morte causada por disparos de arma de fogo efetuados por réu em ação criminal. Omissão estatal em atividade de risco anormal. Art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Aplicabilidade. Nexo de causalidade configurado.
DESTAQUE
Aplica-se igualmente ao estado o que previsto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, relativo à responsabilidade civil objetiva por atividade naturalmente perigosa, irrelevante o fato de a conduta ser comissiva ou omissiva.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A regra geral do ordenamento brasileiro é de responsabilidade civil objetiva por ato comissivo do Estado e de responsabilidade subjetiva por comportamento omissivo. Contudo, em situações excepcionais de risco anormal da atividade habitualmente desenvolvida, a responsabilização estatal na omissão também se faz independentemente de culpa.
Inicialmente, saliente-se que é aplicado igualmente ao Estado a prescrição do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, de responsabilidade civil objetiva por atividade naturalmente perigosa, irrelevante seja a conduta comissiva ou omissiva. O vocábulo "atividade" deve ser interpretado de modo a incluir o comportamento em si e bens associados ou nele envolvidos. Tanto o Estado como os fornecedores privados devem cumprir com o dever de segurança, ínsito a qualquer produto ou serviço prestado. Entre as atividades de risco "por sua natureza" incluem-se as desenvolvidas em edifícios públicos, estatais ou não (p. ex., instituição prisional, manicômio, delegacia de polícia e fórum), com circulação de pessoas notoriamente investigadas ou condenadas por crimes, e aquelas outras em que o risco anormal se evidencia por contar o local com vigilância especial ou, ainda, com sistema de controle de entrada e de detecção de metal por meio de revista eletrônica ou pessoal.
Segundo a jurisprudência do STJ, são elementos caracterizadores da responsabilidade do Estado por omissão: o comportamento omissivo, o dano, o nexo de causalidade e a culpa do serviço público, esta implicando rompimento de dever específico. Depende, portanto, da ocorrência de ato omissivo ilícito, consistente na ausência do cumprimento de deveres estatais legalmente estabelecidos.
As excludentes de responsabilidade afastam a obrigação de indenizar apenas nos casos em que o Estado tenha tomado medidas possíveis e razoáveis para impedir o dano causado. Logo, se é possível ao ente público evitar o dano, e ele não o faz, fica caracterizado o descumprimento de obrigação legal.
Há culpa (embora desnecessária, à luz do art. 927, parágrafo único, do Código Civil) e nexo causal, elementos aptos a determinar a responsabilização do poder público, quando por sua conduta omissiva, deixa de agir com o cuidado necessário a garantir a segurança, no fórum, dos magistrados, autoridades, servidores e usuários da Justiça, sem a qual o evento danoso (falecimento de advogado, dentro do fórum, decorrente de disparo de arma de fogo efetuada por réu em processo criminal no qual a vítima figurava como patrono) não teria ocorrido. É certo ainda que a exigência de atuação nesse sentido não está, de forma alguma, acima do razoável.
PROCESSO
REsp 1.864.625-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/06/2020, DJe 26/06/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
TEMA
Recuperação judicial. Certidões negativas de débitos tributários. Exigência incompatível com a finalidade do instituto. Princípios da preservação da empresa e da função social. Aplicação do postulado da proporcionalidade. Interpretação sistemática da Lei n. 11.101/2005.
DESTAQUE
A apresentação de certidões negativas de débitos tributários não constitui requisito obrigatório para concessão do pedido de recuperação judicial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Da leitura dos enunciados normativos dos arts. 57 e 58, caput, da Lei n. 11.101/2005, depreende-se que a apresentação das certidões negativas de débitos tributários constitui requisito elencado pelo legislador para concessão da recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção, ou tenha sido aprovado pela assembleia de credores.
Reforçando essa exigência, o Código Tributário Nacional, em seu art. 191-A, condiciona a concessão da recuperação à prova da quitação de todos os tributos.
Todavia, dada a existência, noutro vértice, de previsão legal no sentido de que as fazendas públicas devem, "nos termos da legislação específica", conceder o parcelamento dos débitos fiscais ao empresário em recuperação judicial (art. 68 da LFRE), a jurisprudência do STJ vem entendendo que, por se tratar o parcelamento de verdadeiro direito do devedor, a mora legislativa em editar referida lei faz com que as sociedades em crise estejam dispensadas de apresentar as certidões previstas no art. 57 da LFRE.
Muito embora a lacuna legislativa acerca do parcelamento especial tenha sido preenchida na esfera federal com a edição da Lei n. 13.043/2014 (regulamentada pela Portaria PGFN-RFB n. 1/15), a demonstração da regularidade fiscal do devedor que busca o benefício recuperatório não pode ser exigida sem que se verifique sua compatibilidade com os princípios e objetivos que estruturam e servem de norte à operacionalização do microssistema instituído pela Lei n. 11.101/2005, elencados neste mesmo diploma legal.
O objetivo central do instituto da recuperação judicial é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica" (art. 47 da LFRE).
Dada a existência de aparente antinomia entre a norma do art. 57 da LFRE e o princípio insculpido em seu art. 47 (preservação da empresa), a exigência de comprovação da regularidade fiscal do devedor para concessão do benefício recuperatório deve ser interpretada à luz do postulado da proporcionalidade.
Atuando como conformador da ação estatal, tal postulado exige que a medida restritiva de direitos figure como adequada para o fomento do objetivo perseguido pela norma que a veicula, além de se revelar necessária para garantia da efetividade do direito tutelado e de guardar equilíbrio no que concerne à realização dos fins almejados (proporcionalidade em sentido estrito).
De fato, caso se entenda que a ausência das certidões de regularidade fiscal do devedor impede a concessão do benefício recuperatório, sua não apresentação teria como consequência a decretação da falência da sociedade empresária, o que, fatalmente, dificultaria o recebimento do crédito tributário, haja vista estarem eles classificados em terceiro lugar na ordem de preferências (art. 83, III, da LFRE).
E mais, além de, nesse contexto, tratar-se de medida inadequada para atingir a finalidade pretendida pela norma, a exigência da regularidade fiscal do devedor não se revela necessária, pois, no atual sistema de recuperação de empresas, a Fazenda Pública não fica desprovida dos meios próprios para cobrança dos créditos de sua titularidade.
Isso porque as execuções de natureza fiscal, ao contrário do que ocorre com as demais ações e execuções movidas por credores particulares da recuperanda, não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, devendo seguir seu curso natural, conforme dispõe o art. 6º, caput e § 7º, da Lei n. 11.101/2005.
Na tentativa de realizar a finalidade sobrejacente à regra em questão (garantir a arrecadação fiscal), acaba-se por obstruir indevidamente os fins almejados pelo princípio da preservação da empresa (corolário da função social da propriedade e fundamento da recuperação judicial) e os objetivos maiores do instituto recuperatório – viabilização da superação da crise, manutenção da fonte produtora e dos empregos dos trabalhadores.
De se notar, outrossim, que o condicionamento da concessão da recuperação judicial à apresentação de certidões negativas de débitos tributários resulta em afronta à própria lógica do sistema instituído pela Lei n. 11.101/2005, na medida em que, ao mesmo tempo em que se exige a comprovação da regularidade fiscal do devedor, exclui-se o titular desses créditos (Fazenda Pública) dos efeitos de seu processamento (nos termos da regra do § 7º do art. 6º da LFRE e daquela prevista no art. 187, caput, do CTN).
Assim, conclui-se que os motivos que fundamentam as normas do art. 57 da LFRE e do art. 191-A do CTN, assentados exclusivamente no privilégio do crédito tributário, não têm peso suficiente para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico-financeira, sobretudo diante das implicações negativas que a interrupção da atividade empresarial seria capaz de gerar, diretamente, nas relações de emprego e na cadeia produtiva e, indiretamente, na receita pública e na economia de modo geral.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.576.651-SE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 25/06/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Lei n. 10.188/2001. Proprietário das unidades autônomas. Arrendatário. Mero possuidor. Convenção do Condomínio. Indicação do síndico. Encargo da Caixa Econômica Federal. Gestora do Fundo.
DESTAQUE
O arrendamento residencial não tem natureza jurídica de compra e venda nem de promessa de compra e venda, não se aplicando ao arrendatário, que tem conceito definido na Lei n. 10.188/2001, as disposições do art. 1.333 do Código Civil.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Programa de Arrendamento Residencial instituído pela Lei n. 10.188/2001 define o arrendatário como mero possuidor direto do imóvel, cuja propriedade é da arrendadora, até o cumprimento integral do contrato e o exercício da opção pela compra do imóvel.
O Programa, de nítido caráter social, está sujeito a normas especiais, entre elas a que confere à Caixa Econômica Federal a administração do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que é o legítimo proprietário do imóvel e, enquanto detiver mais de dois terços das unidades, cabe-lhe decidir sobre a administração do condomínio.
O condômino é o proprietário da unidade e, a despeito do elastério do art. 1.334, § 2º, do Código Civil - para considerar como tal também o compromissário comprador e o cessionário - o conceito não pode abranger o arrendatário de imóvel cuja administração está regulada em lei específica. Ademais, o referido arrendamento residencial não tem natureza jurídica de compra e venda nem de promessa de compra e venda.
Segundo o art. 1.333 do Código Civil, "a convenção que institui o condomínio deverá ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais (...)". 4 Nesse contexto, não se aplicam as disposições do art. 1.333 do Código Civil aos arrendatários de que trata a Lei n. 10.188/2001, os quais, por meio do contrato de arrendamento residencial, adquiriram apenas a posse direta dos imóveis, pelo tempo estipulado contratualmente.
Assim, na qualidade de gestora do Fundo de Arrendamento Residencial e de proprietária fiduciária dos imóveis, agiu com acerto a Caixa ao estabelecer, na convenção de condomínio, que a contratação do síndico ficaria a seu encargo, pois assegura a higidez do Programa, evitando o inadimplemento das obrigações condominiais e a má conservação do imóvel. Dar liberdade de escolha dos administradores do condomínio aos seus moradores antes que eles exerçam a opção de compra do imóvel poderia trazer consequências danosas irreversíveis à CEF, a quem compete representar o arrendador ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente (Lei n. 10.188/2001, art. 4º, VI).
PROCESSO
REsp 1.864.625-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/06/2020, DJe 26/06/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
TEMA
Recuperação judicial. Certidões negativas de débitos tributários. Exigência incompatível com a finalidade do instituto. Princípios da preservação da empresa e da função social. Aplicação do postulado da proporcionalidade. Interpretação sistemática da Lei n. 11.101/2005.
DESTAQUE
A apresentação de certidões negativas de débitos tributários não constitui requisito obrigatório para concessão do pedido de recuperação judicial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Da leitura dos enunciados normativos dos arts. 57 e 58, caput, da Lei n. 11.101/2005, depreende-se que a apresentação das certidões negativas de débitos tributários constitui requisito elencado pelo legislador para concessão da recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção, ou tenha sido aprovado pela assembleia de credores.
Reforçando essa exigência, o Código Tributário Nacional, em seu art. 191-A, condiciona a concessão da recuperação à prova da quitação de todos os tributos.
Todavia, dada a existência, noutro vértice, de previsão legal no sentido de que as fazendas públicas devem, "nos termos da legislação específica", conceder o parcelamento dos débitos fiscais ao empresário em recuperação judicial (art. 68 da LFRE), a jurisprudência do STJ vem entendendo que, por se tratar o parcelamento de verdadeiro direito do devedor, a mora legislativa em editar referida lei faz com que as sociedades em crise estejam dispensadas de apresentar as certidões previstas no art. 57 da LFRE.
Muito embora a lacuna legislativa acerca do parcelamento especial tenha sido preenchida na esfera federal com a edição da Lei n. 13.043/2014 (regulamentada pela Portaria PGFN-RFB n. 1/15), a demonstração da regularidade fiscal do devedor que busca o benefício recuperatório não pode ser exigida sem que se verifique sua compatibilidade com os princípios e objetivos que estruturam e servem de norte à operacionalização do microssistema instituído pela Lei n. 11.101/2005, elencados neste mesmo diploma legal.
O objetivo central do instituto da recuperação judicial é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica" (art. 47 da LFRE).
Dada a existência de aparente antinomia entre a norma do art. 57 da LFRE e o princípio insculpido em seu art. 47 (preservação da empresa), a exigência de comprovação da regularidade fiscal do devedor para concessão do benefício recuperatório deve ser interpretada à luz do postulado da proporcionalidade.
Atuando como conformador da ação estatal, tal postulado exige que a medida restritiva de direitos figure como adequada para o fomento do objetivo perseguido pela norma que a veicula, além de se revelar necessária para garantia da efetividade do direito tutelado e de guardar equilíbrio no que concerne à realização dos fins almejados (proporcionalidade em sentido estrito).
De fato, caso se entenda que a ausência das certidões de regularidade fiscal do devedor impede a concessão do benefício recuperatório, sua não apresentação teria como consequência a decretação da falência da sociedade empresária, o que, fatalmente, dificultaria o recebimento do crédito tributário, haja vista estarem eles classificados em terceiro lugar na ordem de preferências (art. 83, III, da LFRE).
E mais, além de, nesse contexto, tratar-se de medida inadequada para atingir a finalidade pretendida pela norma, a exigência da regularidade fiscal do devedor não se revela necessária, pois, no atual sistema de recuperação de empresas, a Fazenda Pública não fica desprovida dos meios próprios para cobrança dos créditos de sua titularidade.
Isso porque as execuções de natureza fiscal, ao contrário do que ocorre com as demais ações e execuções movidas por credores particulares da recuperanda, não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, devendo seguir seu curso natural, conforme dispõe o art. 6º, caput e § 7º, da Lei n. 11.101/2005.
Na tentativa de realizar a finalidade sobrejacente à regra em questão (garantir a arrecadação fiscal), acaba-se por obstruir indevidamente os fins almejados pelo princípio da preservação da empresa (corolário da função social da propriedade e fundamento da recuperação judicial) e os objetivos maiores do instituto recuperatório – viabilização da superação da crise, manutenção da fonte produtora e dos empregos dos trabalhadores.
De se notar, outrossim, que o condicionamento da concessão da recuperação judicial à apresentação de certidões negativas de débitos tributários resulta em afronta à própria lógica do sistema instituído pela Lei n. 11.101/2005, na medida em que, ao mesmo tempo em que se exige a comprovação da regularidade fiscal do devedor, exclui-se o titular desses créditos (Fazenda Pública) dos efeitos de seu processamento (nos termos da regra do § 7º do art. 6º da LFRE e daquela prevista no art. 187, caput, do CTN).
Assim, conclui-se que os motivos que fundamentam as normas do art. 57 da LFRE e do art. 191-A do CTN, assentados exclusivamente no privilégio do crédito tributário, não têm peso suficiente para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico-financeira, sobretudo diante das implicações negativas que a interrupção da atividade empresarial seria capaz de gerar, diretamente, nas relações de emprego e na cadeia produtiva e, indiretamente, na receita pública e na economia de modo geral.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.576.651-SE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 25/06/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Lei n. 10.188/2001. Proprietário das unidades autônomas. Arrendatário. Mero possuidor. Convenção do Condomínio. Indicação do síndico. Encargo da Caixa Econômica Federal. Gestora do Fundo.
DESTAQUE
O arrendamento residencial não tem natureza jurídica de compra e venda nem de promessa de compra e venda, não se aplicando ao arrendatário, que tem conceito definido na Lei n. 10.188/2001, as disposições do art. 1.333 do Código Civil.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Programa de Arrendamento Residencial instituído pela Lei n. 10.188/2001 define o arrendatário como mero possuidor direto do imóvel, cuja propriedade é da arrendadora, até o cumprimento integral do contrato e o exercício da opção pela compra do imóvel.
O Programa, de nítido caráter social, está sujeito a normas especiais, entre elas a que confere à Caixa Econômica Federal a administração do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que é o legítimo proprietário do imóvel e, enquanto detiver mais de dois terços das unidades, cabe-lhe decidir sobre a administração do condomínio.
O condômino é o proprietário da unidade e, a despeito do elastério do art. 1.334, § 2º, do Código Civil - para considerar como tal também o compromissário comprador e o cessionário - o conceito não pode abranger o arrendatário de imóvel cuja administração está regulada em lei específica. Ademais, o referido arrendamento residencial não tem natureza jurídica de compra e venda nem de promessa de compra e venda.
Segundo o art. 1.333 do Código Civil, "a convenção que institui o condomínio deverá ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais (...)". 4 Nesse contexto, não se aplicam as disposições do art. 1.333 do Código Civil aos arrendatários de que trata a Lei n. 10.188/2001, os quais, por meio do contrato de arrendamento residencial, adquiriram apenas a posse direta dos imóveis, pelo tempo estipulado contratualmente.
Assim, na qualidade de gestora do Fundo de Arrendamento Residencial e de proprietária fiduciária dos imóveis, agiu com acerto a Caixa ao estabelecer, na convenção de condomínio, que a contratação do síndico ficaria a seu encargo, pois assegura a higidez do Programa, evitando o inadimplemento das obrigações condominiais e a má conservação do imóvel. Dar liberdade de escolha dos administradores do condomínio aos seus moradores antes que eles exerçam a opção de compra do imóvel poderia trazer consequências danosas irreversíveis à CEF, a quem compete representar o arrendador ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente (Lei n. 10.188/2001, art. 4º, VI).

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