O caso dos planos de saúde e a retroatividade de
novas leis: Contratos sucessivos e contínuos ou contrato único?
Carlos
Eduardo Elias de Oliveira. Professor de Direito Civil e Consultor legislativo do Senado Federal.
O STF superou jurisprudência antiga
do STJ acerca da existência de retroatividade da Lei dos Planos de Saúde - LPS
(Lei nº 9.565/1998) em relação a contratos anteriores.
O STF, ao julgar a ADI 1.931 em 7 de
fevereiro de 2018, entendeu que essa nova lei não poderia exigir que as
operadoras de plano de saúde adaptem os contratos anteriores às novas
exigências legais, como o respeito a uma cobertura mínima[1]
(art. 10, § 2º) e outras condições contratuais (art. 35-E da LPS e art. 2º da
Medida Provisória nº 2.177-44/2001). As operadoras teriam até o dezembro do ano
de 2008 para promoverem essa adaptação. Por isso, o STF declarou
inconstitucional esses dispositivos da Lei do Plano de Saúde (arts. 10, § 2º, e
35-E) e da referida medida provisória. O motivo é que aí haveria violação ao
ato jurídico perfeito.
Ao nosso sentir, a razão de decidir
do STF é a seguinte: nenhuma nova lei pode determinar que contratos anteriores
a ela se adaptem a essa nova lei em determinado prazo.
O STJ, ao tratar acerca da
necessidade de os contratos anteriores terem de se adaptar às condições de
reajustes da nova lei, já tinha se curvado ao entendimento acima, que havia
sido antecipado pelo STF por meio de uma medida cautelar deferida naquela
supracitada ADI 1.931 (STJ, REsp 1568244/RJ, 2ª Seção, Rel. Ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva, DJe 19/12/2016).
Portanto, viola o ato jurídico
perfeito estabelecer que as regras da LPS devem ser aplicadas aos contratos de
planos de saúde firmados anteriormente a ela.
Entendemos, pois, que fica superado
um antigo raciocínio que o STJ utilizava para “contornar” a vedação de
retroatividade diante de ato jurídico perfeito. Antigamente, o STJ entendia que
os contratos de planos de saúde anteriores à LPS seriam reconduzidos
anualmente, de maneira que, a cada ciclo anual de renovação, esses contratos
precisariam adaptar-se à legislação então vigente. Para esse entendimento
antigo STJ, aí não haveria violação de ato jurídico perfeito, porque, a cada
ciclo anual, surgiria um novo contrato, que seria fruto da recondução do
anterior. Não se trataria de retroatividade, e sim de aplicação imediata da lei
aos fatos ocorridos durante a sua vigência. Esse novo contrato seria um novo
ato jurídico perfeito, que deveria se alinhar à lei do seu nascimento. Em suma,
o STJ entendia que, quanto aos contratos anteriores à LPS, deveria ser aplicada
essa nova lei para o “contrato” que nasceria deles ao final do seu ciclo anual
como fruto da recondução contratual. Com base nisso, o STJ condenava os planos
de saúde a fornecerem a cobertura mínima estabelecida na referida lei mesmo na
hipótese de o consumidor ter celebrado o contrato em período anterior a essa
lei (STJ, AgRg no AREsp 64.677, 4ª T., Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe
04/03/2013).
Com a supracitada decisão do STF,
entendemos que não se sustenta mais esse raciocínio antigo do STJ acerca do
fato de que, no contrato de plano de saúde, haveria vários contratos sucessivos
a serem submetidos à legislação vigente no momento de cada recondução
contratual.
Consideramos que, pelo menos, em
matéria de contrato de plano de saúde, esse raciocínio antigo do STJ não pode
ser utilizado. Pelo que se infere da jurisprudência mais recente, acabou
prevalecendo a ideia de que, no caso de plano de saúde, há um contrato único,
mesmo com as várias reconduções contratuais, que seriam meros “aditivos
contratuais”.
Todavia, em outros tipos de contratos
em que efetivamente a recondução contratual seja o nascimento de um novo
contrato, consideramos o raciocínio do STJ adequado para contornar a vedação do
ato jurídico perfeito. Não conhecemos, porém, exemplos disso.
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