sábado, 24 de fevereiro de 2018

O CASO DOS PLANOS DE SAÚDE E A RETROATIVIDADE DE NOVAS LEIS. ARTIGO DE CARLOS EDUARDO ELIAS DE OLIVEIRA.

O caso dos planos de saúde e a retroatividade de novas leis: Contratos sucessivos e contínuos ou contrato único?

Carlos Eduardo Elias de Oliveira. Professor de Direito Civil e Consultor legislativo do Senado Federal. 



O STF superou jurisprudência antiga do STJ acerca da existência de retroatividade da Lei dos Planos de Saúde - LPS (Lei nº 9.565/1998) em relação a contratos anteriores.
O STF, ao julgar a ADI 1.931 em 7 de fevereiro de 2018, entendeu que essa nova lei não poderia exigir que as operadoras de plano de saúde adaptem os contratos anteriores às novas exigências legais, como o respeito a uma cobertura mínima[1] (art. 10, § 2º) e outras condições contratuais (art. 35-E da LPS e art. 2º da Medida Provisória nº 2.177-44/2001). As operadoras teriam até o dezembro do ano de 2008 para promoverem essa adaptação. Por isso, o STF declarou inconstitucional esses dispositivos da Lei do Plano de Saúde (arts. 10, § 2º, e 35-E) e da referida medida provisória. O motivo é que aí haveria violação ao ato jurídico perfeito.
Ao nosso sentir, a razão de decidir do STF é a seguinte: nenhuma nova lei pode determinar que contratos anteriores a ela se adaptem a essa nova lei em determinado prazo.
O STJ, ao tratar acerca da necessidade de os contratos anteriores terem de se adaptar às condições de reajustes da nova lei, já tinha se curvado ao entendimento acima, que havia sido antecipado pelo STF por meio de uma medida cautelar deferida naquela supracitada ADI 1.931 (STJ, REsp 1568244/RJ, 2ª Seção, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/12/2016).
Portanto, viola o ato jurídico perfeito estabelecer que as regras da LPS devem ser aplicadas aos contratos de planos de saúde firmados anteriormente a ela.
Entendemos, pois, que fica superado um antigo raciocínio que o STJ utilizava para “contornar” a vedação de retroatividade diante de ato jurídico perfeito. Antigamente, o STJ entendia que os contratos de planos de saúde anteriores à LPS seriam reconduzidos anualmente, de maneira que, a cada ciclo anual de renovação, esses contratos precisariam adaptar-se à legislação então vigente. Para esse entendimento antigo STJ, aí não haveria violação de ato jurídico perfeito, porque, a cada ciclo anual, surgiria um novo contrato, que seria fruto da recondução do anterior. Não se trataria de retroatividade, e sim de aplicação imediata da lei aos fatos ocorridos durante a sua vigência. Esse novo contrato seria um novo ato jurídico perfeito, que deveria se alinhar à lei do seu nascimento. Em suma, o STJ entendia que, quanto aos contratos anteriores à LPS, deveria ser aplicada essa nova lei para o “contrato” que nasceria deles ao final do seu ciclo anual como fruto da recondução contratual. Com base nisso, o STJ condenava os planos de saúde a fornecerem a cobertura mínima estabelecida na referida lei mesmo na hipótese de o consumidor ter celebrado o contrato em período anterior a essa lei (STJ, AgRg no AREsp 64.677, 4ª T., Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 04/03/2013).
Com a supracitada decisão do STF, entendemos que não se sustenta mais esse raciocínio antigo do STJ acerca do fato de que, no contrato de plano de saúde, haveria vários contratos sucessivos a serem submetidos à legislação vigente no momento de cada recondução contratual.
Consideramos que, pelo menos, em matéria de contrato de plano de saúde, esse raciocínio antigo do STJ não pode ser utilizado. Pelo que se infere da jurisprudência mais recente, acabou prevalecendo a ideia de que, no caso de plano de saúde, há um contrato único, mesmo com as várias reconduções contratuais, que seriam meros “aditivos contratuais”.
Todavia, em outros tipos de contratos em que efetivamente a recondução contratual seja o nascimento de um novo contrato, consideramos o raciocínio do STJ adequado para contornar a vedação do ato jurídico perfeito. Não conhecemos, porém, exemplos disso.



[1] Essa cobertura minima é o chamado “plano de referência”.

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