sexta-feira, 3 de agosto de 2018

STJ. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL PARA OS ALIMENTOS. VOTO DO MINISTRO SALOMÃO.


STJ: Salomão vota por afastar prisão de devedor de alimentos se valor que falta for ínfimo.

Fonte: Migalhas.
A 4ª turma vai decidir se o pagamento da maior parte da dívida alimentícia permite afastar a prisão civil do devedor.
O pagamento da maior parte da dívida alimentícia permite afastar a prisão civil do devedor? A questão está em debate na 4ª turma do STJ.
O HC é de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, que votou nesta quinta-feira, 2, concedendo a ordem de ofício.
O paciente alega que o decreto prisional seria ilegal na medida em que já teria pago toda a pensão, e que a cobrança restante é de custas e honorários, o que o Tribunal de origem afastou, ordenando o cumprimento da prisão civil pelo prazo residual da sanção ou até o pagamento integral do débito alimentar.
Embora asseverando que o HC não comporta dilação probatória, não sendo possível concluir que nos cálculos estariam embutidos as custas e honorários, o ministro Salomão considerou que há nos autos fato relevante que autoriza concessão de ofício da ordem, notadamente da existência de adimplemento substancial do débito alimentar.
O ministro entende que é possível, de forma extremamente excepcional, o reconhecimento do adimplemento substancial de alimentos no caso do rito de prisão.
“É pela lente dessas cláusulas gerais previstas no Código Civil e no NCPC que deve ser dirimida a presente questão, deixando o foco de ser da resolução contratual, para a possibilidade de afastar a prisão civil quando houver cumprimento de parcela significativa da obrigação.
Apenas quando a prestação alimentar for suficientemente satisfatória, cuja parcela mínima faltante for irrelevante dentro do contexto geral, alcançando resultado tão próximo do almejado, é que o aprisionamento poderá ser tido como extremamente gravoso, frente a tão insignificante inadimplemento.”
Segundo o ministro, o executado continuará com o dever de cumprir com o pagamento integral da pensão, mas afasta-se a técnica da prisão para coerção. É uma forma, acredita S. Exa., de impedir o uso desequilibrado do direito do credor.
“Afasta-se o eventual exercício abusivo do direito do credor – a restrição da liberdade individual do devedor de alimentos - diante do descumprimento de parcela ínfima, quando há outros meios mais eficientes para pôr fim à contenda.”
Por se tratar de verba alimentar, tal providência deve ser tomada com muito cuidado, alertou Salomão, e “quando constatado que o devedor de alimentos esteja agindo de boa-fé". No caso concreto, o débito executado é de R$ 1.108, e o devedor apresentou comprovante de pagamento de R$ 903.
“Foi justamente o pagamento quase integral que acabou motivando o magistrado de piso a rever o decreto prisional. Portanto, constatando-se o adimplemento substancial do débito - quitação de 95% da dívida - somado ao fato da incessante busca do executado para adimplemento integral, demostrando boa-fé, conclui-se pela desnecessidade da coação civil extrema. O valor tão ínfimo que sobrou poderá ser cobrado por outros meios menos gravosos ao devedor.”
Após o voto do relator, o ministro Antonio Carlos Ferreira pediu vista dos autos.
· Processo: HC 439.973

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

UM POUCO SOBRE SAN TIAGO DANTAS. ARTIGO DE CARLOS EDUARDO ELIAS DE OLIVEIRA.

Um pouco sobre o civilista San Tiago Dantas: biografia e lições sobre a estabilidade do Direito Civil diante das transformações sociais
Carlos Eduardo Elias de Oliveira
(Doutorando e mestre em Direito na Universidade de Brasília, Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e de Registro, Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Advogado, ex-Advogado da União e ex-assessor de ministro STJ)
Brasília/DF, 30 de julho de 2018
“É em outros domínios do Direito que as ideias travam seus combates, mas o Direito Civil é o campo de escolha e de fixação das vitórias definitivas.” (San Tiago Dantas)
Um dos maiores civilistas que tivemos em meados do século passado foi San Tiago Dantas (nome completo: Francisco Clementino de San Tiago Dantas).
Ele foi muito além do Direito Civil e desenvolveu, nos seus curtos 54 anos de vida - abreviados poucos meses depois do rebuliço político de 1964 -, tarefas que um homem comum só completaria após alguns centenários. As profundas marcas que deixou na vida acadêmica como Professor de Direito Civil e na sua vida política ao longo de sua existência (anos de 1911 a 1964) dificilmente poderiam ser feitas pelo esforço concentrado de vários homens comuns.
Além de fausta atuação como deputado federal e, no governo do Presidente João Goulart, como Ministro das Relações Exteriores e Ministro da Fazenda, deixou robusto legado para o Direito Civil na sua faina acadêmica.
Nacionalista, San Tiago foi, juntamente com Afonso Arinos e João Augusto de Araújo Castro, um dos defensores de uma postura menos serviente do Brasil nas negociações externas por meio da criação da "Política Externa Independente". Um pouco da sua vida política, que oscilou de membro do nacionalismo dos integralistas a operoso artífice dos governos de Getúlio Vargas e de João Goulart, pode ser visto nestes dois textos:
Alguns discursos importantes deles - os quais nos permite conhecer um pouco de sua grandeza – estão na sua obra "Palavras de um Professor", disponível neste site: https://www.santiagodantas.com.br/wp-content/uploads/palavras_de_um_professor-ocr.pdf.
Mais sobre a sua bibliografia pode ser encontrado na obra de Pedro Dutra, cujos textos receberam a honrosa apresentação do professor Arnaldo Sampaio Godoy neste artigo: https://www.conjur.com.br/2015-mai-10/embargos-culturais-pedro-dutra-biografia-san-tiago-dantas.
O talento enciclopédico e interdisciplinar do grande jurista carioca foi objeto de aula inaugural do Professor de Direito Civil da Universidade de São Paulo Fábio Maria De-Mattia neste texto: http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67486/70096.
Aos que gostam do Direito Civil, valerá a pena o esforço de passear pelas páginas de suas antigas obras nas melhores bibliotecas. Entre as suas obras jurídicas, destacam-se: “Programa de Direito Civil” (que reúne as suas aulas de Direito Civil taquigrafadas pelo aluno Victor Bourhis Jüngens),“Figuras do Direito” e “Problemas de Direito Positivo”.
Em nosso atual tempo de crise de identidade por que passa o Direito Civil, San Tiago Dantas é capaz de oferecer um relevante conselho.
Uma de suas mais célebres lições está na identificação da natureza estável do Direito Civil, que não pode ser seduzido pela inconstância dos fatos nem pelo pendor ao niilismo contra o passado e contra a tradição. São deles estas palavras, eternizadas no seu discurso de posse da cátedra de Direito Civil na Faculdade Nacional de Direito no Rio de Janeiro, in verbis:
“O espírito conservador é talvez a essência do espírito civilístico, e se exprime naquela tendência que os jurisconsultos romanos levaram à perfeição, de ligar o novo ao antigo, de conquistar para o moderno os brasões do passado, só reconhecendo no sistema uma alteração, quando os seus quadros são inflexíveis à recepção do fato novo.”
Temos muito a aprender com San Tiago, especialmente nos tempos atuais, em que o Direito Civil se depara com uma sociedade movediça e em ebulição. As transformações sociais não podem, instantaneamente, mudar as regras de Direito Civil. A prudência desse ramo do Direito é inimiga do açodamento. O Direito Civil posta-se como observador desses agitos e, conectando harmoniosamente o presente ao passado, modifica-se lentamente, qual um barco, que, aos poucos, descreve um arco, tentando evitar o cais, para lembrar Chico Buarque.
San Tiago afirmava que as mudanças do Direito Civil são como o aluvião, que consiste no estacionamento paulatino de grãos de areia às margens de um rio a ampliar o terreno marginal após muitos anos. Não são, pois, como a avulsão, que surpreende, da noite para o dia, as margens do rio com o depósito de uma porção de terra. O professor carioca dizia naquele supracitado discurso:
“O Direito Civil é, porém, o campo das aquisições lentas, das transformações aluvionais. Lidando com grandezas microscópicas, penetrando nos alvéolos sociais, analisando e perquirindo os tecidos, decompondo as células, o trabalho do civilista não atinge a forma geral, mas a substância, fixa os detalhes da sociedade. Quantas vezes uma grande transformação política deixa inalterada a vida civil, deixa de pé o sistema de valores sobre que a existência dos indivíduos repousava! E quantas vezes sob uma estrutura política que os séculos conservam, transformam-se o espírito, a forma e o estilo da vida privada, e acusam-se na ordem jurídica as mais completas mutações moleculares!
(...) É em outros domínios do Direito que as ideias travam seus combates, mas o Direito Civil é o campo de escolha e de fixação das vitórias definitivas. Ele ainda tem para a mocidade um alto sentido educativo, qual seja o de acostumá-la aos estudos pacientes, que não atraem pelo brilho, nem oferecem prontamente o gosto dos pontos de vista, nem alimentam o orgulho das originalidades de opinião. O Direito Civil é estudo ascético, em que as colheitas são tardias; paciência, constância, método e tempo são, mais do que quaisquer outras, as condições de êxito.”

Que os civilistas contemporâneos não se esqueçam disso e conservem a prudência diante das abruptas transformações sociais e políticas dos nossos tempos pós-modernos, sob pena de conduzirem o ramo mais estável do Direito ao final trágico dos que são enfeitiçados pelos sons das sereias da instabilidade jurídica.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

PALESTRA GRATUITA PRESENCIAL. DIA 15 DE AGOSTO DE 2018. ESCOLA PAULISTA DE DIREITO, SÃO PAULO


Prezados Amigos do Blog. 
No próximo dia 15 de agosto de 2018, às 19 horas, ministrarei palestra gratuita na Escola Paulista de Direito, sobre o tema do Dano Moral. 
O evento será exclusivamente presencial, na cidade de São Paulo, com sorteio de bolsas de estudos dos cursos de pós-graduação por mim coordenados e de livros de minha autoria. 
Inscrições em www.epd.edu.br
Abraços a todos. 
Professor Flávio Tartuce

quarta-feira, 25 de julho de 2018

O COMPANHEIRO COMO HERDEIRO NECESSÁRIO. COLUNA DO MIGALHAS DE JULHO DE 2018

O COMPANHEIRO COMO HERDEIRO NECESSÁRIO[1]
Flávio Tartuce[2]
Como se retira dos estudos básicos do Direito das Sucessões, o herdeiro ou sucessor é aquele que é beneficiado pela morte do de cujus, seja por disposição de ato de última vontade, seja por determinação da norma jurídica. Sendo assim, como primeiro critério classificador, quanto à origem, o herdeiro pode ser testamentário – quando instituído por testamento, legado ou codicilo –, ou legítimo – quando o direito de suceder decorre da lei, diante da ordem de vocação hereditária, presumindo o legislador a vontade do moro.
Em relação aos últimos, sucessores legítimos, quanto à amplitude de proteção do sistema sucessório nacional, duas são as modalidades de herdeiros previstas no Direito Civil Brasileiro. De início, há os herdeiros necessários, forçados ou reservatários, aqueles que têm a seu favor a proteção da legítima,composta por metade do patrimônio do autor da herança, nos termos do art. 1.846 do atual Código Civil, que enuncia: “pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”. São herdeiros necessários, expressamente e segundo o art. 1.845 do Código Civil de 2002, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Apesar da falta de previsão legal, um dos grandes temas de debate da atualidade diz respeito a se considerar o companheiro ou convivente como herdeiro necessário ou não, discussão que foi aprofundada diante do julgamento do Supremo Tribunal Federal, que concluiu pela inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, com repercussão geral (Recurso Extraordinário n. 878.694/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 10/05/2017, publicado no Informativo n. 864 da Corte).
Não se pode esquecer que o herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua parte disponível, ou algum legado, não perde o direito à legítima, ou seja, é possível que a pessoa seja herdeira testamentária e legítima ao mesmo tempo, categorias que podem coexistir no sistema sucessório brasileiro (art. 1.849 do CC/2002). Assim, deduzindo com clareza e demonstrando que essa já era a solução no sistema anterior codificado: “a disposição testamentária que recair sobre a parte disponível da herança, em favor de herdeiro necessário, não afasta o direito à legítima deste herdeiro beneficiário. Nesse sentido é a clara disposição do art. 1.724 do Código Civil de 1916, vigente à época da abertura da sucessão do autor da herança. Dispositivo que encontra correspondência no atual art. 1.849 do novo Código Civil" (TJRS, Agravo de Instrumento n. 239713-37.2013.8.21.7000, 8ª Câmara Cível, Caxias do Sul, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 29/08/2013, DJERS04/09/2013).
Além dos herdeiros necessários, como segunda categoria, existem os herdeiros facultativos ou não obrigatórios, aqueles que não têm a seu favor a proteção da legítima, podendo ser preteridos totalmente por força de testamento. Também podem ser excluídos de modo integral por de meio doações feitas pelo falecido enquanto era vivo, não se aplicando a regra da nulidade absoluta parcial da doação inoficiosa, prevista no art. 549 do Código Civil. Em tom complementar, o art. 1.850 do Código Civil em vigor preceitua que, para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha sem contemplá-los. Reitere-se, portanto, que são herdeiros facultativos reconhecidos pela dicção expressa da lei os colaterais até o quarto grau. Na literalidade, a norma alcança os colaterais de segundo grau, que são os irmãos, sejam bilaterais ou germanos (mesmo pai e mesma mãe) ou unilaterais (mesmo pai ou mesma mãe). Abrange também os tios e sobrinhos (colaterais de terceiro grau), bem como os primos, tios-avós e sobrinhos-netos (colaterais de quarto grau).
Como se percebe, também não há menção expressa ao companheiro na última regra, de exclusão dos herdeiros facultativos. Na verdade, os entendimentos majoritários da doutrina e da jurisprudência nacionais indicavam que ele não seria herdeiro reservatário, mas apenas o cônjuge. Porém, tal posição não era pacífica, pois muitos juristas já sustentavam anteriormente ser o convivente herdeiro necessário. Conforme a tabela doutrinária de explicação das polêmicas sucessórias do Código Civil de 2002, desenvolvida por Francisco Cahali, constata-se que essa era a opinião de Caio Mário da Silva Pereira, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Luiz Paulo Vieira de Carvalho e Maria Berenice Dias (ver em: CAHALI, Francisco José. Direito das sucessões. 4. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 225-228).
A afirmação, contudo, era minoritária, pois a grande maioria dos doutrinadores pensava de forma contrária, amparada na dicção do art. 1.845 do CC/2002, caso de Christiano Cassettari, Eduardo de Oliveira Leite, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Francisco José Cahali, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo René Nicolau, Inácio de Carvalho Neto, Jorge Fujita, José Fernando Simão, Maria Helena Diniz, Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, Marcelo Truzzi Otero, Mário Delgado, Mário Roberto Carvalho de Faria, Roberto Senise Lisboa, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira e Sílvio de Salvo Venosa; além deste autor, todos citados na tabela Cahali na obra antes referenciada.
Em resumo, entendia a doutrina majoritária que poderia o companheiro ou a companheira ser totalmente excluído da sucessão por testamento ou doação do autor da herança. Não se olvide, a propósito, que alguns juristas há tempos aventavam a inconstitucionalidade desse tratamento diferenciado, caso de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Zeno Veloso, dois dos nossos maiores sucessionistas da atualidade.
As lições dos dois últimos doutrinadores foram adotadas e citadas no julgamento do Supremo Tribunal Federal, que contribui substancialmente para uma mudança de posição a respeito do tema, para a teoria e a prática. Como desenvolvi em outros textos publicados neste canal, por maioria de votos, entendeu-se pela equiparação sucessória entre o casamento e a união estável. Nos termos do voto do relator, “não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição”. Após pedidos de vistas, o julgamento encerrou-se em maio de 2017, formando maioria quanto à adesão à seguinte tese final, para fins de repercussão final e vinculação de outras ações judiciais em trâmite: “no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.
Também conforme já destaquei aqui, entendo que o julgamento do Supremo Tribunal Federal acabou por resolver algumas questões fundamentais que atormentavam os aplicadores do Direito das Sucessões no Brasil. Porém, deixou algumas brechas e dúvidas, o que pende de apreciação em embargos de declaração opostos no processo, um deles pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família).
A principal dúvida diz respeito justamente à inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no art. 1.845 do Código Civil, tormentosa questão relativa ao Direito das Sucessões e que tem numerosas consequências. O julgamento nada expressa a respeito da dúvida. Todavia, lendo os votos prevalecentes, especialmente o do Relator, Ministro Barroso, a conclusão é positiva, sendo essa a minha posição doutrinária, compartilhada com Zeno Veloso, Giselda Hironaka, Francisco Cahali e Euclides de Oliveira, conforme demonstrado por eles em eventos jurídicos dos quais participamos em conjunto nos últimos meses.
Como consequências dessa forma de ver o julgamento do STF, alguns efeitos civis podem ser destacados, a saber: a) incidência das regras previstas entre os arts. 1.846 e 1.849 do CC/2002 para o companheiro, o que gera restrições na doação e no testamento, uma vez que o convivente deve ter a sua legítima protegida; b) o companheiro passa a ser incluído no art. 1.974 do Código Civil, para os fins de rompimento de testamento, caso ali também se inclua o cônjuge; c) o convivente tem o dever de colacionar os bens recebidos em antecipação (arts. 2.002 a 2.012 do CC), sob pena de sonegados (arts. 1.992 a 1.996), caso isso igualmente seja reconhecido ao cônjuge.
Em suma, a minha posição é que da decisão do Supremo Tribunal Federal retira-se uma equiparação sucessória das duas entidades familiares, incluindo-se a afirmação de ser o companheiro herdeiro necessário. Porém, ao contrário do que defendem alguns, não se trata de uma equiparação total que atinge todos os fins jurídicos, caso das regras atinentes ao Direito de Família. Em outras palavras, não se pode dizer, como tem afirmado Mario Luiz Delgado, que a união estável passou a ser um casamento forçado. Em resumo, o decisum do Supremo Tribunal Federal gera decorrências de equalização apenas para o plano sucessório.
A propósito, há corrente respeitável, encabeçada por Anderson Schreiber e Ana Luiza Nevares, no sentido de haver equiparação das duas entidades familiares somente para os fins de normas de solidariedade, caso das regras sucessórias, de alimentos e de regime de bens. Em relação às normas de formalidade, como as relativas à existência formal da união estável e do casamento, aos requisitos para a ação de alteração do regime de bens do casamento (art. 1.639, § 2º, do CC/2002, e art. 734 do CPC/2015) e às exigências de outorga conjugal, a equiparação não deve ser total. Esse entendimento doutrinário gerou a aprovação do Enunciado n. 641 na VIII Jornada de Direito Civil, ocorrida em abril de 2018: “a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil não importa equiparação absoluta entre o casamento e a união estável. Estendem-se à união estável apenas as regras aplicáveis ao casamento que tenham por fundamento a solidariedade familiar. Por outro lado, é constitucional a distinção entre os regimes, quando baseada na solenidade do ato jurídico que funda o casamento, ausente na união estável".
Insta observar que existem recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem, expressa ou implicitamente, ser o companheiro herdeiro necessário. Trazendo o reconhecimento implícito, pelo menos na minha leitura, cite-se o acórdão prolatado pela 4ª Turma do Tribunal da Cidadania, quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.337.420/RS, na sessão plenária de 22 de agosto de 2017, tendo sido como relator o Ministro Luis Felipe Salomão. No caso, irmãos e sobrinho de adotante falecido ajuizaram ação de anulação de adoção em face do adotado, sob o fundamento de que a adoção de menor não atendeu às exigências legais, principalmente no que dizia respeito à hígida manifestação de vontade do adotante. Os autores da ação afirmaram que o adotante-falecido nunca teve a real intenção de adotar a criança, argumentando que a sua capacidade mental estava prejudicada quando do processo de adoção, em virtude de acidente de carro anos atrás.
A controvérsia do processo consistiu em definir se os irmãos e sobrinhos do adotante seriam legitimados para a ação de anulação de adoção proposta após o falecimento do adotante, especialmente pelo fato de ter o falecido uma companheira sobrevivente. Como consta do voto do Relator, sendo declarada a nulidade da adoção – "se acolhido o pedido dos autores, irmãos e sobrinhos do de cujus –, não subsistiria a descendência, pois a filha adotiva perderia esse título, deixando, consequentemente, de ser herdeira, e, diante da inexistência de ascendentes, os irmãos e sobrinhos seriam chamados a suceder. Nessa esteira, os autores da anulatória de adoção afirmaram que, acolhida a demanda, a companheira sobrevivente não ocuparia a posição seguinte na ordem de vocação hereditária, nos termos do dispositivo invocado" (STJ, REsp. n. 1.337.420/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/08/2017).
Na sequência, como desenvolve o julgador, "o novo perfil da sociedade se tornou tão evidente e contrastante com o ordenamento então vigente, impondo-se a realidade à ficção jurídica, que se fez necessária uma revolução normativa, com reconhecimento expresso de outros arranjos familiares, rompendo-se, assim, com uma tradição secular de se considerar o casamento, civil ou religioso, com exclusividade, o instrumento por excelência vocacionado à formação de uma família. Seguindo esse rumo, uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, surgiu em 1988, baseada num explícito poliformismo familiar, cujos arranjos multifacetados foram reconhecidos como aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado 'família', dignos da 'especial proteção do Estado', antes conferida unicamente àquela edificada a partir do casamento. Neste ponto, refiro-me ao art. 226 da Constituição Federal de 1988, que, de maneira eloquente, abandona de vez a antiga fórmula que vinculava, inexoravelmente, a família ao casamento, consagrada em todos os demais diplomas anteriores. Com efeito, quanto à forma de constituição dessa família, estabeleceu a Carta Cidadã, no caput do mencionado dispositivo, que 'a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado', sem ressalvas, sem reservas, sem 'poréns'" (REsp. n. 1.337.420/RS).
Diante desses e de outros argumentos de necessária inclusão de todas as entidades familiares, bem como da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, o aresto reconhece a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil para dar procedência às razões recursais, concluindo pela ilegitimidade ativa dos colaterais do falecido para propor a ação de anulação da adoção. Ainda conforme as palavras do Ministro Salomão, sobre o último dispositivo, sua "aplicabilidade não se sustenta diante da nova ordem instaurada, mormente após o julgamento do STF havido em maio deste ano. Com efeito, tendo sido retirado do ordenamento jurídico as disposições previstas no art. 1.790 do Código Civil, o companheiro passa a figurar ao lado do cônjuge na ordem de sucessão legítima (art. 1.829)" (STJ, REsp. n. 1.337.420/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/08/2017).
Com grande honra, a minha posição é citada em vários trechos do voto do Ministro Relator, notadamente em quatro aspectos, de interpretação a respeito da decisão do STF: a) necessidade de se colocar o companheiro sempre ao lado do cônjuge, no tratamento constante do art. 1.829 do Código Civil; b) reconhecimento do convivente como herdeiro necessário, incluído no art. 1.845 do Código Civil; c) obrigatoriedade de o companheiro declarar os bens recebidos em antecipação, sob pena de serem considerados sonegados (arts. 1.992 a 1.996), caso isso igualmente seja reconhecido ao cônjuge; d) confirmação do direito real de habitação do companheiro, havendo uma tendência de uma unificação de tratamento.
Por fim, o reconhecimento expresso de ser a companheira herdeira necessária se deu em outro julgado de 2018 da mesma Corte Superior, prolatado pela 3ª Turma e tendo como Relator o Ministro Villas Bôas Cueva. Como consta do trecho final do seu voto, "a companheira, ora recorrida, é de fato a herdeira necessária do seu ex-companheiro, devendo receber unilateralmente a herança do falecido, incluindo-se os bens particulares, ainda que adquiridos anteriormente ao início da união estável" (STJ, REsp. n. 1.357.117/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 13/03/2018, DJe26/03/2018).
Assim, em arremate final, por todos os posicionamentos expostos, sejam doutrinários e jurisprudenciais, não restam dúvidas de que, com a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, o convivente foi alçado à condição de herdeiro necessário, mesmo não estando expressamente prevista no rol do art. 1.845 a própria codificação material. O julgamento da nossa Corte Máxima não traz dúvidas quanto a isso, mesmo em relação aos que antes eram céticos quanto a tal afirmação doutrinária, caso deste autor. Neste momento, é necessário saber interpretar o entendimento do STF, mesmo que à custa de posições doutrinárias anteriores, sempre em prol da socialidade e da efetividade do Direito Civil.

[1] Coluna do Migalhas de julho de 2018.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensuda EPD. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

AULA NA FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA.

Prezados Amigos do Blog
Volto novamente à querida Faculdade de Direito de Franca (Municipal) para uma aula de pós-graduação, no curso coordenado pelo meu aluno de doutorado Professor José Antonio Martos. 
A aula será aberta também aos alunos da graduação. 
Tema: Princípios dos Contratos. 
Abraços a todos. 
Professor Flávio Tartuce

terça-feira, 24 de julho de 2018

NOVIDADE. PÁGINA NO INSTAGRAM.

Prezados Amigos do Blog.  
Informo que inaugurei ontem a minha página no instagram. 
O endereço é @flavio.tartuce.
Em breve, muito conteúdo sobre Direito Privado, dicas para estudos e sorteios de livros. 
Abraços e Bons Estudos. 
Professor Flávio Tartuce 

segunda-feira, 2 de julho de 2018

CURSO DE FÉRIAS. AASP E ENA. DIREITO CIVIL: DIÁLOGOS ENTRE A DOUTRINA E A JURISPRUDÊNCIA

Prezados Amigos do Blog. 
Abaixo o folder digital do curso de férias Direito Civil: Diálogos entre a Doutrina e a Jurisprudência, que será ministrado na Associação dos Advogados de São Paulo, em convênio com a Escola Nacional da Advocacia. 
São palestrantes do evento os Professores Giselda Hironaka, José Fernando Simão, Marco Aurélio Bezerra de Melo e Cláudio Luiz Bueno de Goody; além de mim mesmo. 
O curso ocorrerá entre os dias 23 de julho e 6 de agosto, sendo presencial, telepresencial e online.
Para demais informações: www.aasp.org.br
Abraços a todos. 
Flávio Tartuce