quarta-feira, 24 de abril de 2024

RESUMO. INFORMATIVO 808 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 808 DO STJ. 23 DE ABRIL DE 2024.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.129.680-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024, DJe 10/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Côngrua/prebenda vitalícia por jubilamento de pastor evangélico. Natureza contratual da verba. Possibilidade de controle judicial em caso de inadimplemento. Ausência de interferência indevida do poder público no funcionamento de organização religiosa.

DESTAQUE

O reconhecimento de obrigação de natureza contratual de pagar verba de natureza alimentar a ministro de confissão religiosa inativo não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A côngrua (católica) ou prebenda (evangélica) é uma verba de caráter alimentar que uma organização religiosa (cristã) paga a seus ministros de confissão religiosa (padre ou pastor) com finalidade de prover seu sustento.

A obrigatoriedade do pagamento da côngrua que justifica o controle judicial pode ser compreendida pela evolução histórica de seu caráter tributário/fiscal para moral/natural e, em determinadas situações, contratual/civil.

O caráter contratual da côngrua passa a existir quando a entidade prevê seu pagamento (i) de forma obrigatória, (ii) fundamentado em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal.

A regra do art. 44, § 2°, do CC confere às organizações religiosas liberdade de funcionamento, que não é absoluta, pois está sujeita a reexame pelo judiciário da compatibilidade de seus atos com seus regulamentos internos e com a lei.

Quando a côngrua assume caráter contratual, seu eventual inadimplemento pode ser apreciado pelo Poder judiciário sem que implique em interferência indevida do poder público no funcionamento da organização religiosa.

Caso em que a organização religiosa havia reconhecido a obrigatoriedade do pagamento vitalício de "côngrua de jubilação" em decorrência da entrada em inatividade de seu pastor, com previsão estatutária e registro formal do ato deliberativo interno, e implementação do pagamento por quase vinte anos, deixando de pagar diferenças devidas nos últimos anos de vida do jubilado.

O Tribunal de origem considerou que o inadimplemento não era razoável pelo comportamento contraditório da devedora em reconhecer a obrigação, pagar por longo tempo, e negar o dever de pagamento por entender que o adimplemento era mera liberalidade, razão pela qual entendeu violados os princípios da boa-fé e da proteção da confiança nas relações contratuais.

Em outras palavras, o Tribunal de origem considerou que a côngrua teve seu pagamento (i) previsto de forma obrigatória (ii) em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal. Estão preenchidos, portanto, os elementos que permitem o controle judicial do inadimplemento de uma obrigação de caráter contratual.

Portanto, o reconhecimento pelo poder judiciário de obrigação (de natureza contratual), assumida por pessoa jurídica de direito privado (igreja evangélica) de pagar verba de natureza alimentar (côngrua) a preposto (pastor) após ato de inativação (jubilamento) previsto em normativo interno (estatuto) e formalizada em ato interno (ata) - com base em regramentos internos e com princípios de direito contratual - não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas, afigurando-se ausente a violação ao art. 44, § 2º, do CC.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Civil (CC), art. 44, § 2º

Processo

REsp 2.087.632-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 16/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Obrigação de não fazer. Lei n. 9.870/1999. Mensalidades Escolares. Distinção entre alunos do mesmo curso. Impossibilidade. Cobrança de valores adicionais. Possibilidade nas hipóteses legais. Necessidade de comprovação pela instituição de ensino.

DESTAQUE

É possível a cobrança diferenciada de mensalidade entre calouros e veteranos, desde que demonstrado o aumento do custo pela alteração no método de ensino.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em verificar se é possível a cobrança de mensalidades escolares em valores distintos entre alunos do mesmo curso, mas em diferentes períodos.

Alunos do primeiro semestre de medicina propuseram ação contra a faculdade objetivando a revisão da mensalidade para que fosse a mesma paga pelos veteranos. Isso porque o §1º do art. 1º da Lei n. 9.870/1999 determina que o valor deve ter como base o aplicado no ano anterior, não tendo sido comprovada, mediante planilha, a variação de custos, como previsto no §3º do referido dispositivo legal.

É reconhecida a possibilidade de variação da mensalidade entre os alunos de anos distintos, decorrente do aumento do custeio em razão da implementação do método pedagógico. Ou seja, é possível a cobrança diferenciada entre calouros e veteranos, desde que demonstrado o aumento do custo pela alteração no método de ensino.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 9.870/1999, art. 1º §§ 1º e 3°

Processo

REsp 2.107.107-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/4/2024, DJe 19/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Direito funerário. Jazigo em cemitério particular. Contrato de concessão de direito real de uso perpétuo. Resolução do contrato. Retorno ao estado anterior. Restituição da titularidade do direito real. Devolução do valor pago. Retenção de percentual pelo tempo de uso.

DESTAQUE

A resolução do contrato implica o retorno das partes ao estado anterior à avença, devendo a titularidade do direito real retornar ao mantenedor do cemitério, com a restituição do respectivo valor pago, admitindo-se a retenção de percentual suficiente para indenizar pelo tempo de privação de uso do jazigo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em saber se, na hipótese de concessão de direito real de uso perpétuo de jazigo em cemitério particular, a resolução contratual enseja a restituição dos valores pagos.

Na jurisprudência desta Corte, nos poucos precedentes sobre o tema, definiu-se que o jus sepulchri (direito de sepultura) em cemitérios públicos é regido pelo direito público, enquanto o jus sepulchri em cemitério particular é regido pelo direito privado, aplicando-se, inclusive, o Código de Defesa do Consumidor (REsp n. 747.871/RS, Segunda Turma, DJe 18/11/2008; e REsp n. 1.090.044/SP, Terceira Turma, DJe 27/6/2011).

A par das diversas classificações defendidas (enfiteuse, propriedade limitada ou resolúvel, servidão etc.), tem-se que o jus sepulchri mais se assemelha ao direito real de uso do jazigo, que pode ser cedido pelo cemitério particular ao interessado. Não se trata, todavia, de um comum direito real de uso, previsto no Código Civil.

Dentre as suas diferenças, o Código prevê a sua extinção pela morte do usuário, por aplicação subsidiária do art. 1.410, enquanto a doutrina é pacífica no sentido de que uma das características essenciais do jus sepulchri é a sua transferência por ocasião do falecimento do titular, sendo admitida, ainda, a cessão onerosa entre vivos, quando se trata de jazigo vazio em cemitério particular.

Como é cediço, no âmbito do direito privado, o contrato pode ser extinto antes de sua execução por causas supervenientes à sua formação, por meio da resolução ou resilição (ambas genericamente chamadas de rescisão contratual). Registra-se que a jurisprudência desta Corte reconhece a possibilidade de a própria parte inadimplente pleitear a resolução do contrato, diante da insuportabilidade das prestações (REsp n. 1.300.418/SC, Segunda Seção, DJe 10/12/2013).

Essa é a hipótese do caso em discussão, tendo em vista que uma das partes, alegando não mais possuir condições de pagar as taxas pactuadas, ajuizou a presente ação, requerendo a "rescisão contratual", com a restituição ao estado anterior. Ressalta-se que as partes não divergem quanto à resolução do contrato, nem quanto à restituição da titularidade do direito real de uso do jazigo ao cemitério.

A controvérsia se limita à possibilidade ou não de restituição das quantias pagas em negócio pactuado, em que o recorrente, de um lado, se comprometeu a transferir o direito real de uso perpétuo do jazigo e o recorrido, em contraprestação, se comprometeu pagar o valor equivalente na forma pactuada, além de pagar a taxa semestral de manutenção e administração.

Nesse sentido, a resolução do contrato implica a restituição das partes ao status quo ante, com a restituição recíproca de todos os valores necessários para que as partes retornem ao estado anterior à avença, indenizando-se o que não puder ser restituído, além de perdas e danos. Assim, o recorrente (mantenedor do Cemitério) deve receber de volta a titularidade do direito real de uso perpétuo do jazigo, que poderá, novamente, ser transferido de forma onerosa a outrem (até mesmo por valor igual ou superior ao que foi pago pelo recorrido).

No contrato em exame, o objeto é a transferência da titularidade do direito real de uso perpétuo do jazigo, de modo que o valor pago não foi correspondente a apenas um período determinado de uso, mas sim pelo uso perpétuo, o que, como visto, não se consumou. Sendo assim, se a titularidade do direito real retornará ao mantenedor do Cemitério, este deve restituir o respectivo valor pago sob pena, inclusive, de enriquecimento sem causa.

Ressalte-se, contudo, que não se pode admitir que a parte use o jazigo pelo período que bem entender e obtenha a resolução do contrato com a restituição integral do valor pago, sob pena de também caracterizar enriquecimento sem causa, pelo tempo de uso gratuito do jazigo. Assim, diante da natureza desse contrato e considerando que o valor pago foi pelo uso perpétuo, a melhor forma de indenizar pelo período efetivamente usado é autorizar ao Cemitério a retenção de parte do valor pago, proporcionalmente ao tempo utilizado, a ser analisada em cada hipótese.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Civil (CC), art. 1.410

Processo

REsp 2.112.853-MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 7/3/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO DOS POVOS ORIGINÁRIOS

Tema

Ação Civil Pública. Publicação de artigo ofensivo à honra dos povos indígenas. Danos morais coletivos. Condenação em valor irrisório. Majoração. Possibilidade.

DESTAQUE

Não viola a súmula n. 7/STJ a majoração de valor irrisório de danos morais coletivos em razão da publicação na Internet de artigo ofensivo à honra dos povos indígenas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em verificar se é irrisório e deve ser majorado o valor arbitrado a título de indenização por danos morais coletivos em razão de publicação na Internet de artigo ofensivo à honra dos povos indígenas do Estado do Mato Grosso do Sul.

A fim de densificar a proteção constitucional estabelecida pelo art. 231 da CF/88, a Lei da Ação Civil Pública assegura a reparação por danos extrapatrimoniais causados em prejuízo à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos (art. 1º, VIII, da Lei n. 7.347/1985).

A jurisprudência desta Corte tem afastado a aplicação da Súmula 7/STJ e permitido a revisão do valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de danos morais quando o montante é considerado irrisório ou abusivo.

O montante arbitrado de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pode ser considerado irrisório, pois insuficiente para alcançar as finalidades de punição, dissuasão e reparação, além de se mostrar desproporcional com a gravidade da conduta de escrever e divulgar, por meio da Internet, artigo com caráter preconceituoso e incitador de ódio contra os povos indígenas, devendo ser majorado para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Constituição Federal (CF/1988), art. 231

Lei n. 7.347/1985, art. 1º, VIII

SÚMULAS

Súmula n. 7/STJ

QUARTA TURMA

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/3/2024, DJe 11/3/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Divórcio. Manutenção do uso do nome de casada. Direito indisponível. Direito ao nome. Direito da personalidade. Proteção. Longo tempo de uso contínuo.

DESTAQUE

A alteração do nome civil para exclusão do patronímico adotado pelo cônjuge, em razão do casamento, é inadmissível se não houver circunstâncias que justifiquem a alteração, especialmente quando o sobrenome se encontra incorporado e consolidado em virtude de seu uso contínuo por longo período de tempo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 1.578 do Código Civil prevê a perda do direito de uso do nome de casado para o caso de o cônjuge ser declarado culpado na ação de separação judicial. Mesmo nessas hipóteses, porém, a perda desse direito somente terá lugar se não ocorrer uma das situações previstas nos incisos I a III do referido dispositivo legal. Assim, a perda do direito ao uso do nome é exceção, e não regra (AgRg no AREsp n. 204.908/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 3/12/2014).

Segundo a jurisprudência do STJ, "conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo- se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros. Precedentes" (REsp n. 1.873.918/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 4/3/2021) e (AgInt na HDE n. 3.471/EX, Rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, DJe 27/05/2021).

Dessa forma, a alteração do nome civil para exclusão do patronímico adotado pelo cônjuge virago, em razão do casamento, por envolver modificação substancial em um direito da personalidade, é inadmissível quando ausentes quaisquer circunstâncias que justifiquem a alteração, especialmente quando o sobrenome se encontra incorporado e consolidado em virtude de seu uso contínuo, como no presente caso, por quase 20 anos.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Civil (CC), art. 1.578

Processo

AgInt no REsp 2.017.851-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/2/2024, DJe 28/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA SAÚDE

Tema

Plano de saúde. Danos materiais. Tratamento de câncer. Fornecimento de medicamento prescrito por médico assistente. Rol de procedimentos da ANS. Desimportância.

DESTAQUE

A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS não importa para fins de análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Quarta Turma do STJ, em julgamento realizado em dezembro de 2019, firmou entendimento no sentido de que o rol da Agência Nacional de Saúde - ANS não pode ser considerado meramente exemplificativo, sob pena de se inviabilizar a saúde suplementar (REsp n. 1.733.013-PR, Quarta Turma, julgado em 10/12/2019, DJe 20/2/2020).

Todavia, "há categorias de produtos (medicamentos) que não precisam estar previstas no rol - e de fato não estão. Para essas categorias, não faz sentido perquirir acerca da taxatividade ou da exemplaridade do rol" - dentre eles, os medicamentos para tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução da ANS.

Ademais, segundo a jurisprudência do STJ, "é abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de custear a cobertura do medicamento registrado na ANVISA e prescrito pelo médico do paciente, ainda que se trate de fármaco off-label, ou utilizado em caráter experimental" (AgInt no AREsp n. 1.653.706-SP, Terceira Turma, julgado em 19/10/2020, DJe 26/10/2020).

Processo

REsp 2.095.475-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 9/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Sociedade Anônima. Responsabilidade civil de sócio administrador. Alienação de imóvel. Assembleia-geral. Aprovação de contas. Transferência de ações às vésperas da assembleia. Fraude caracterizada. Interesses exclusivos dos sócios e da companhia. Anulabilidade. Impossibilidade de reconhecimento do vício de ofício. Necessidade de prévia invalidação da assembleia para o manejo da ação responsabilizatória.

DESTAQUE

O vício de voto, na hipótese de acionista votar nas deliberações de assembleia-geral de sociedade anônima relativa à aprovação de suas próprias contas como administrador, conduz a sanção de anulabilidade, sendo necessária a prévia desconstituição da assembleia para que se autorize a responsabilização do sócio administrador.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Ação de responsabilidade proposta por acionistas minoritários em que pleiteiam a condenação dos administradores a indenizar a companhia pelos prejuízos decorrentes de venda de imóvel em montante substancialmente inferior ao seu efetivo potencial econômico.

Realizada a assembleia de aprovação das contas com participação do sócio administrador por intermédio de pessoa jurídica à qual havia transferido a totalidade de sua participação societária às vésperas do conclave, violou-seo a proibição prevista no art. 115, § 1º, da Lei n. 6.404/1976.

Acerca do regime das invalidades das deliberações assembleares, há significativa divergência sobre a aplicabilidade estrita das normas societárias, a incidência do regime civil das invalidades ou sua regência por um regime especial, em que se complementam ambas as disciplinas, sendo que o CC/02 estabelece, em seu art. 1.089, que sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições do estatuto civil.

A partir do disposto no art. 286 da LSA, infere-se que há um regime especial de invalidades aplicado à companhia, partindo da regulação setorial, que estabelece a sanção de anulabilidade às invalidades, mas coexiste com a sistematização civil, a depender do interesse violado, vale dizer, a determinação do regime a ser aplicado dependerá dos interesses jurídicos tutelados ou dos interesses em jogo. Considerando a diversidade de relações jurídicas que decorrem do exercício da atividade da sociedade por ações, a melhor exegese consiste em restringir, em princípio, a aplicação da legislação setorial apenas às relações intrassocietárias - relações entre os sócios ou, ainda, relações entre os sócios e a própria sociedade -, remanescendo a disciplina geral estabelecida pela lei civil tão somente àquelas hipóteses em que os efeitos das deliberações alcancem a esfera jurídica de terceiros.

A aplicação eventual e residual do regime civil de invalidades à seara empresarial deve sofrer adaptações, como a (i) não aplicabilidade do princípio de que o ato tido por nulo não produz nenhum efeito, de molde a preservar os interesses de terceiros, (ii) a existência de prazos de invalidação mais exíguos, em virtude da necessidade premente de estabilização das relações societárias, e (iii) a ampla possibilidade de sanação dos atos ou negócios jurídicos.

Os interesses relacionados à aprovação assemblear das contas do administrador circunscrevem-se aos acionistas e à própria companhia, vale dizer, traduzem interesse econômico dos acionistas e da companhia na alienação de bem imóvel por valor superior ao que fora efetivamente praticado e que teria, por isso, lhes causado significativo prejuízo e, caso seja procedente a demanda ressarcitória, o decreto apenas os aproveitará. Inexistem, pois, interesses de coletividade ou de terceiros tutelados pelas normas em questão.

Considerando que o regime especial de invalidades das deliberações assembleares tem por referência fundamental o interesse violado, é possível inferir que a hipótese em questão se trata, em verdade, de anulabilidade da deliberação.

Cuidando-se de vício de voto - quando são os próprios votos proferidos na assembleia eivados de vícios que podem conduzir à invalidade -, somente os votos eivados serão invalidados, estendendo-se à deliberação específica para a qual o voto concorreu tão somente se o resultado não teria sido obtido sem sua conjunção.

O sócio administrador transferiu a totalidade de sua participação acionária às vésperas da assembleia para sociedade empresária da qual, juntamente com sua cônjuge, era detentor de 100% (cem por cento) do capital social, e que votou de maneira determinante para a aprovação das contas.

A personalidade jurídica da sociedade empresária tem o efeito de lhe conferir autonomia e independência em relação aos seus sócios e seu patrimônio. Contudo, o contexto fático demonstra não ter existido as necessárias independência e isenção na apreciação das contas do administrador por intermédio de holding familiar.

Hipótese em que o fato relevante para a configuração da fraude ao comando legal reside muito mais na proximidade entre a data da transferência da participação acionária e a assembleia de aprovação das contas do que na data da criação da sociedade empresária para quem as quotas foram transferidas. A sociedade existia há várias décadas, mas a transferência das ações deu-se em ocasião vizinha à data da assembleia. Portanto, o elemento temporal, de significativa importância para a configuração da fraude, aponta no sentido de que a transferência foi realizada com a finalidade de possibilitar a participação do próprio administrador no conclave.

Sendo reservada ao vício de voto a sanção de anulabilidade, não poderia ter sido reconhecida de ofício, tal como o fez o Tribunal de origem, o qual afastou também o prazo decadencial para sua decretação. Exige-se, de acordo com a jurisprudência do STJ, a prévia desconstituição da assembleia, nos termos do art. 134, § 3º, da LSA.

O dispositivo de lei exonera de responsabilidade os administradores da companhia, se suas demonstrações financeiras e contas forem aprovadas sem ressalvas. Isso significa que a assembleia confere um quitus aos administradores ao apreciar a regularidade de sua gestão, que, por constituir uma presunção juris tantum de legitimidade, exige sua desconstituição para tornar possível a responsabilização.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 6.404/1976, arts. 115, § 1º286 e 134, § 3º

Código Civil (CC/2002), art. 1.089

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/2/2024, DJe 28/2/2024.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Renúncia de mandato. Representação processual. Regularização. Ciência dada pelo patrono ao seu constituinte. Intimação da parte. Determinação judicial. Prescindibilidade. Constituição de novo advogado. Ônus da parte.

DESTAQUE

A renúncia de mandato devidamente comunicada pelo patrono ao seu constituinte prescinde de determinação judicial para a intimação da parte com o propósito de regularizar a representação processual nos autos, incumbindo à parte o ônus de constituir novo advogado.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, no caso de recurso interposto sem procuração nos autos, se a parte recorrente, instada a regularizar a representação processual, não o faz no prazo assinado, não se conhece do pleito recursal, de acordo com art. 76, § 2º, I, do Código de Processo Civil de 2015.

Registre-se ainda que a renúncia de mandato, devidamente comunicada pelo patrono ao seu constituinte conforme preconizado pelo art. 112 do Código de Processo Civil, prescinde de determinação judicial para a intimação da parte com o propósito de regularizar a representação processual nos autos, incumbindo à parte o ônus de constituir novo advogado.

Nesse sentido, veja-se o seguinte precedente: [...] "a jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento no sentido de que a renúncia de mandato regularmente comunicada pelo patrono ao seu constituinte, na forma do art. 112 do NCPC, dispensa a determinação judicial para intimação da parte, objetivando a regularização da representação processual nos autos, sendo seu ônus a constituição de novo advogado" [...]. (AgInt no REsp n. 1.874.212/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 16/2/2023.).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC/2015), arts. 76, § 2º, I e 112

quinta-feira, 18 de abril de 2024

RESUMO. INFORMATIVO 807 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 807 DO STJ. 16 DE ABRIL DE 2024.

CORTE ESPECIAL

Processo

EREsp 2.066.868-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 3/4/2024, DJe 9/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Tutela antecipada antecedente. Prazo para formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015). Natureza processual. Contagem em dias úteis.

DESTAQUE

O prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do Código de Processo Civil possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a saber se o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do Código de Processo Civil possui natureza jurídica material ou processual e se sua contagem é realizada em dias corridos ou dias úteis.

O acórdão embargado da Terceira Turma entendeu que o prazo de 30 estabelecido no art. 308 do CPC/2015 tem natureza processual, devendo ser contado em dias úteis (art. 219 do CPC/2015).

O acórdão paradigma da Primeira Turma, por sua vez, decidiu que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015) tem natureza decadencial e deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único).

Quanto ao ponto, ressalta-se que após a alteração do CPC/2015 com relação ao procedimento para requerimento de tutelas cautelares antecedentes, o pedido principal deve ser formulado nos mesmos autos, não sendo necessário ajuizamento de nova demanda (extinção da autonomia do processo cautelar). Atual sistemática que prevê apenas um processo, com etapa inicial que cuida de tutela cautelar antecedente, com possibilidade de posterior ampliação da cognição.

A dedução do pedido principal, nesse caso, é um ato processual que produz efeitos no processo já em curso, e o transcurso do prazo em branco apenas faz cessar a eficácia da medida concedida (art. 309, II, do CPC/2015), fato que não afeta o direito material em discussão.

Portanto, o prazo de 30 (trinta) dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do Código de Processo Civil possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC/2015), arts. 219, caput e parágrafo único308309, II

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.106.765-CE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 15/3/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Contrato de fomento mercantil. Factoring. Instrumento particular de confissão de dívida. Invalidade. Ausência de direito de regresso. Risco da atividade mercantil.

DESTAQUE

É inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de fomento mercantil (factoring), ainda que o referido instrumento de confissão, assinado pelo devedor e duas testemunhas, tenha força executiva.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

factoring (faturização ou fomento mercantil) pode ser definido, em linhas gerais, como a operação mercantil por meio da qual determinada empresa (faturizadora) compra os direitos creditórios de outra (faturizada), mediante pagamento antecipado de valor inferior ao montante adquirido. Nessa operação, há assunção de riscos para a empresa faturizadora, isto é, com a transferência do crédito pela faturizada - geralmente manifestado por meio de títulos de crédito -, há o risco de que o montante transferido não seja pago na data do vencimento.

A solvabilidade dos títulos, destarte, consubstancia álea inerente à atividade mercantil desenvolvida. Na hipótese de posterior inadimplência do título transferido, a doutrina leciona que a faturizadora não poderá cobrar a faturizada, porquanto a transferência do crédito, no factoring, realiza-se em caráter pro soluto, sem corresponsabilidade da faturizada, a qual, por sua vez, apenas responde pela existência do crédito no momento da cessão.

Segundo a doutrina, no caso de factoring, não há responsabilidade do endossante ou do cedente, porquanto haveria uma compra do crédito e dos riscos. Ora, havendo a compra dos riscos do faturizado não se pode exigir dele o pagamento do título.

O Superior Tribunal de Justiça compartilha desse entendimento e reforça, em diversos julgados, que a faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada em razão de inadimplemento dos títulos transferidos, visto que tal risco é da essência do contrato de factoring. Como consequência, nos contratos de faturização, são nulas eventuais cláusulas de recompra dos créditos vencidos e de responsabilização da faturizada pela solvência dos valores transferidos (AgInt no REsp n. 2.051.414/SP, Terceira Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023 e AgInt no AREsp n. 2.368.404/ES, Quarta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 22/9/2023).

Do mesmo modo, a Terceira Turma decidiu pela invalidade das notas promissórias emitidas com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, bem como pela insubsistência de eventual fiança ou aval aposto na cártula garantidora, in verbis: "[...] A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. [...] afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora" (REsp n. 1.711.412/MG, Terceira Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 10/5/2021).

Nessa linha de raciocínio, deve ser considerado inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de faturização (factoring). Em que pese o instrumento de confissão assinado pelo devedor e duas testemunhas tenha força executiva (art. 784, III, CPC), a origem desse débito corresponde à dívida não sujeita a direito de regresso. Logo, admitir a validade e autorizar a exigibilidade do referido título subverteria a própria lógica do fomento mercantil.

Desse modo, não há que se falar em livre autonomia da vontade das partes para instrumentalizar título executivo a fim de, sob nova roupagem (contrato de confissão de dívida), burlar o entendimento consolidado por esta Corte de Justiça acerca do tema.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC), art. 784, III

Processo

REsp 2.098.109-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 7/3/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Bem imóvel penhorado. Adjudicação. Licitação entre os pretendentes. Art. 876, § 6º, do CPC. Regras relativas ao concurso de credores. Arts. 908 do CPC e 962 do CC. Impossibilidade de aplicação. Necessidade de requerimento do credor ou de terceiro para concorrer à adjudicação.

DESTAQUE

Não é possível que se aplique à licitação entre os pretendentes à adjudicação de bem penhorado as regras relativas ao concurso de credores na hipótese de múltiplos credores com créditos de valores distintos.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O instituto da adjudicação está previsto nos artigos 876 e 877 do CPC, destacando-se como pressupostos para o exercício da faculdade de adjudicar: a) o oferecimento de preço não inferior ao da avaliação; e b) a capacidade para adjudicar.

É possível que haja diversos legitimados na promoção da adjudicação, conforme dispõe o art. 876, §6º, do CPC, hipótese em que se procederá à licitação entre os legitimados pretendentes. Para tanto, é indispensável que haja requerimento do credor ou de terceiro para concorrer à adjudicação.

A licitação entre pretendentes (art. 876 e 877 do CPC) não se confunde com o concurso de preferências (art. 908 e 909 do CC).

O concurso de credores, disciplinado pelos arts. 908 e 909 do CPC, instaura-se na hipótese de disputa sobre o dinheiro arrecadado pela adjudicação do bem a terceiro, ou seja, em relação ao produto da adjudicação, enquanto a licitação entre os pretendentes à adjudicação diz respeito ao bem penhorado.

Não é possível autorizar que o credor que não requereu a adjudicação se aproveite do procedimento adjudicatório com fundamento no concurso de credores e na possibilidade de rateio dos valores, sob pena de antecipação do concurso de credores, o qual se restringe à distribuição do produto da adjudicação.

Na espécie, verifica-se que o recorrente sequer requereu à adjudicação, não havendo razões para anular o feito e aplicar o instituto do concurso de credores sobre o bem propriamente dito. Prevalência do princípio da isonomia entre credores e observância ao procedimento da adjudicação.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC), art. 876877908 e 909

Código Civil (CC), art. 962

QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.958.096-PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 14/3/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

Tema

Falência. Venda de imóvel após a decretação da quebra. Nulidade do negócio jurídico declarada de ofício pelo juízo falimentar. Possibilidade. Ação Revocatória. Desnecessidade. Violação ao art. 40, § 1º, do Decreto-lei n. 7.665/1945.

DESTAQUE

À luz do Decreto-lei n. 7.661/1945, a anulação de negócio jurídico realizado pela empresa falida após a decretação da quebra prescinde do ajuizamento de ação revocatória, podendo ser pronunciada, de ofício, pelo juízo falimentar.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em verificar se o juiz responsável pelo processo de falência pode declarar, nos autos do processo falimentar, a nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel realizado pela empresa falida após a decretação da quebra, independentemente da propositura de ação revocatória.

A exigência da propositura de ação revocatória para a anulação de negócio jurídico realizado por empresa falida, após a decretação da quebra, não encontra respaldo no Decreto-lei n. 7.661/1945, sob pena de violação ao seu art. 40, § 1º, que não faz menção à necessidade do ajuizamento da referida demanda nesse tipo de situação.

Independentemente da boa-fé de terceiros, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo, nos termos do art. 169 do Código Civil. Ou seja, a boa-fé de terceiro adquirente não tem o condão de afastar a nulidade do negócio jurídico feito em desacordo com a lei.

Assim, se a boa-fé não pode transformar um ato nulo em ato válido, a exigência de propositura de ação específica para que se declare a referida nulidade não é razoável. Ao contrário, não há sentido em se exigir o ajuizamento de ação que será julgada procedente, especialmente se há para o terceiro prejudicado a possibilidade de opor os embargos de terceiro previstos no art. 674 do CPC.

Ademais, cabe ressaltar que não só o art. 40, § 1º, do Decreto-lei n. 7.661/45, mas também o art. 168, parágrafo único, do Código Civil indicam que a nulidade absoluta não só pode como deve ser pronunciada de ofício pelo juiz, independentemente de ação específica.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Decreto-lei n. 7.661/1945, art. 40, § 1º

Código de Processo Civil (CPC), art. 674

Código Civil (CC), art. 168, parágrafo único, e art. 169

Processo

REsp 1.802.569-MT, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 12/3/2024, DJe 11/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Concessionária de energia elétrica controlada. Aplicações financeiras resgatadas para liquidação de débitos da holding. Cédulas de crédito bancário representativas de mútuos. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Teoria finalista mitigada. Não comprovação da vulnerabilidade técnica, econômica ou jurídica.

DESTAQUE

Não incide o Código de Defesa do Consumidor no caso de concessionária de serviços públicos pertencente a grande grupo econômico, que pressupõe elevado nível de organização e planejamento para participação de processos licitatórios e sujeição a agências de regulação setorial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No caso, a concessionária de energia elétrica, que era controlada por uma sociedade anônima, pleiteou a condenação da instituição financeira a abster-se de fazer novas movimentações na conta corrente ou conta de investimento, bem como à devolução dos valores retidos e utilizados para amortização das dívidas da controladora. A concessionária defende que sua relação com a instituição financeira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Quanto ao ponto, em julgados mais recentes, a partir de uma interpretação teleológica do CDC, esta Corte tem admitido temperamentos à teoria finalista, de forma a reconhecer sua aplicabilidade a situações em que, malgrado o produto ou serviço seja adquirido no fluxo da atividade empresarial, seja comprovada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica do contratante perante o fornecedor.

Com a adoção, por conseguinte, da teoria finalista mitigada, a jurisprudência autoriza a expansão da concepção de relação de consumo, de forma a abranger em seu espectro relações que, à vista da adoção da teoria finalista pura, seriam excluídas do âmbito de regulação do CDC.

No caso, as características dos negócios jurídicos realizados entre a concessionária e a instituição financeira não permitem reconhecer qualquer tipo de vulnerabilidade que possibilite a incidência da norma consumerista a uma relação que, em princípio, estaria excluída, por configurar aquisição de serviços destinados à implementação da atividade econômica, isto é, inserida no fluxo da atividade empresarial da sociedade.

Destarte, considerando o vulto das obrigações garantidas, a recorrência das pactuações e das autorizações fornecidas ao banco - como reconhecido pelas instâncias ordinárias para identificar o comportamento contraditório (venire contra factum proprium) -, a característica da concessionária ao pertencer a grande grupo econômico ordenado tendente à prestação de serviços públicos concedidos - que pressupõe elevado nível de organização e planejamento para participação de processos licitatórios e sujeição a agências de regulação setorial -, não se pode reconhecer, por nenhum viés, que exista algum tipo de vulnerabilidade que autorize a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Processo

REsp 1.966.276-SP, Rel. Ministro. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 9/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO INTERNACIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Execução. Credor estrangeiro. Propositura em face da justiça brasileira. Jurisdição concorrente. Previsão contratual. Embargos à execução. Competência interna. Liquidação da instituição financeira credora no estrangeiro. Modificação da jurisdição. Impossibilidade.

DESTAQUE

Caso exista previsão contratual que faculte ao credor a escolha do foro de execução e este opte pela execução dos contratos de empréstimos celebrados no exterior perante a Justiça brasileira, deve haver submissão à forma processual típica de tal via processual, inclusive quanto ao conhecimento e julgamento dos respectivos embargos à execução.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Debate-se nos autos a jurisdição nacional para conhecer e processar embargos à execução opostos por devedor brasileiro em contraposição à ação de execução de título extrajudicial manejada por instituição financeira estrangeira perante a justiça brasileira.

Inicialmente, cumpre ressaltar que a previsão, em contrato internacional, que faculta às partes a eleição de uma jurisdição nacional distinta da do local da contratação é hipótese reconhecida pela legislação brasileira de jurisdição internacional concorrente (CPC, art. 22, III).

Nesse sentido, ao eleger a jurisdição brasileira, ainda que o contrato seja regido por legislação estrangeira para fins de validade do negócio jurídico, o procedimento judicial respectivo será regido pelas regras processuais estabelecidas na legislação nacional, conforme interpretação dos arts. 9º, 12 e 14 da LINDB e 22 do CPC.

Em execução de título extrajudicial, por sua vez, o meio de defesa legalmente previsto se instrumentaliza por meio dos embargos à execução, cuja natureza de ação autônoma de oposição não afasta sua função precípua de materialização do contraditório, admitindo, por consequência, a dedução de defesas processuais e materiais.

No caso concreto, tendo em vista a previsão contratual que facultava ao credor a escolha do foro de execução, a instituição financeira optou por executar contratos de empréstimos celebrados no exterior perante a Justiça brasileira, devendo, por consequência, submeter-se à forma processual típica dessa via processual, inclusive ao conhecimento e julgamento dos respectivos embargos opostos à execução pelos executados, via processual adequada ao exercício da ampla defesa e do contraditório.

Dessa forma, a existência de processo de liquidação da instituição financeira credora perante autoridade estrangeira, no caso, a liquidação de instituição financeira em trâmite no Panamá, não modifica a jurisdição internacional do Poder Judiciário brasileiro para as ações individuais aqui propostas.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC), art. 22, III

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), arts.  , 12 e 14